A viagem de Ban Ki-moon à região do Sahara Ocidental, que
irá decorrer em duas etapas separadas este mesmo ano, revela as tensões crescentes
entre o governo de Marrocos e a ONU, segundo referem observadores em Rabat.
Ontem, o porta-voz
de Ban Ki-moon, Stéphane Dujarric, confirmou que o secretário-geral partiu em
dois o seu périplo pela região do Sahara, com o qual pretende impulsionar a solução
para um conflito de quarenta anos totalmente paralisado posições acantonadas das
partes, Marrocos e a Frente Polisario.
Ban viajará este fim-de-semana a Tindouf, quartel-general
da Polisario e base dos acampamentos de refugiados, além de visitar Madrid,
Argel e Nouakchott, enquanto a viagem a Rabat e a El Aaiún, a capital saharaui
controlada por Marrocos, se fará "mais adiante este ano", segundo
Dujarric.
Questionado sobre o motivo da visita à região se fazer em
duas etapas, Dujarric recordou que frequentemente é necessário fazer coincidir as
agendas de distintos dirigentes.
Na passada semana, o mesmo Dujarric foi mais explícito ao
ser questionado por que razão Ban não incluía El Aaiún entre as etapas da sua
viagem: o secretário-geral — afirmou — "tem direito a visitar qualquer missão
de manutenção da paz, mas também as autoridades de facto neste domínio têm que
dar a sua autorização de aterragem do seu avião".
A explicação do avião de Ban não passou desapercebida: o diário
“Ajbar al Yawm” interrogava-se ontem diretamente num artigo se Rabat tinha "proibido
Ban de visitar o Sahara".
A pergunta é oportuna, tendo em conta que Marrocos já proibiu
o enviado pessoal de Ban Ki-moon para o Sahara, o norte-americano Christopher
Ross, de visitar a parte do território saharaui que controla, como revelou em entrevista
à EFE no passado mês de Novembro o ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros,
Salahedín Mezuar.
Agora, nem Mezuar nem nenhuma fonte oficial marroquina quiseram
fazer declarações à EFE sobre o alegado pedido feito a Ban de que adiasse e sua
viagem e, no caso de não o fazer, que não incluísse no seu périplo Rabat nem El
Aaiún.
Também a missão da ONU em El Aaiún (MINURSO [Missão das
Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental]) quis fazer o mínimo comentário
sobre a visita.
No entanto, fontes marroquinas preferiram expressar-se através
de meios de comunicação amigos, como o portal marroquino le360.ma, considerado próximo do Palácio.
O referido portal escrevia ontem abertamente que "o Secretário-Geral
parece dar sinais da sua falta de imparcialidade ao deixar que responsáveis da
Polisario coloquem na sua boca palavras que podem por em dúvida a sua
neutralidade sem dar-se ao incómodo de os desmentir", sem no entanto o
referido meio dizer ao que se referia.
Outro meio eletrónico, yabiladi.com, ia
mais longe e aludia a possibilidade de Rabat "anular" a visita à parte
controlada por Marrocos se o relatório apresentado por Ban ao Conselho de Segurança
não for do agrado daquele país magrebino.
Os observadores estimam que na visita que Ban empreende nos
próximos dias há uma etapa que assentou especialmente mal a Rabat, como é a ida
à base da MINURSO em Bir Lahlu, na parte do Sahara que Marrocos não controla e
que a Polisario chama de "territórios libertados".
No passado Sábado, um confuso incidente teve lugar
precisamente na "linha de defesa" [o muro] que Marrocos erguei no Sahara,
e se saldou pela morte de uma pessoa, supostamente um pastor, por disparos dos
soldados marroquinos, o que parece indicar um retomar da tensão na zona.
Isso explicaria o facto do tenente-General Bouchaib
Arrub, máxima autoridade militar a seguir ao rei Mohamed VI, tenha decretado o "grau
máximo de alerta" às Forças Armadas Reais (FAR) na região sul do Sahara onde
teve lugar o incidente, segundo afirma hoje o diário Al Massae.
O periódico assegura que as FAR deslocaram blindados e
centenas de soldados para esta zona do sul do Sahara, precisamente dias antes da
visita de Ban Ki-moon.
Marrocos nunca enfrentou abertamente Ban Ki-moon, nem sequer
quando protestou contra o seu Enviado Pessoal Christopher Ross e lhe retirou a
sua confiança, e Ban Ki-moon respondeu reafirmando-o no seu cargo.
O arrufo diplomático de 2012 saldou-se por uma aparente
derrota para Marrocos, mas o certo é que Ross perdeu desde então todo o poder
de iniciativa e o papel da ONU no território saharaui ficou reduzido a pouco mais
que uma missão de observação do cessar-fogo.
Fonte: EFE
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