Quase um ano depois, a crise entre a França e Marrocos continua. Já nenhum jornalista espanhol se atreve de passar pelo ridículo de acusar Javier Bardem de ser o culpado disto. Mas começam a sair à luz algumas coisas. Neste blog publicou-se pela primeira vez (18 de outubro e 13 de dezembro de 2014) a tese, lançada a partir de Marrocos, acusando a França de estar por detrás de "Chris Coleman" que deixou muito sentida a diplomacia e o serviço secreto francês. Mas ficava no entanto no ar a razão do porquê…. Tem sido sugerido, que devido ao facto de Marrocos ter revelado a identidade de um agente francês. Na minha opinião, este argumento não é convincente, e as razões são mais profundas e podem ter muito a ver com os interesses geopolíticos da França no Mali, onde necessita da ajuda da Argélia. @Desdelatlantico
I. ESTE BLOG FOI O PRIMEIRO A APONTAR A TESE
DE QUE "CHRIS COLEMAN" É UMA CRIAÇÃO, PELO MENOS PARCIALMENTE,
FRANCESA
No artigo "Crise entre França e Marrocos (IV): os wikileaks do Mahkzen", de 18 de outubro, afirmava-se
aqui:
É evidente,
ainda que não se diga expressamente, que este meio, porta-voz oficioso do Mahkzen,
acusa "certas partes ocultas" do sistema francês de estar por detrás
das "provocações repetidas" (alusão, creio que clara, aos
"wikileaks do Mahkzen") e acusa o governo francês de não querer deter
essas "partes ocultas".
Se
assim fosse, se os "wikileaks do Mahkzen" tivessem sido ativados a
partir de França a pergunta seria: Porquê?
Creio
que os leitores deste blog devem conhecer a minha hipótese. Mas a pergunta, em
todo o caso, creio que é importante e merece reflexão.
Em
todo o caso, chama a atenção que no dia seguinte da publicação do artigo acusatório
contra a França publicado no diário digital do núcleo do Makhzen
"Le360", a conta de "Chris Coleman" no twitter tivesse sido
desativada: estamos ante uma trégua?
Pouco tempo
mais más tarde, a 13 de dezembro, no artigo "Wikileaks do Mahkzen (IV): quemestá por detrás de "Chris Coleman"?" recordei de novo que:
Assim,
num primeiro momento (11 a16 de outubro), o Makhzen acusou claramente a França
de ser a responsável pela divulgação destes "wikileaks do Makhzen".
Bastante depois,
a 13 de janeiro de 2015, o jornalista Ignacio Cembrero, insistiu nesta mesma
tese:
Há uma
última hipótese que ganha força. Aponta nada menos que a França e os seus serviços
secretos. As autoridades marroquinas cortaram há já mais de dez meses a cooperação
judicial e policial com a antiga metrópole depois de um juiz instrutor francês ter
tentado interrogar em Paris o chefe da DST, Abdellatif Hammouchi. Contra ele
foram apresentadas em França três ações por torturas, duas delas apoiadas pela Associação
de Cristãos pela Abolição da Tortura. "Marrocos era uma das nossas principais
fontes de informação" na luta antiterrorista, lamentava-se há dias o ex-ministro
do Interior francês, Charles Pasqua.
A pregunta-chave
para discutir se a tese da autoria francesa era verosímil é, portanto, a de saber
o "porquê".
II. SOBRE OS POSSÍVEIS MOTIVOS DE UM
DISTANCIAMENTO FRANÇA-MARROCOS
1. A tese da revelação de identidade da chefe
de antena da DGSE em Marrocos.
No artigo
anteriormente citado, Cembrero considera que a razão explicativa do porquê da França
ter "criado" o "Chris Coleman" seria por Marrocos ter
revelado a identidade de um agente secreto francês:
A imprensa
oficialista marroquina revelou, além disso, em maio, o nome da chefe dos serviços
secretos franceses (DGSE) em Marrocos, Agnès Féline, que se viu obrigada a
abandonar rapidamente o país. Quem soprou à imprensa que por detrás dessa mulher
acreditada como diplomata havia um agente secreto? Provavelmente aqueles mesmos
que a acreditaram. Daí que na capital marroquina alguns suspeitem que
@chris_coleman24 é a vingança francesa por esses golpes baixos.
O artigo citado
por Cembrero, publicado num digital do núcleo do Mahkzen a 24 de maio de 2014 e
firmado por "Mohamed Chakir Alaoui" (várias vezes citado neste blog) apenas
diz isto:
Agnès
Féline, segunda secretária na Embaixada de França e chefe de antena da Direção
Geral da Segurança Externa (DGSE) em Marrocos,
É a
revelação do nome da chefe da DGSE em Marrocos a chave?
Eu, pessoalmente,
duvido e considero que, a haver uma razão de a França estar por detrás, seria
outra a razão. Em minha modesta opinião, revelar o nome de alguém que é "segundo
secretário da Embaixada" e que é, por definição, conhecida do regime marroquino
e do resto do corpo diplomático é muito duvidoso que fosse razão para estar na origem
de algo tão extremadamente grave como os wikileaks do Mahkzen.
2. O reequilíbrio geopolítico da França no
Norte de África.
A chave do assunto,
se é que está em França, não estaria na revelação da identidade da chefe de
antena da DGSE em Rabat mas em algo mais importante.
Numa entrevista
concedida ao semanário francês — mas claramente favorável ao Mahkzen e a outros
ditadores africanos —, "Jeune Afrique", publicada a 16 de dezembro, o
ministro francês da Defesa, Jean Yves Le Drian faz revelações. Estas são as passagens
chaves, em minha opinião:
— Pergunta:
Quanto
ao Mali, a solução política passa pelas negociações de Argel que serão retomadas
em janeiro. Eles estão no caminho certo?
Resposta:
É necessário que o roteiro seja validado. Isto implica que, nas negociações de
Argel, os grupos armados signatários estejam representados pelos seus mais altos
responsáveis. O mesmo vale para Bamako. Todos devem entender que o momento da
verdade se aproxima.
P: Tem-se
a impressão que estas negociações estão reféns da rivalidade marroquino-argelina.
Parte do MNLA [Movimento Nacional de Libertação de Azawad] de Bilal Ag Cherif,
muito próximo de Marrocos, não quer participar. Bamako foi forçada a pedir às
autoridades norte-americanas para intervirem junto de Rabat ...
R: Não
deve ser trazida essa rivalidade para a resolução da situação no Mali. Os malianos
são responsáveis pelo seu próprio destino e não devem ouvir isto ou aquilo.
P: A
Argélia joga o jogo?
R: Penso
que sim . Os Argelinos são transparentes. É do seu interesse. Temos bons contactos
com as autoridades argelinas, que reencontrei ao mais alto nível em Argel em maio
último.
P: Discutiu
este assunto com Marrocos?
A:
Não temos de ter uma discussão sobre este tema com tal e tal. Há uma mediação
argelina, que nós apoiamos.
Nesta mesma
linha vai o digital francês "Maghreb Confidentiel" que na sua edição N°1141
(29-01-2015) acusa o ministro francês de querer contrariar a influencia marroquina
no Sahel, citando a entrevista à "Jeune Afrique".
Em síntese:
para o ministro francês da Defesa é a Argélia a potência-chave para solucionar e
pacificar o Sahel e o norte do Mali, em particular. Isto significa que França recusou
as iniciativas marroquinas para se imiscuir como "solucionador" desse
conflito. Naturalmente, a ajuda da Argélia à França no Mali pode ter tido uma contrapartida,
que é o apoio à política argelina no Sahara Ocidental. Isso explicaria que os
"wikileaks do Makhzen" tivessem tido um efeito devastador no lobbypro-marroquino em França.
Se esta
hipótese se confirmasse, a pergunta então seria: Que acordo podem ter Argélia e
França sobre o Sahara Ocidental que possa favorecer ambos?
III. UMA CRISE QUE CADA VEZ SE ESTÁ TORNANDO
MAIS COMPLEXA
Não há dúvida
de que o detonador da crise foi a tentativa de deter em Paris o sinistro chefe
da espionagem policial marroquina em fevereiro de 2014.
Mas como apontei
nesta série de artigos, esse detonador produziu-se sobre uma base onde era claro
que Hollande queria reequilibrar a política externa francesa no norte de
África.
Nesse contexto,
os interesses da política exterior francesa no Sahel ficariam melhor garantidos
pela Argélia. E isso seria uma possível explicação do que não sabemos se algum dia
será revelado: quem está (ou estava) por detrás de "Chris Coleman".
SOBRE ESTE MESMO ASSUNTO
-
Sahara Occidental, derrota de Sarkozy y pánico de Mohamed VI: hay motivos
(16-V-2012)
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