terça-feira, 1 de março de 2016

Sahara Ocidental: Viagem de Ban Ki-moon em duas etapas revela a tensão entre a ONU e Rabat





A viagem de Ban Ki-moon à região do Sahara Ocidental, que irá decorrer em duas etapas separadas este mesmo ano, revela as tensões crescentes entre o governo de Marrocos e a ONU, segundo referem observadores em Rabat.
Ontem,  o porta-voz de Ban Ki-moon, Stéphane Dujarric, confirmou que o secretário-geral partiu em dois o seu périplo pela região do Sahara, com o qual pretende impulsionar a solução para um conflito de quarenta anos totalmente paralisado posições acantonadas das partes, Marrocos e a Frente Polisario.

Ban viajará este fim-de-semana a Tindouf, quartel-general da Polisario e base dos acampamentos de refugiados, além de visitar Madrid, Argel e Nouakchott, enquanto a viagem a Rabat e a El Aaiún, a capital saharaui controlada por Marrocos, se fará "mais adiante este ano", segundo Dujarric.

Questionado sobre o motivo da visita à região se fazer em duas etapas, Dujarric recordou que frequentemente é necessário fazer coincidir as agendas de distintos dirigentes.

Na passada semana, o mesmo Dujarric foi mais explícito ao ser questionado por que razão Ban não incluía El Aaiún entre as etapas da sua viagem: o secretário-geral — afirmou — "tem direito a visitar qualquer missão de manutenção da paz, mas também as autoridades de facto neste domínio têm que dar a sua autorização de aterragem do seu avião".

A explicação do avião de Ban não passou desapercebida: o diário “Ajbar al Yawm” interrogava-se ontem diretamente num artigo se Rabat tinha "proibido Ban de visitar o Sahara".

A pergunta é oportuna, tendo em conta que Marrocos já proibiu o enviado pessoal de Ban Ki-moon para o Sahara, o norte-americano Christopher Ross, de visitar a parte do território saharaui que controla, como revelou em entrevista à EFE no passado mês de Novembro o ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros, Salahedín Mezuar.

Agora, nem Mezuar nem nenhuma fonte oficial marroquina quiseram fazer declarações à EFE sobre o alegado pedido feito a Ban de que adiasse e sua viagem e, no caso de não o fazer, que não incluísse no seu périplo Rabat nem El Aaiún.

Também a missão da ONU em El Aaiún (MINURSO [Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental]) quis fazer o mínimo comentário sobre a visita.

No entanto, fontes marroquinas preferiram expressar-se através de meios de comunicação amigos, como o portal marroquino le360.ma, considerado próximo do Palácio.

O referido portal escrevia ontem abertamente que "o Secretário-Geral parece dar sinais da sua falta de imparcialidade ao deixar que responsáveis da Polisario coloquem na sua boca palavras que podem por em dúvida a sua neutralidade sem dar-se ao incómodo de os desmentir", sem no entanto o referido meio dizer ao que se referia.

Outro meio eletrónico, yabiladi.com, ia mais longe e aludia a possibilidade de Rabat "anular" a visita à parte controlada por Marrocos se o relatório apresentado por Ban ao Conselho de Segurança não for do agrado daquele país magrebino.

Os observadores estimam que na visita que Ban empreende nos próximos dias há uma etapa que assentou especialmente mal a Rabat, como é a ida à base da MINURSO em Bir Lahlu, na parte do Sahara que Marrocos não controla e que a Polisario chama de "territórios libertados".

No passado Sábado, um confuso incidente teve lugar precisamente na "linha de defesa" [o muro] que Marrocos erguei no Sahara, e se saldou pela morte de uma pessoa, supostamente um pastor, por disparos dos soldados marroquinos, o que parece indicar um retomar da tensão na zona.

Isso explicaria o facto do tenente-General Bouchaib Arrub, máxima autoridade militar a seguir ao rei Mohamed VI, tenha decretado o "grau máximo de alerta" às Forças Armadas Reais (FAR) na região sul do Sahara onde teve lugar o incidente, segundo afirma hoje o diário Al Massae.

O periódico assegura que as FAR deslocaram blindados e centenas de soldados para esta zona do sul do Sahara, precisamente dias antes da visita de Ban Ki-moon.

Marrocos nunca enfrentou abertamente Ban Ki-moon, nem sequer quando protestou contra o seu Enviado Pessoal Christopher Ross e lhe retirou a sua confiança, e Ban Ki-moon respondeu reafirmando-o no seu cargo.


O arrufo diplomático de 2012 saldou-se por uma aparente derrota para Marrocos, mas o certo é que Ross perdeu desde então todo o poder de iniciativa e o papel da ONU no território saharaui ficou reduzido a pouco mais que uma missão de observação do cessar-fogo.

Fonte: EFE

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