Gustavo de Arístegui, diplomata e político espanhol do PP, atual embaixador de Espanha na Índia, e a sua esposa, Nadia Jalfi, agente dos serviços secretos marroquinos |
Artigo
do prof. Carlos Ruiz Miguel, Catedrático de Direito Constitucional na
Universidade de Santiago de Compostela, autor de inúmeros livros e artigos em
revistas espanholas e estrangeiras sobre matérias relacionadas com o Direito
Público e Relações Internacionais e, justamente, considerado um perito na
questão do Sahara Ocidental
O
misterioso "Chris Coleman" publicou documentos sobre as atividades do
serviço secreto marroquino em Espanha e Itália. A 19 de janeiro
"Coleman" tornou público um pacote de 149 correios eletrónicos (com
os seus correspondentes anexos) cuja protagonista é, nada mais, nada menos, que
a atual esposa do Embaixador de Espanha na Índia que, na época dos mesmos, era
noiva/esposa dessa pessoa quando era porta-voz do grupo Popular na Comissão de
Negócios Estrangeiros do Congresso dos Deputados. Passados oito dias, parece
que o assunto não mereceu a atenção dos jornalistas espanhóis, incluindo os
que, nalgum momento, escreveram sobre "Coleman". E no entanto, o
assunto é de suma importância, pelo que me permito, oito dias depois, escrever sobre
o tema. Que o leitor julgue por si mesmo se o tema é de interesse
@Desdelatlantico.
I. QUEM É QUEM NOS
EMAILS FILTRADOS POR CHRIS COLEMAN: DRAMATIS
PERSONAE
Para
entender a gravidade dos documentos revelados por "Chris Coleman" na
sua conta de twitter, pouco antes de ser suspensa, convém esclarecer quem é
quem na história destes novos documentos.
—
DGED: Direção Geral de "Estudos" e de "Documentação", o
serviço de espionagem exterior do Reino de Marrocos.
—
Yasín El Mansuri: diretor da DGED.
—
Murad El Gul ("Mourad el Ghoul" na língua francesa): chefe de
gabinete do diretor do serviço de espionagem exterior do Reino de Marrocos (a
DGED). Seus principais contactos, pelo revelado até agora, são Ahmed Charai e
Nadia Jalfi.
—
Ahmed Charai: jornalista marroquino e "empresário" que tratava de
influenciar nos media franceses e norte-americanos por conta da DGED.
—
Richard Miniter: "jornalista" norte-americano que recebia favores do
regime marroquino a quem apoiava nos seus artigos. O contacto de Miniter era
Charai.
—
Nadia Jalfi: agente da DGED noiva e atual esposa de Arístegui.
—
Gustavo de Arístegui: diplomata e político espanhol, atual embaixador do Reino
de Espanha na Índia e porta-voz do Grupo Popular na Comissão de Negócios
Estrangeiros do Congresso dos Deputados nas datas referidas nos emails filtrados
por "Coleman" (2008-2011).
II. AS GRAVÍSSIMAS
REVELAÇÕES SOBRE NADIA JALFI NOS DOCUMENTOS FILTRADOS POR "COLEMAN"
Até
agora, o protagonista número 1 dos "papéis de Coleman" era Murad el
Gul (Mourad el Ghoul). Pode-se afirmar que o protagonista número 2 desses "papéis",
até agora, era Ahmed Charai. Sobre o papel de Charai, versaram os primeiros
documentos filtrados por Coleman e que foram objeto de análise neste blog no
primeiro texto dedicado ao tema, publicado a 10 de outubro de 2013. Esse artigo,volto a repetir, foi a primeira análisepublicada a nível mundial sobre os "papéis de Coleman": os
"wikileaks do Mahkzen".
No
dia 19 de janeiro, "Chris Coleman" publicou um twitte com um link aos documentos sobre Nadia Jalfi. Esse
link foi censurado por Marrocos. No dia seguinte, 20 de janeiro, Coleman volta a
publicar outro twitte com um novo enlace que continua ativo, neste momento, embora
o Twitter tenha suspenso a conta de "Coleman" pois o referido enlace
está alojado noutra página web. Até ao momento, ninguém negou a autenticidade
destes documentos. Entre os que defenderam com veemência a autenticidade destes
documentos está o jornalista espanhol Ignacio Cembrero que afirmoutextualmente:
"Estamos absolutamente
seguros da autenticidade dos telegramas diplomáticos: não houve desmentidos por
parte das autoridades marroquinas que nem sequer disseram que os telegramas
teriam sido manipulados (…) Em relação aos outros documentos, tenho igualmente
tendência a crer que eles são autênticos"
O
referido link contem 149 email trocados entre Nadia Jalfi e Murad el Gul com os
seus correspondentes anexos. A relação de Jalfi com Gul é fluida e, inclusive, em
vários emails de 2 e 24 de junho de 2008 sugere-se que pode ter havido algo mais
por uma ou pelas duas partes.
O
exame destes email revela que Jalfi:
1)
não só tem um papel "passivo" (é solicitada pela DGED a transmitir
mensagens do serviço secreto marroquino à opinião pública de países como a Espanha)
2)
mas que também tem um papel "ativo" (organiza viagens ao Sahara
ocupado a determinados jornalistas, toma iniciativas para transmitir a mensagem
“adequada”, gere visitas a Marrocos ou ao Sahara Ocidental ocupado e realiza relatórios
que envia ao serviço secreto).
1) Nadia Jalfi encarregada
pela DGED da "mediatização" das mensagens do serviço secreto marroquino.
Um
email enviado por Gul a Jalfi a 3 de março de 2011 desfaz as dúvidas quanto aos
objetivos. Nesse email Gul envia a Jalfi certos documentos para que assegure a
“mediatização desta documentação junto dos seus contactos jornalísticos e mediáticos.”.
Não
é o único email em que Murad El Gul, o chefe de gabinete de Yassín Mansuri (o diretor
da espionagem exterior marroquina, a DGED), se dirige a Nadia Jalfi para lhe solicitar
a “mediatização” de mensagens que a DGED quer fazer chegar à opinião pública de
distintos países do máximo interesse para o regime alauita. Vários desses
emails (18-12-10, 4-01-11 ) versam sobre a mediatização de suspeitas "informações
" sobre a suposta “implicação” da Frente Polisario nas atividades da chamada
AQMI (a Al Qaida do Magrebe Islâmico). É necessário recordar que esta acusação foi
oficialmente desmentida pelo coordenador de Anti-Terrorismo do Departamento de
Estado dos EUA, Daniel Benjamin, de forma oficial e pública, a 17 de novembro
de 2010 negando que a Frente Polisario tivesse qualquer implicação nasatividades terroristas na região do Sahara Ocidental e do Sahel.
Entre
os 149 emails chama particularmente a atenção um de 9 de março de 2011. E chama
a atenção porque Gul faz chegar num ficheiro anexado a versão em espanhol do discurso
que Mohamed VI pronunciou nesse mesmo dia, após as manifestações da oposição iniciadas
a 20 de fevereiro de 2011. É óbvio que Gul envia o discurso em ESPANHOL não para
que os destinatários o conheçam, pois é óbvio que já o conheciam e, na verdade,
eles se comunicam em francês... logo, se fosse um email SÓ para que os seus
destinatários o conhecessem enviaria a versão francesa do discurso... Mas o mais
chamativo é que o email de Gul com a versão espanhola do discurso de Mohamed VI
se dirige a Jalfi... e a Said Ida Hassan. E quem é Said Ida Hassan? Pois é um personagem
que aparece una segunda análise publicadaneste blog sobre os wikileaks do Mahkzen... onde recordei que
A sentença da Audiência
Provincial de Madrid de 21 de janeiro de 2008, certificava as relações entre a
MAP [Agência noticiosa marroquina] (em que trabalhava Said Ida Hassan, que é uma
das partes do caso que envolve esta sentença) e o serviço secreto exterior do Mahkzen
(a DGED).
Aliás,
uma sentença do Juízo No. 4 de Almeria, confirmada pela Audiência Provincial de
Almería, condenou Said Ida Hassan e a MAP por violar a honra do jornalista
independente marroquino Ali Lmrabet.
2) Nadia Jalfi
organizadora de viagens de propaganda ao Sahara Ocidental ocupado
Nadia
Jalfi está longe de ser, segundo os emails, uma mera “transmissora” das instruções
da DGED pois, segundo os documentos, organizou viagens ao Sahara ocupado a
determinados jornalistas.
Num
email de 11 de junho de 2008, dirigido a Gul, Jalfi, fala do programa que preparou
para dois jornalistas italianos, Alberto Negri e Laura Maragnani, para que
visitem o Sahara Ocidental ocupado entrevistando-se com elementos favoráveis à ocupação.
Algo
parecido ocorreu com outro artigo publicado a 30-07-08 no "Il Resto del
Carlino" por Guido Bandera.
Em
vários emails (6-10-08, 13-10-08, 15-10-08, 16-10-08, 27-10-08, 24-11-08,
17-12-08 e 18-12-08) trocados com o jornalista italiano Rodolfo Casadei (que ela
sempre reenvia a Gul). Após a viagem organizada por Jalfi este jornalista publicou
a 27 de novembro de 2008 na publicação "Tempi" um artigo cheio de inexatidões
que, obviamente, lhe foram transmitidas pelas pessoas com quem Jalfi organizou o
"programa". As palavras de Jalfi a Casadei são:
Sugiro que se viaje a
Marrocos entre 04 e 09 de novembro de 2008. Isso permitirá que esteja presentes
no meu país e, mais particularmente, em Laayoune, capital das nossas províncias
do Sul, durante as celebrações comemorativas da Marcha Verde a 06 de novembro.
Dos
emails deduz-se que o trabalho de captação em Itália contou con a valiosa
colaboração de Manuela Indraccolo e de Giorgia Rossi, da agência de lobby “RETI
Media Affairs” (www.retionline.it) embora seja provável que estas duas pessoas desconhecessem
a ligação de Jalfi à DGED. Com efeito, elas só escrevem a Jalfi e é Jalfi quem reenvia
os seus emails a Gul, mas elas nunca têm relação direta com Gul e provavelmente
desconhecem que o seu trabalho é conhecido e avaliado pela DGED (assim se depreende
do relato de Gul a Jalfi de 25-07-08).
Os
objetivos destas viagens organizadas por Jalfi ficam totalmente claros no email
de 28 de fevereiro de 2008 a propósito do pedido do jornalista Bénédicte
Delfaut da TF1 para fazer uma reportagem sobre o terrorismo em Marrocos. Nele Jalfi
diz a Gul:
“A natureza do projeto
e do seu autor, permite-nos avançar que será possível controlar a operação do princípio
ao fim e simultaneamente transmitir a mensagem adequada.
Cordialmente"
3) Nadia Jalfi sugere
nomes à DGED
Nadia
Jalfi também intervem para solicitar ao serviço secreto o convite a indivíduos
de França, Itália ou Reino Unido para eventos como o “Troféu Hassán II de
golf”, a taça “Lalla Meryem” de golf ou o “Festival Internacional de Cinema de
Marraquexe”. Igualmente se dirige a Gul anexando-lhe os bilhetes de avião que
compra para diversas pessoas que voam de Espanha, França, Estados Unidos… Assim
se depreende de numerosos emails (19-11-09,04-12-09, 12-2-10).
III. E ISTO NÃO É TUDO....
Não
sei se da leitura do acima descrito o leitor considerará que este é um tema de
interesse para a opinião pública. Mas se houvesse alguma dúvida a esse respeito,
acrescentaremos mais informação num próximo artigo, se Deus quiser.
ARTÍGOS
DESTA SÉRIE
-
Wikileaks
do Mahkzen (III): os graves secredos do regime marroquino postos a descoberto
(27-X-2014)
Sem comentários:
Enviar um comentário