domingo, 9 de novembro de 2014

Marrocos persegue as associações de direitos humanos




  •      O reino alauita cancela reuniões da Amnistia Internacional e de outras organizações
  •     No entanto, prepara-se para receber o Fórum Mundial de Direitos Humanos em Marraquexe



"Marrocos já foi um viveiro de atividades independentes de direitos humanos, mas as autoridades bloquearam recentemente as atividades que grupos mais críticos tentaram organizar", diz Sarah Leah Whitson, diretora da Human Rights Watch para o Médio Oriente e o Norte de África.

As autoridades marroquinas impediram mais de 15 atos da Associação Marroquina de Direitos Humanos (AMDH), da Amnistia Internacional e da Liga Marroquina de Direitos Humanos desde julho deste ano, denuncia um relatório da Human Rights Watch, acrescentando que "Marrocos deve parar arbitrariamente de interferir com as atividades pacíficas de grupos independentes de direitos humanos no país e permitir-lhes operar livremente."

As proibições começaram este verão coincidindo com um discurso anti-terrorismo do ministro do Interior marroquino, Mohamed Hassad, no qual ele declarou que essas associações acusam as forças de segurança marroquinas de cometer abusos, o que poderia prejudicar a imagem e a segurança de Marrocos. Hassad absteve-se de nomear qualquer grupo de direitos humanos no seu discurso de 15 de julho. No entanto, a associação mais atingida foi a AMDH, um grupo independente fundado em 1979 que conta com 97 filiais em todo o país.

O foco agora é sobre o Fórum Mundial de Direitos Humanos, um importante evento que reúne ativistas de todo o mundo. Marrocos foi escolhido como o país anfitrião e Marraquexe prepara-se para recebê-los de 27 a 30 de novembro. A decisão de realizar o Fórum no Reino Aluita foi premeditado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) [instituição oficial] com o intuito de [sic] "refletir um reconhecimento da vitalidade das instituições nacionais e as organizações da sociedade civil que trabalham no campo da direitos humanos ", afirmava o presidente do CNDH, Driss El Yazami.

Proibição atrás de proibição

Desde julho, a AMDH, descobriu que o Governo e os seus funcionários intervieram junto dos locais que a associação utilizava para fazer as suas reuniões obrigando-os a dizer que não estavam disponíveis. Foi-lhe proibido usar esses lugares sem aviso prévio mesmo depois de haverem concordado que a associação poderia organizar aí as suas reuniões, como reconheceu Abdelkhalek Benzekri, diretor de relações internacionais do Human Rights Watch.

A proibição mais recente data de 31 de Outubro. Tinham organizado um seminário fechado para jornalistas a 1 e 2 de novembro. Um dia antes, foram informados pelo Hotel Ibis em Rabat que não poderiam usar a sala que tinham reservado, com a explicação que as autoridades os haviam notificado que o evento não fora autorizado, conta Samad Iach, do Centro Ibn Rochd de Estudos e Comunicação. Iach disse à Human Rights Watch que a associação, há vários anos, vinha organizando em Rabat seminários públicos como este sem notificar as autoridades e sem encontrar nenhum tipo de obstáculo.

A lei não exige que as associações de direitos humanos obtenham uma autorização das autoridades antes de organizar uma reunião pública. De acordo com o artigo 3, as "reuniões de associações e grupos legalmente reconhecidos, cujos propósitos são especificamente de natureza cultural, artística, desportiva assim como as reuniões de associações e entidades que prestam primeiros socorros ou caridade, estão isentos de pedir um pedido prévio...", daí que à AMDH não deveria ser exigida uma a notificação prévia, como afirma o Human Rights Watch no seu relatório.

O ministro da Justiça e das Liberdades Públicas, Moustapha Ramid, numa reunião com grupos de direitos humanos a 24 de setembro, destacou que não há exigência de autorização prévia para as reuniões públicas e comprometeu-se a trabalhar com as associações se se vierem a deparar tais obstáculos.

A 27 de setembro, as forças de segurança impediram uma caravana de solidariedade com os migrantes organizada pelo mesmo grupo em Tânger. Quando as filiais da AMDH em todo o país organizaram um sit-in a 15 de outubro para protestar contra a proibição de suas atividades, as autoridades não interferiram, exceto no Sahara Ocidental. Aí, a polícia impediu os manifestantes de alcançar os locais concretizados para a concentração nas cidades de El Aaiún e Smara.



Castigos de prisão

A 12 de agosto, um tribunal de primeira instância de Tânger condenou Wafa Charaf, uma ativista da associação, a um ano de prisão e multa, obrigando-a a pagar uma indemnização com a acusação de "falsa denúncia de um caso de tortura" e difamar a polícia. A ativista apresentara um processo junto do promotor de Tânger, alegando que fora sequestrada, espancada e detida por várias horas por pessoas que não conseguiu identificar, num comício sindical a 27 de abril. A 20 de outubro, um tribunal de apelação duplicou a sua sentença de prisão.

Boubker el-Khamlichi, outro membro da AMDH com muita experiência em direitos humanos, viu-lhe ser outorgada uma sentença de prisão suspensa de um ano por “cumplicidade” no mesmo caso. Ambos pertencem também ao partido político Vía Democrática de extrema-esquerda.

Outras associações atingidas

As autoridades marroquinas também impediram a Amnistia Internacional (AI) de realizar um acampamento para jovens da Europa e Médio Oriente que a organização tinha realizado nos 16 anos anteriores. A 1 de setembro, um dia antes do início do evento, a Amnistia chegou ao complexo Moulay Rachid, situado na praia de Bouznika, e que pertence ao Ministério da Juventude e Desportos, e constatou que o mesmo fora proibido.

A AI não recebeu nenhuma notificação prévia, nem nenhuma explicação oficial. No dia seguinte a agência estatal de notícias Maghreb Arabe Presse (MAP) publicou um artigo alegando que a organização não havia cumprido com os procedimentos administrativos. Os organizadores “não notificaram as autoridades sobre a sua intenção de organizar esta atividade nem proporcionaram informação sobre o tema ou a natureza da atividade nem a nacionalidade dos participantes”, narrava o comunicado.

Salah Abdellaoui, membro de Amnistia afirmou que tinham notificado as autoridades locais por fax, tal como nos anos anteriores, apesar de considerarem o acampamento um evento não público que não requer notificação prévia.


“É claro que a repressão atual vai muito além do que as autoridades judiciais podem estar utilizando para justificar a proibição de reuniões", disse Sarah Leah Whitson. "À medida que Marrocos se prepara para receber os ativistas de direitos humanos de todo o mundo, deve cessar todas as restrições arbitrárias a reuniões organizadas pelos seus próprios defensores dos direitos humanos."

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