sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O discreto apoio de Espanha a Marrocos no Sahara


O ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol cumprimenta o seu homólogo marroquino, Salaheddin Mezouar



Em público, a linguagem é impecável. Os membros do Governo espanhol e diplomatas mostram, com raras exceções, uma completa neutralidade quando se pronunciam sobre o conflito do Sahara Ocidental que, há 39 anos, opõe Marrocos e a Frente Polisario, apoiada pela Argélia. O presidente espanhol Mariano Rajoy foi, por exemplo, um modelo de imparcialidade ao receber em Madrid, em Abril de 2013, o Secretário-Geral da ONU.

De forma oculta, porém, a diplomacia espanhola apoia Marrocos e a sua proposta de autonomia, formulada em 2007, para esse território que foi colónia de Espanha até 1975. Os telegramas do Departamento de Estado dos EUA, revelados em 2010 pelo Wikileaks, já mostravam, por exemplo, o então embaixador de Espanha em Marrocos, Luis Planas, oferecendo ajuda às autoridades marroquinas para elaborar a sua proposta autonómica para o Sahara.

Agora, o Wikileaks marroquino fornece novos dados. Desde o início de outubro centenas de documentos confidenciais da diplomacia marroquina estão a ser revelados por Chris Coleman, um perfil falso no Twitter. Por detrás dele, esconde-se um hacker ou um serviço secreto que pirateou os computadores do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou do serviço de contra-espionagem marroquino (DGED).

No Grupo de Amigos do Sahara Ocidental (EUA, Rússia, França, Reino Unido e Espanha), a diplomacia espanhola parece sempre disposta a dar uma mão a Rabat. Aconteceu, por exemplo, em abril do ano passado, quando a embaixadora dos EUA, Susan Rice, propôs a ampliação do mandato da MINURSO (contingente das Nações Unidas) no Sahara para vigiar o respeito dos direitos humanos. Paris e, em menor medida, Madrid impediram que prosperasse essa iniciativa que irritou Rabat.

Este ano, em março, o embaixador adjunto de Espanha junto da ONU, Juan Manuel González de Linares, voltou a alinhar com o seu colega francês na reunião do Grupo. Ressaltou, acima de tudo, "o progresso de Marrocos em matéria de direitos humanos", embora também tenha expressado o seu apoio a Christopher Ross, o mediador no conflito nomeado por Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU. Rabat abomina Ross.

Nem sempre a diplomacia espanhola esteve ao lado de Ross. Em finais de junho de 2012, o titular dos Negócios Estrangeiros espanhol, José-Manuel García-Margallo, secundou publicamente as objeções de Rabat à mediação de Ross. "Seria bom que avançasse no dossier mais rápido e se centrasse nos temas centrais desse dossier em vez de se perder em temas acessórios", declarou o ministro na capital marroquina. Três meses depois o Rei Mohamed VI retificou após receber uma chamada de Ban Ki-moon. García-Margallo fez, então, outro tanto.

José-Manuel García-Margallo recebe a ministra adjunta marroquina, dos Negócios Estrangeiros, Mbarka Bouaida 

O ministro espanhol também se esforçou por evitar que a União Africana desempenhe um papel na negociação entre Marrocos e a Frente Polisario, o movimento armado que reivindica a independência do Sahara. Com tal propósito reuniu-se, em finais de janeiro, em Addis Abeba, com a presidente da Comissão da União Africana, Nzosazana Dlamini Zuma.

Disse a Dlamini-Zuma, como referiu aos marroquinos Ignacio Ybañez, Diretor Geral de Política Exterior, que "a Espanha desejava preservar o processo" negociador posto em marcha pela ONU e evitar "interferências". No entanto, a União Africana nomeou, na sua cimeira de Junho, um enviado para o Sahara, o ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano. Na sua primeira visita a Nova Iorque, Chissano já sublinhou que, aos olhos da União Africana, Espanha continua a ser a potência administrante do Sahara embora não possa exercer esse labor porque Marrocos controla o território. As suas palavras irritaram a diplomacia marroquina e incomodaram a espanhola.

Atuar assim não é fácil para o Governo espanhol reconheceu, em finais de outubro de 2013, García-Margallo ao entrevistar-se com Salaheddin Mezouar, então recém-nomeado ministro de Negócios Estrangeiros marroquino. Há "pressões da sociedade civil e das forças políticas assim como dos meios de comunicação e da opinião pública para procurar influir na posição oficial de Espanha", comentou-lhe.

Agradecimentos marroquinos

Rabat está consciente dos esforços que o Governo de Rajoy faz no âmbito do Sahara, e em muitos outros, e está-lhe agradecido. Quando, por exemplo, a ministra adjunta dos Negócios Estrangeiros marroquina, Mbarka Bouaida, se reuniu em Madrid com García-Margallo, em finais de fevereiro, começou a conversa "agradecendo a Espanha pelo seu constante apoio no seio das instâncias da União Europeia (...)".

Mas as autoridades marroquinas são também insaciáveis na sua exigência de apoio espanhol. Bouaida pediu ao seu anfitrião que a cooperação espanhola "inclua as províncias do Sul [Sahara Ocidental] sem fazer menção alguma que pudesse pôr em dúvida a sua pertença a Marrocos".
Colocou dois exemplos de expressões que recusaria: "territórios sob a jurisdição" ou "sob administração" marroquina. A ajuda ao desenvolvimento espanhola a Marrocos não abarca, por agora, o Sahara.

Nos últimos anos, dezenas de delegações de políticos, sindicalistas e membros da sociedade civil espanhola e de outros países europeus tentaram viajar à ex-colónia. Quase todos foram expulsos manu militari sem que qualquer Governo espanhol, nem o socialista de José Luis Rodríguez Zapatero, nem o de Rajoy, condenasse a ação marroquina ou colocasse uma queixa junto de Rabat, mesmo quando os expulsos eram parlamentares.


Fê-lo, no entanto, o embaixador do Reino Unido em Rabat, Clive Alderton, ao ser recebido, a 13 de abril de 2013, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. "Londres considera que a expulsão e as restrições impostas às delegações parlamentares [europeias e espanholas] prejudicam os esforços de Marrocos em matéria de direitos humanos", declarou o embaixador, de acordo com a transcrição marroquina de suas palavras. "Marrocos deveria estar interessado em mostrar-se mais aberto a pedidos de visitas", disse ele. Até agora, porém, não tem sido mais recetivo.

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