sexta-feira, 4 de março de 2016

Tensão no Sahara ante a visita de Ban Ki-moon


Ban Ki-moon à sua chegada ontem a Noukchotte, recebido pelo primeiro-ministro da Mauritânia

  • O secretário-geral da ONU inicia um périplo pela região mas não irá a Marrocos porque Mohamed VI não estava “disponível”.
  • A sua viagem não conseguirá desbloquear a situação. “Não será o início de uma iniciativa da ONU para uma solução”, afirma um especialista


A tensão volta a ensombrar as areias do deserto. O périplo do secretario-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, à região do Sahara Ocidental despertou um conflito que, desde que começou o seu estado de hibernação após a assinatura do cessar-fogo em 1991, não deixou de viver momentos críticos interpolados com períodos de esquecimento. Ban chegou ontem à capital mauritana, Nouakchott, antes de se deslocar a a Argel. Este fim-de-semana visita Tindouf, onde estão localizados os acampamentos que, desde há 40 anos, acolhem os refugiados saharauis.

A chegada de Ban à região é histórica, pois é a primeira vez que visita a zona nos seus dez anos de mandato. Mas nesta importante viagem, o máximo responsável da ONU não pisará Marrocos. Ainda que o seu desejo fosse iniciá-la em Rabat — segundo afirmou o próprio Ban numa conferência de imprensa em Madrid na passada terça-feira —, as autoridades marroquinas comunicaram-lhe que o rei Mohamed VI não estava “disponível ” para o receber.

Ban tampouco parece ter obtido autorização para deslocar-se a El Aaiún, capital do Sahara Ocidental, ocupada por Marrocos desde 1975, e lugar onde se encontra a sede da Missão da ONU para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) que, entre outras coisas, monitoriza o cessar-fogo. Ainda que como secretário-geral da ONU “tenha direito a visitar qualquer missão de manutenção da paz, as autoridades ‘de facto’ neste domínio têm que dar autorização de aterragem do avião”, segundo explicou o seu porta-voz, Stéphane Dujarric, em declarações recolhidas pela agência EFE.

Ban deixou esta parte da viaje para uma “segunda etapa” que ainda não tem data mas que se fará quando for “conveniente”. Em todo o caso, não parece que venha a ter lugar antes de Abril, quando o secretário-geral debe apresentar o seu relatório anual sobre a situação do conflito, como passo prévio a que o Conselho de Segurança da ONU vote se prorroga outros seis meses mais o mandato da MINURSO. E neste sentido, essa segunda etapa está pendente de como Marrocos vai encarar relatório de Ban.

“A razão deste périplo neste momento é que é a última oportunidade de Ban de visitar o contingente da MINURSO antes que acabe o seu mandato”, refere George Joffe, professor da Universidade de Cambridge e um dos maiores peritos mundiais no conflito do Sahara Ocidental.

Um enclave simbólico

Na viagem do secretário-geral há uma visita que enerva Rabat: Bir Lehlu. Esta pequena localidade situada a Este do muro marroquino, nos chamados “territórios libertados” (a parte do Sahara Ocidental sob controlo da Frente Polisario), foi a capital provisória da República Árabe Saharaui Democrática (RASD) até que há una anos foi transferida para Tifariti. Trata-se de um enclave que tem uma grande importância simbólica para os saharauis, já que foi ali que foi proclamada a RASD a 27 de Fevereiro de 1976. Em Bir Lehlu, Ban visitará uma base da MINURSO, o que que é interpretado também como um gesto de apoio à missão das Naciones Unidas.

De nova se coloca em evidencia a grande tensão reinante entre Marrocos e a ONU que vem de 2012, quando Marrocos questionou a neutralidade do enviado pessoal de Ban, o norte-americano Christopher Ross. A pesar de Rabat ter perdido essa batalha — já que Ban o reafirmou no seu cargo — não terá perdido a guerra, já que desde então conseguiu dinamitar a iniciativa das Nações Unidas na solução do conflito e impediu que a MINURSO abandonasse a sua passividade para se converter numa missão que também monitorize os abusos dos direitos humanos.

“Não creio que esta visita marque uma nova iniciativa da ONU na solução do conflito, já que todas as partes estão entrincheiradas nas suas posições. Os intentos de Ross — como anteriormente os de Baker — não deram frutos e não se vislumbra nenhum progresso desde que as conversações se romperam”, considera Joffe.

Um frágil cessar-fogo

A isto se junta o conflito do reino alauita com as autoridades da União Europeia em virtude do acordo comercial firmado por ambas as partes em 2012, mas que foi anulado pelo Tribunal Europeu de Justiça por englobar produtos dos territórios do Sahara Ocidental sob ocupação. Há apenas uma semana, Marrocos anunciou a “suspensão de qualquer contacto com as instituições europeias”. Uma decisão que se teme que possa afetar também a colaboração em matéria de luta antiterrorista e de controlo de fronteiras, dois aspetos que a UE considera o país magrebino como um parceiro chave.

Por outro lado, o cessar-fogo parece hoje mais frágil do que nunca, depois de no sábado um pastor nómada que se aproximou do muro pelo lado saharaui morreu devido a disparos de soldados marroquinos. O incidente é o mais grave desde o cessar-fogo de 1991. Segundo a imprensa marroquina, após o sucedido, as autoridades militares do reino enviaram centenas de soldados e deslocaram blindados para o extremo sul do Sahara sob seu controlo.

Tudo faz temer que se reatem as hostilidades, ideia com que a Frente Polisario tem ameaçado em várias ocasiões devido ao ponto morto em que se encontram as negociações desde há anos. O risco existe. “Recordemos que dentro da Polisario há uma facção que considera que a assinatura do cessar-fogo foi um erro”, refere Joffe em entrevista ao EL MUNDO. “Ainda que o cessar-fogo não esteja ameaçado porque a Argélia não permitirá à Polisario abrir de novo o conflito militar com Marrocos e impedi-lo-á”, acrescenta.

Fonte: El Mundo / Por Rosa Meneses

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