Brahim
Dahane quer construir uma sociedade civil no Sahara Ocidental livre e respeitadora
do direito. Mas o bloqueio à ONU pressagia o pior.
Oito
anos passados nas prisões marroquinas não arrefeceram o ardor de Brahim Dahane,
50 anos de idade. Bem pelo contrário, apesar dos riscos de represálias, o
presidente da Associação Saharaui das Vítimas de Violações
Graves dos Direitos Humanos (ASVDH) viajou para Genebra para denunciar a situação do seu
povo e os conluios entre as autoridades marroquinas e certos responsáveis das
Nações Unidas. Este antigo «desaparecido» entre 1987 e 1991 sabe que o respeito
pelos direitos humanos nos territórios ocupados e o direito à autodeterminação
não se tornarão realidade sem uma mobilização internacional que responda à organização
e mobilização da sociedade civil do Sahara Ocidental.
Como é que criou esta associação de
defesa dos direitos humanos?
Brahim
Dahane: Depois da minha "reaparição" em 1991, tateámos muito, buscando
a melhor maneira de lutar por nossos direitos — individuais, mas também coletivos,
enquanto povo — apesar do risco de voltar a ser preso novamente. Houve um tempo
em que, voluntariamente, nos exilámos em Marrocos, na cidade de Rabat.
Paradoxalmente, pudemo-nos melhor organizar no território do nosso invasor que
na nossa própria casa. Podíamos beneficiar de contactos em embaixadas e também da
solidariedade de alguns marroquinos! Aprendemos muito e voltámos mais fortes em
2001-2002, com a ideia de fundar uma associação nos territórios ocupados.
Queríamos participar, assim, na constituição de uma sociedade civil autónoma,
tanto para resistir à ocupação como para preparar a independência. Pois só uma
sociedade auto-organizada pode assumir os valores da convivência e dos direitos
humanos.
Concretamente, qual é a vossa margem
de manobra?
Como
não somos autorizados, a nossa atividade está focada na documentação e na denúncia
das violações dos direitos humanos cometidas pelas autoridades marroquinas. Pressionamos
em especial os organismos das Nações Unidas, algumas das quais nos reconhecem e
nos citam. Pedimos à ONU que expanda a sua missão para o Sahara Ocidental à supervisão
do respeito pelos direitos humanos.
Muito
embora tenhamos tomado todas as medidas de acordo com a ordem jurídica marroquina
e apesar das decisões de alguns tribunais, nunca conseguimos obter o nosso reconhecimento
por parte das autoridades políticas. Muitos dos nossos ativistas estão
atualmente na prisão pelos mais diversos pretextos, que vão desde distúrbios da
via pública a pertencer a uma associação não autorizada. Eu, pessoalmente, fui
preso cinco meses após o nosso congresso fundador em maio de 2005 e
arbitrariamente detido até abril de 2006, por tentar fazer luz sobre a morte de
um jovem manifestante saharaui. Fui novamente preso em outubro de 2009 por ter visitado
um campo de refugiados. Nessa altura passei um ano e meio na prisão antes de
ser libertado condicionalmente.
Como qualificaria a fase atual do
Sahara Ocidental?
A
nível de repressão, houve já momentos mais cruéis, quando atiravam ativistas de
helicópteros, ou eram enterrados vivos ou os faziam desaparecer de forma
maciça. Também houve execuções extrajudiciais. Mesmo assim, hoje em dia, há
mais de quinhentos desaparecidos, dos quais quinze jovens sequestrados há dez
anos. Atualmente estamos judicialmente e policialmente cercados. Cada uma das
nossas ações é proibida. O ano passado, fui impedido pela força de participar em
quatro das nossas manifestações mensais reclamando um inquérito da ONU. Estima-se
em oitenta o número de presos políticos saharauis.
As
violências retornam periodicamente. Durante a última visita de Christopher Ross
[o enviado pessoal do Secretário-Geral da ONU para o Sahara Ocidental] , em
2013, mulheres manifestantes foram atacadas e despidas à força pela polícia. Há
três semanas, um jovem foi sequestrado e violado.
Nossos
direitos económicos e sociais também são violados. Nossos recursos naturais são
espoliados e a mais pequena das nossas atividades sujeita a controlos
burocráticos delirantes. Muitos ativistas perderam seus empregos.
Mas
o mais grave é o bloqueio político. Desde outubro de 2013, Christopher Ross não
pôde mais voltar, exigindo Marrocos saber com antecedência e permitir as suas
atividades. Se a ONU continua paralisada, temo que a guerra recomece entre a
Frente Polisario e Marrocos. Os membros mais influentes da Organização das
Nações Unidas têm que reagir, a organização é o garante da paz e da mediação.
Como é isso vivido pela população?
Alguns,
nomeadamente os jovens, dizem-se prontos a morrer. A aspiração à independência
é forte, e face ao fracasso das Nações Unidas, muitos apelam o retorno à guerra.
Não é o nosso caso: temos ainda a esperança de uma solução pacífica.
A repressão da potência ocupante é uma constante, os esbirros estão por todo o lado... |
«A Polisario é o instrumento
de todo o povo saharaui»
Qual o lugar que ocupam os
marroquinos que vivem no Sahara Ocidental na construção e estruturação de uma sociedade
civil conjunta?
Brahim
Dahane: A resposta não é fácil de dar quando sabemos que os saharauis não dispõem
de espaços próprios. E que mesmo as leis marroquinas não são respeitadas, nomeadamente
quando se trata de abusos cometidos por marroquinos contra saharauis.
Após quarenta anos de ocupação e
de separação dos exilados, os saharauis permanecem um povo unido, uma nação?
Mais
do que nunca. As relações entre os acampamentos e os territórios ocupados reforçaram-se
graças aos meios de comunicação modernos. Os laços são em primeiro lugar, é
claro, familiares, interpessoais, mas também há uma identificação nacional
comum e o reconhecimento comum da Frente Polisario como instrumento, defensor e
representante do povo saharaui. Isso sem qualquer dúvida.
Fonte: http: www.lecourrier.ch
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