terça-feira, 3 de novembro de 2020

MINURSO: uma missão da ONU com escassas competências e enviados de mãos atadas

 

1 de Novembro 2020 - Madrid - Por Mohamed Salem Abdelhay /ECS - Desde o início do conflito saharaui, vários secretários-gerais das Nações Unidas e enviados especiais tentaram solucioná-lo. Nenhum deles o conseguiu, mas talvez alguns tenham chegado mais perto do que outros. Eis uma revisão completa dos escassos resultados da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO).

A nível operacional, a MINURSO chegou ao Sahara Ocidental com a missão de organizar um referendo de autodeterminação aos saharauis que nunca veio a ser realizado devido a discrepâncias relativamente ao recenseamento dos eleitores saharauis; A única função da MINURSO tem sido o de desminar a zona e comprovar o respeito pelo cessar-fogo.

O ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação disse-o claramente este sábado, felicitando-se pela última resolução do Conselho 2548. Nasser Bourita afirmou que "o Conselho confirma que o seu mandato se limita à observância do cessar-fogo".

Os esforços da ONU falharam repetidamente em negociar um acordo sobre o território em disputa desde que em 1991 interveio estabelecendo um acordo de cessar fogo entre as partes, suspendendo um conflito bélico que durava desde 1975, quando a potência colonial Espanha abandonou o território.

Mais de 40 anos se passaram e, curiosamente, os saharauis estão agora mais longe de ver uma solução do que há 20 anos, quando a ONU, em 1991, prometeu resolvê-lo num prazo que não ultrapassaria os 2 anos, ou seja, o tempo que diziam necessário para realizar um censo completo prévio ao referendo de autodeterminação.

Hoje, a única solução que os saharauís vêem para desbloquear a situação e obrigar Marrocos a avançar é o regresso à luta armada, algo que a própria ONU e o Conselho de Segurança evitam a todo o custo, mas mais não fazem do que favorecê-lo já que as suas resoluções (a última, a 2548 aprovada há dias) e a passividade perante Marrocos perpetuam e prolongam o conflito, agravando assim a situação dos saharauís e, consequentemente, esgotando a sua paciência.

 

Os nefastos Secretários-Gerais

 

Boutros Ghali (egípcio e SG da ONU de 1 de janeiro de 1992 a 31 de dezembro de 1996), amigo próximo do Rei Hassan II, foi um Secretário-Geral polémico e parcial, sempre foi favorável a Marrocos, posição fundamental para que, durante o processo de realização do censo ele se arrastasse indefinidamente e o referendo não se realizasse, conseguindo desse modo bloquear a resolução. Frank Ruddy, um ex-embaixador dos EUA, revelou Boutros também pedia favores sexuais aos seus funcionários, além de visitar os marroquinos várias vezes para comer cuscuz com eles. Teve uma disputa com o ex-presidente saharaui, Mohamed Abdelaziz, em 1992, quando Abdelaziz rejeitou o general Vernon Walters como representante junto do povo saharaui devido à sua conhecida amizade com o reino marroquino, o que deu início a um confronto com Ghali. Pode-se dizer que o período Boutros Ghali serviu a Marrocos para se consolidar no território que não lhe pertence. Ele foi o primeiro secretário-geral da história da ONU a ser destituído e banido por sua atitude.

Kofi Annan chegou ao cargo de SG da ONU pronto a resolver o conflito, mas era apenas mais um. tendo num primeiro momento colocado 3 opções; referendo; divisão do território ou retirarada da ONU da região. Em 1997 escolheu James Baker como seu representante pessoal e isso gerou algum otimismo nos saharauis para se chegar a uma solução; fez tudo bem, desbloqueou a situação, conseguiu que Marrocos e a Frente Polisário se encontrassem e assinassem acordos mútuos em Lisboa, Houston e Londres em que se acertou o número de eleitores e a data do referendo, 8 de dezembro de 1998. Tudo foi feito, e tudo estava indo como o esperado, o conflito parecia ver a luz no fim do túnel e seria mais um conflito resolvido pela ONU na sua já longa história, mas o Marrocos pediu para que fosseu incluídos mais eleitores, a exigência marroquina foi rejeitada porque o processo de identificação já tinha sido realizado, embora Marrocos persistisse nas suas reivindicações. As Nações Unidas publicaram a lista de 86.381 eleitores elegíveis em 2000, registados nos 9 anos anteriores.

Claramente, o resultado seria a favor da independência, e Marrocos foi rápido em apresentar nem mais nem menos que 130.000 recursos, algo inédito sobretudo quando a maioria desses recursos carecia de fundamento legal. Desde então, Kofi Annan baixou gradativamente a guarda, chegando a declarar aos órgãos de informação que, em vez de resolver o conflito, ele ghavia feiro retroceder a situação. Por fim James Baker e Kofi Annan deixaram de confiar no Plano de Paz e reduziram as suas opções a apenas uma: pensavam num conflito em que o vencedor levaria tudo. Apesar dos obstáculos colocados por Marrocos, nenhuma sanção lhe foi imposta.

Ban Ki-moon foi, provavelmente, o pior de todos, e também quem menos fez pela causa saharaui, no entanto, criou o conflito entre Marrocos e a ONU no ano passado e que ainda persiste. Nos seus 8 anos como SG, ele só se lembrou do conflito saharaui no seu último ano de mandato. Refira-se que durante o seu mandato, o Marrocos foi mais longe, recusando-se a reunir com a Frente Polisario, e inclusive ignorando as resoluções da organização. O conflito entre a ONU e Marrocos sempre existiu, mas no ano passado a tensão aumentou consideravelmente, com Marrocos desrespeitando o SG da ONU, enfrentando-o numa guerra diplomática sem precedentes. Marrocos expulsou todo o pessoal da MINURSO, organizou manifestações no país contra Ban e tratou-o com desprezo, tentando desacreditá-lo chamando-o de "louco". Apesar de ter sido durante seu período como SG da ONU que, pela primeira vez, Marrocos violou o cessar-fogo nos 28 anos desde que teve início, e que a própria ONU ratificou um relatório que havia sido tornado público de forma ilegal. Isto sem se mencionar o encolher de ombros que fez quando Marrocos bombardeou o acampamento de Gdeim Izik e o sequestro de prisioneiros políticos saharauis julgados arbitrariamente. Todo esse amálgama de violações de acordos e direitos humanos, Marrocos não foi sancionado por nenhum deles. Não sabemos como Marrocos foi capaz de confrontar Ban Ki-moon com tudo o que lhe foi permitido que violasse.

Em janeiro de 2017, assumiu o cargo denovo Secretário-Geral da ONU, o português António Guterres, que já tinha visitado os campos de refugiados saharauis em 2009, quando era Chefe do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, onde se reuniu com o ex-presidente saharaui Mohamed Abdelaziz, ao qual expressou a sua preocupação e prometeu a solução para o conflito.

Nos seus primeiros 4 meses de mandato, não enfrentou Marrocos, mas proibiu os seus representantes de ver o seu relatório sobre a resolução do conflito, criando algum otimismo nos saharauís com o seu ato, mas que mais tarde os decepcionou quando o relatório foi divulgado durante a sua apresentação no Conselho de Segurança da ONU. Sem outras considerações, os saharauis qualificaram o relatório como o pior da história. No entanto, Guterres deu a entender que quer relançar as negociações com uma nova dinâmica, envolvendo Argélia e Mauritânia. Veremos se no final do seu mandato o português resolveu o conflito ou será mais um fantoche como os anteriores, o tempo o dirá.

 

O equilíbrio vergonhoso

 

45 anos passados, uma missão especial da ONU, 6 secretários gerais, 4 enviados pessoais, mais de cem resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mais de cem outros relatórios de diferentes secretários-gerais da ONU e a situação do povo saharaui continua igual a 1975.

No entanto, a ONU continua a fazer o povo saharauí acreditar que pode resolver o conflito com relatórios ou declarações periódicas para levantar o ânimo dos saharauís, num movimento sociológico muito sujo mas que, surpreendentemente, ainda funciona e tem resultados. A realidade é que o conflito saharauí e a questão do último país africano não descolonizado tem sido um fracasso colossal, absoluto e sem precedentes para as Nações Unidas, por mais que tentem disfarçá-lo.




O direito do povo saharaui à autodeterminação é inalienável e irrefutável e, como a história nos ensinou, direitos nunca foram conquistados nos modernos escritórios da ONU ou em assembleias de falsos amigos, o povo saharaui precisa de dar um murro na mesa, reorientar o seu futuro, passar a ser um Estado com território reconhecido e deixar de ser motivo de chacota de cada país ou alto cargo político estrangeiro que lança palavras venenosas ao público que servem para acalmar a tensão do povo saharaui e mantê-lo in situ. Neste ponto, questiona-se se a ONU é realmente necessária e dispensável.

45 anos de ocupação e colonização e esquecidos no meio de um deserto remoto, é muito tempo, e a cada dia que passa, mais se distanciam da independência e permitem que Marrocos se consolide e se estabeleça ainda mais. Cada saharaui deve rever o passado e verificar se realmente progrediram no conflito ou se este se agravou.

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