Ban Ki-moon à sua chegada ontem a Noukchotte, recebido pelo
primeiro-ministro da Mauritânia
|
- O secretário-geral da ONU inicia um périplo pela região mas não irá a Marrocos porque Mohamed VI não estava “disponível”.
- A sua viagem não conseguirá desbloquear a situação. “Não será o início de uma iniciativa da ONU para uma solução”, afirma um especialista
A tensão
volta a ensombrar as areias do deserto. O périplo do secretario-geral das
Nações Unidas, Ban Ki-moon, à região do Sahara Ocidental despertou um conflito
que, desde que começou o seu estado de hibernação após a assinatura do
cessar-fogo em 1991, não deixou de viver momentos críticos interpolados com períodos
de esquecimento. Ban chegou ontem à capital mauritana, Nouakchott, antes de se
deslocar a a Argel. Este fim-de-semana visita Tindouf, onde estão localizados
os acampamentos que, desde há 40 anos, acolhem os refugiados saharauis.
A chegada
de Ban à região é histórica, pois é a primeira vez que visita a zona nos seus dez
anos de mandato. Mas nesta importante viagem, o máximo responsável da ONU não
pisará Marrocos. Ainda que o seu desejo fosse iniciá-la em Rabat — segundo
afirmou o próprio Ban numa conferência de imprensa em Madrid na passada
terça-feira —, as autoridades marroquinas comunicaram-lhe que o rei Mohamed VI
não estava “disponível ” para o receber.
Ban
tampouco parece ter obtido autorização para deslocar-se a El Aaiún, capital do Sahara
Ocidental, ocupada por Marrocos desde 1975, e lugar onde se encontra a sede da
Missão da ONU para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) que, entre outras
coisas, monitoriza o cessar-fogo. Ainda que como secretário-geral da ONU “tenha
direito a visitar qualquer missão de manutenção da paz, as autoridades ‘de
facto’ neste domínio têm que dar autorização de aterragem do avião”, segundo explicou
o seu porta-voz, Stéphane Dujarric, em declarações recolhidas pela agência EFE.
Ban deixou
esta parte da viaje para uma “segunda etapa” que ainda não tem data mas que se fará
quando for “conveniente”. Em todo o caso, não parece que venha a ter lugar antes
de Abril, quando o secretário-geral debe apresentar o seu relatório anual sobre
a situação do conflito, como passo prévio a que o Conselho de Segurança da ONU
vote se prorroga outros seis meses mais o mandato da MINURSO. E neste sentido,
essa segunda etapa está pendente de como Marrocos vai encarar relatório de Ban.
“A razão
deste périplo neste momento é que é a última oportunidade de Ban de visitar o contingente
da MINURSO antes que acabe o seu mandato”, refere George Joffe, professor da
Universidade de Cambridge e um dos maiores peritos mundiais no conflito do Sahara
Ocidental.
Um enclave simbólico
Na viagem
do secretário-geral há uma visita que enerva Rabat: Bir Lehlu. Esta pequena
localidade situada a Este do muro marroquino, nos chamados “territórios libertados”
(a parte do Sahara Ocidental sob controlo da Frente Polisario), foi a capital
provisória da República Árabe Saharaui Democrática (RASD) até que há una anos foi
transferida para Tifariti. Trata-se de um enclave que tem uma grande importância
simbólica para os saharauis, já que foi ali que foi proclamada a RASD a 27 de Fevereiro
de 1976. Em Bir Lehlu, Ban visitará uma base da MINURSO, o que que é
interpretado também como um gesto de apoio à missão das Naciones Unidas.
De nova se
coloca em evidencia a grande tensão reinante entre Marrocos e a ONU que vem de
2012, quando Marrocos questionou a neutralidade do enviado pessoal de Ban, o
norte-americano Christopher Ross. A pesar de Rabat ter perdido essa batalha —
já que Ban o reafirmou no seu cargo — não terá perdido a guerra, já que desde
então conseguiu dinamitar a iniciativa das Nações Unidas na solução do conflito
e impediu que a MINURSO abandonasse a sua passividade para se converter numa missão
que também monitorize os abusos dos direitos humanos.
“Não creio
que esta visita marque uma nova iniciativa da ONU na solução do conflito, já que
todas as partes estão entrincheiradas nas suas posições. Os intentos de Ross — como
anteriormente os de Baker — não deram frutos e não se vislumbra nenhum progresso
desde que as conversações se romperam”, considera Joffe.
Um frágil cessar-fogo
A isto se junta
o conflito do reino alauita com as autoridades da União Europeia em virtude do acordo
comercial firmado por ambas as partes em 2012, mas que foi anulado pelo Tribunal
Europeu de Justiça por englobar produtos dos territórios do Sahara Ocidental sob
ocupação. Há apenas uma semana, Marrocos anunciou a “suspensão de qualquer contacto
com as instituições europeias”. Uma decisão que se teme que possa afetar também
a colaboração em matéria de luta antiterrorista e de controlo de fronteiras, dois
aspetos que a UE considera o país magrebino como um parceiro chave.
Por outro
lado, o cessar-fogo parece hoje mais frágil do que nunca, depois de no sábado um
pastor nómada que se aproximou do muro pelo lado saharaui morreu devido a disparos
de soldados marroquinos. O incidente é o mais grave desde o cessar-fogo de
1991. Segundo a imprensa marroquina, após o sucedido, as autoridades militares do
reino enviaram centenas de soldados e deslocaram blindados para o extremo sul
do Sahara sob seu controlo.
Tudo faz temer
que se reatem as hostilidades, ideia com que a Frente Polisario tem ameaçado em
várias ocasiões devido ao ponto morto em que se encontram as negociações desde há
anos. O risco existe. “Recordemos que dentro da Polisario há uma facção que
considera que a assinatura do cessar-fogo foi um erro”, refere Joffe em entrevista
ao EL MUNDO. “Ainda que o cessar-fogo não esteja ameaçado porque a Argélia não
permitirá à Polisario abrir de novo o conflito militar com Marrocos e
impedi-lo-á”, acrescenta.
Fonte: El Mundo / Por Rosa Meneses
Sem comentários:
Enviar um comentário