O website “porunsaharalibre.org”
entrevistou Mohamed Zrug, delegado da Frente Polisario no Brasil. Um jovem
diplomata que estudou em Havana e Barcelona. No meio de uma crise diplomática
entre Marrocos e o SG das Nações Unidas e um dia após a reunião de emergência
do Conselho de Segurança convocada pelo SG da ONU, Mohamed Zrug dá-nos uma
análise clara sobre a luta e desafios do povo saharaui e o seu legitimo
representante a Frente Polisario
Mohamed Zrug Zrug, estudou em Havana
e Barcelona. É representante da Frente Polisario no Chile e está agora no
Brasil, um saharaui que vive grande parte de sua vida no exterior, um refugiado
mais ?
Parte do
povo saharaui é refugiado, desde que, em 1975, Marrocos invadiu militarmente o
território. Seguido do bombardeamento da aviação; as nossas cidades foram
cercadas e nossas casas invadidas; centenas foram executados em centros de
detenção ou no deserto ou simplesmente desapareceram. Muitos outros,
milagrosamente “ressuscitaram” após 16 e 24 anos a vegetar em prisões secretas
marroquinas em Agedez e Galet Maguna. Hoje estas pessoas contam ao mundo e às
novas gerações de saharauis, o alto custo pago na busca da liberdade. O grupo
de prisioneiros políticos, ativistas civis de Gdeim Izik condenados por um
tribunal militar, com sentenças que variam de 20 anos de prisão a prisão perpétua,
estão a lutar a partir de suas celas, uma das páginas mais heróicas do desafio
e heroísmo de um povo. Eles decidiram colocar suas vidas e ideais primeiro, não
se submetendo à humilhação. O calvário da Família Mbarek Daoudi, de Dambar e
das mães dos 15 jovens mortos em 2005 é uma prova disso. Se isso não bastasse,
Marrocos dividiu o nosso país com um muro militar de 2.725 km e colocou no
nosso território, mais de sete milhões de minas, que continuam a ceifar vidas
inocentes.
Nós nunca
aceitamos a hipótese de sermos apenas refugiados. Temos dado mostras
suficientes de que queremos regressar à nossa terra e casas, em condições de
liberdade e dignidade, como o Secretário-Geral das Nações Unidas disse e bem,
durante a sua visita aos territórios libertados do Sahara Ocidental a 5 de Março.
Para alcançar este fim, adotamos uma atitude pró-ativa durante os últimos 40
anos; resistência e insistência no nosso direito inalienável à independência.
O SG da ONU durante a sua viagem à região visitou os territórios libertados do Sahara Ocidental |
Nos últimos dias, os meios de
comunicação tem dado toda a atenção à ronda de Ban Ki Moon e as suas
declarações sobre o direito à autodeterminação do povo saharaui, que
simplesmente reafirmam o que a ONU diz há décadas. Marrocos reagiu de forma
agressiva. Em sua opinião estas declarações de Bank Ki Moon trazem algo de
novo?
A visita,
como um todo, é um estímulo moral e político à luta do povo saharaui, a
primeira realizada aos territórios da República Saharaui, por um
Secretário-Geral das Nações Unidas. A importância das declarações, terá que ser
medida no impacto que que tiveram no governo ocupante (Marrocos).
E é claro,
que se sentiu afrontado. A principal razão é que a visita deitou por
terra, tanto pelo seu formalismo como
pelo seu conteúdo, toda a encenação política e propagandística em que Marrocos,
com a ajuda da França, tem vindo a defender perante o mundo: a sua alegada
posse do Sahara Ocidental. As suas teses políticas foram refutadas: “O Sahara
Ocidental está sob ocupação e é um território não autónomo”, disse o
Secretário-Geral. As pseudossoluções foram descartadas, “O referendo é a
solução”, prosseguiu Ban Ki Moon. Os
inflamatórios de Marrocos para ligar os saharauis ao terrorismo internacional foram desmentidos:
“Senti-me encorajado pela fé depositada pelo povo saharaui nas Nações Unidas,
os seus princípios e do direito internacional … reconheço os esforços da Frente
Polisario para estabelecer a segurança”. As tentativas de matar à fome a
população de refugiados, com apelos constantes para cortar a ajuda humanitária
como forma de pressionar a Polisario a capitular, foram também severamente
confrontados pela mais alta autoridade e representante das Nações Unidas
“iremos trabalhar para fornecer à
população e aos jovens educação, saúde, meios de vida, acesso à água e
habitação decente … irei reunir uma conferência internacional de doadores para
o povo saharaui “, concluiu.
Desde
Waldheim, nunca um secretário-geral das Nações Unidas quis assumir inteiramente
a sua responsabilidade para com a ocupação do Sahara Ocidental, mesmo ao custo
de colocá-lo como o alvo da fúria de Marrocos e seus aliados. O fato de que foi
o próprio Ban Ki Moon, a convocar na
quinta-feira 17 de Março, uma reunião urgente do Conselho de Segurança para
analisar as medidas anunciadas por Marrocos junto das Nações Unidas, é um sinal
dessa forte determinação.
No início desta semana Marrocos
anunciou oficialmente uma redução unilateral das suas contribuições para a
missão da ONU no Sahara Ocidental (MINURSO) e ameaçou cortar o financiamento
“voluntário” para a missão, que é pouco mais de três milhões dólares…
A ditadura
marroquina decidiu retirar os mais de três milhões de dólares em recursos
voluntários para que a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara
Ocidental – MINURSO. Isto envolve uma dupla desonestidade. A primeira, que Marrocos tenha entendido que a sua
contribuição, até agora, foi dada como uma espécie de contrapartida de
silêncio. Segundo e mais importante,
levanta a questão, compartilhada pela imprensa internacional, sobre a
idoneidade de aceitação desde o início,
pelo maior organismo mundial, desta comparticipação, quando ainda está imerso
num processo de descolonização do Sahara Ocidental. É precisamente por causa
dessas práticas e subterfúgios que não se deu azo a progressos na resolução da
questão saharaui; por algumas instituições internacionais não terem a
imparcialidade e a independência necessária. Sobre este assunto, é impossível
não recordar outro fato. Quando Marrocos entregou um milhão de dólares ao Alto
Comissariado para os Direitos Humanos, também o fez voluntariamente, só que
agora sabemos em troca do quê foi oferecido, ao ler os documentos publicados
por Chris Coleman e que foram um escândalo. A lei, neste caso, oferecendo
contribuição voluntária de estados, opõe-se à moralidade, quando existe um
claro conflito de interesses; e Marrocos sabe muito sobre isto. É essencial que
as Nações Unidas efetivamente mudem parte de sua narrativa condescendente com
Marrocos, buscando alternativas, além das práticas que vieram a justificar até
ao momento.
A decisão
de Marrocos, muito mais séria de desmantelar
a MINURSO, expulsando 84 dos seus membros é, como foi indicado pelo nosso
representante permanente junto das Nações Unidas, “o caminho mais curto para o
regresso à guerra”.
Em
qualquer caso, a paralisia atual da diplomacia marroquina é parte de uma
falência moral e política de grandes proporções. Trajeto esse cujos resultados
foram exaustivamente seguidos pela diplomacia saharaui. A Frente Polisario,
através do seu líder, tem vindo a manifestar ao longo dos últimos anos a
determinação de levar o regime marroquino exatamente ao ponto a que se encontra
actualmente: absolutamente isolado e em confronto aberto com a comunidade
internacional. A sua guerra aberta
contra o Secretário-Geral é a última etapa do ego colonial marroquino tocado
pela morte. Recorde-se que Marrocos permanece fora da União Africana; em crise
com a União Europeia, na sequência do acórdão de 10 de Dezembro, em que o
Tribunal de Justiça Europeu declarou os acordos agrícolas nulos já que violam o
direito soberano do povo saharaui no que respeita os seus recursos naturais e
está em conflito aberto com as organizações internacionais de direitos humanos.
Na sua opinião, porque a ONU não
cumpriu a sua missão e permite que a situação se arrasta há tantos anos ?
Por causa
de França. Apresenta-se como guardiã da democracia e direitos humanos em todo o
mundo, mas está causando morte, destruição, ondas de imigrantes e
desestabilizando governos legítimos. A mesma França que apoia a perpetuação do
colonialismo e da ocupação militar estrangeira no Sahara Ocidental, através de
um regime feudal, cuja única carta de apresentação é estar anualmente à cabeça da
lista de governos mais repressivos. Também pela ação ou omissão dos sucessivos
governos do Estado espanhol, engolidos ainda pela pressão de um sector política
militar e económico, apesar de 40 anos de democracia e Estado de direito,
prefere a claudicação às chantagens e ameaças consumadas, do seu vizinho
marroquino em questões como o terrorismo, a imigração ilegal e as drogas; e não
cumpre nem assume a sua responsabilidade legal, histórica e moral como potência
administrativa do Sahara Ocidental. E, claro, também pelos Estados Unidos; que,
apesar de seu passado na guerra contra o povo saharaui e sua aparente cautela
ou retirada de posições tradicionais nos últimos anos, continua a ser
fundamental na não-resolução do conflito no Sahara Ocidental.
América Latina e África são os dois
continentes onde a maioria dos países reconhecem e apoiam a RASD, como podem
atuar para fazer mais pressão internacional pela independência do Sahara
Ocidental?
Os
Africanos decidiram tomar em paralelo a defesa da RASD, o seu direito a ter
maiores oportunidades de participação na cena internacional. Unidos por um
passado de luta anticolonial semelhante à nossa e cansados de manobras
marroquinas, contribuem com a sua solidariedade incondicional e acompanhamento
político ao lado do povo saharaui. Temos visto nos últimos anos como a União
Africana e suas instituições recuperaram proeminência internacional em defesa
da República, agindo em bloco perante a União Europeia; na Assembleia Geral e
no Conselho de Segurança. A causa saharaui é uma causa predominantemente
africana e dos povos de áfrica e, como
tal, faz com que seja, assumida por académicos, sindicalistas, artistas,
imprensa e partidos políticos em muitas capitais.
Na América
Latina, o ativismo da Frente Polisario por décadas e o respeito que se tem
relativamente à legitimidade da nossa causa, identificada com uma história e
culturas comuns, fazem com que este continente continue a defender não só o
direito do povo saharaui à autodeterminação e condenando as violações dos
direitos humanos cometidas contra ele, mas também acolhendo e expandindo a
presença da República saharaui no seu vasto continente.
Para
concluir, gostaria de dizer que estamos a viver um momento histórico e decisivo
na nossa luta pela plena recuperação do nosso direito de decidir livremente o
nosso futuro e estamos em condições melhores para forjar novas alianças e
adotar métodos novos e diversificados de luta e resistência, para assegurar a
defesa da nossa independência nacional e soberania.
40 anos
depois, o combativo povo saharaui continua presente. A Frente Polisario cunhou
a prática da paciência estratégica e os resultados são evidentes. Hoje os
sacrifícios do nosso povo são recompensados; a nossa luta moral está intacta e
estamos mais unidos do que nunca. O isolamento atual do regime marroquino é o
resultado da nossa determinação e o poder esmagador da solidariedade
internacional. Como o regime de Suharto
na Indonésia, o demérito moral e político do regime feudal marroquino é o
prelúdio de sua derrota final.
Como se entra em contato com ele?
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