EL PAIS - autores María Martín|Bernardo de Miguel
Madrid / Bruxelas - 26 ABR 2021 - A União Europeia dá por evidente que Marrocos é um parceiro prioritário na sua estratégia migratória, mas não está de acordo com Rabat. Os 27 estão dispostos a colocar mais fundos na mesa, incluindo propostas a longo prazo, mas estão à procura de uma forma de levar os marroquinos a aceitar as suas exigências. Não está a ser fácil, de acordo com um documento confidencial a que EL PAÍS teve acesso. Rabat está a exigir mais dinheiro e o reconhecimento da sua importância no tabuleiro de xadrez das migrações europeias, como já fez com a Líbia e a Turquia. Entretanto, a negociação para mais regressos de marroquinos que chegam irregularmente à UE, uma exigência inalienável de Bruxelas, está bloqueada.
O documento reconhece que "Marrocos fez esforços significativos na gestão dos fluxos migratórios e na prevenção de partidas irregulares para Espanha", especialmente "após o substancial apoio [financeiro] concedido em 2018" face a um aumento na chegada de pequenas embarcações. Mas Bruxelas está convencida de que, após o aumento das chegadas [de emigrantes ilagais] às Ilhas Canárias, a relação com Marrocos exige um repensar global e precisa de "estabelecer objectivos a longo prazo".
A UE-27 acredita que o lançamento do seu novo quadro financeiro (2021-2027) e a estreia do chamado Instrumento de Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional (NDCI) oferece a oportunidade ideal para marcar um ponto de viragem na relação com Rabat. Este instrumento tem um orçamento de 79,5 mil milhões de euros (quase um quarto para os países vizinhos da UE), mais uma almofada de 9,5 mil milhões para intervenções de emergência.
Marrocos, segundo o documento a que EL PAÍS teve acesso, tem grandes expectativas financeiras sobre estes itens e aspira a ser um dos principais beneficiários. Mas a presidência do Conselho Europeu pormenoriza no texto as exigências que Bruxelas poderia fazer em troca de uma cooperação mais estreita.
Acima de tudo, a UE quer que Rabat facilite mais retornos dos seus nacionais. A Espanha e a França têm uma colaboração mais fluida nesta área, mas este não é o caso de outros países. "A cooperação com os Estados membros em matéria de readmissão continua a ser desigual", admite o documento. Em 2019, quase 35.000 marroquinos receberam uma ordem para deixar a UE, mas apenas 29% puderam ser devolvidos. Bruxelas também quer que Marrocos readmita migrantes de países terceiros em troca de uma política de vistos mais favorável aos marroquinos, mas a negociação está paralisada desde 2015.
A lista de desejos da UE não termina aqui, e o documento detalha as áreas em que pretende relações mais estreitas. Para além dos regressos e do controlo nas fronteiras, os 27 querem reforçar a troca de informações com Marrocos e a cooperação judicial e operacional contra o tráfico de seres humanos, inclusive através de agências da UE como a Frontex ou a Europol. "Devemos também instar Marrocos a adoptar a lei de asilo, e a promover o papel da Agência Europeia de Asilo (EASO) na construção de um sistema eficaz", acrescenta o documento.
Dificuldade no alinhamento de objectivos
A correspondência de pedidos e exigências não é fácil, até porque Rabat resiste a qualquer intervenção europeia que possa ser interpretada como uma interferência nas suas políticas internas ou um questionamento da sua capacidade de gerir fluxos migratórios. "Marrocos tem frequentemente percebido que a proposta da UE de reforçar as suas capacidades [de controlo fronteiriço] subestima as suas próprias capacidades", lê-se no documento. "Por outro lado, Marrocos afirma frequentemente que necessita de apoio sob a forma de equipamento neste domínio".
O texto, que foi debatido na quinta-feira passada por representantes de todos os Estados membros, reconhece "um crescente desencontro entre as ofertas europeias e as expectativas marroquinas" e a "dificuldade de alinhamento dos objectivos". Rabat, acrescenta o documento, vê algumas das ofertas da UE como "irrelevantes ou de pouco valor acrescentado".
Fontes espanholas argumentam a favor de Marrocos e advertem contra o risco de subordinar a cooperação internacional à colaboração na política de migração, como desejam vários parceiros no seio da UE. Países da periferia, como a Espanha, preferem optar pelo entendimento com os seus vizinhos a fim de regular os fluxos migratórios que não vão desaparecer pela simples blindagem das fronteiras. As mesmas fontes negam que Rabat tenha "grandes expectativas" em relação aos orçamentos da UE, como sugere o documento do Conselho. "Marrocos quer simplesmente programas de investimento ligados à política de vizinhança, como outros países da região, desde a Argélia e Tunísia até à Líbia e Egipto", sublinham fontes diplomáticas. A Ministra dos Negócios Estrangeiros, Arancha González Laya, afirmou na passada quinta-feira no Congresso que a Espanha fez um esforço para alcançar um consenso na União Europeia sobre o modelo espanhol de cooperação e defendeu "fundos adequados e previsíveis" para apoiar o seu principal parceiro africano.
O Parlamento Europeu também não é a favor de subordinar a cooperação à política de migração. E no acordo com o Conselho sobre o regulamento do IVDCI, conseguiu limitar os recursos do fundo que podem estar ligados à gestão da migração, deixando-os em 10% do total. Este tecto limita a capacidade dos parceiros da UE de exercer pressão sobre os países vizinhos, embora Bruxelas queira também utilizar a política de vistos como arma de negociação para exigir cooperação no controlo da migração. Há 1,96 milhões de marroquinos a residir legalmente na UE e as suas remessas representam 5% do PIB de Marrocos.
Marrocos é o terceiro parceiro que recebe mais dinheiro da UE para a gestão das migrações, depois da Turquia (6 mil milhões de euros desde 2016) e da Líbia (355 milhões de euros a partir de 2015). Desde 2014, Bruxelas injectou 343 milhões de euros em programas de apoio à gestão da migração, a maior parte dos quais após o pico histórico do número de pequenas embarcações nas costas espanholas em 2018. O dinheiro e uma colaboração espanhola renovada reduziram os fluxos para metade no ano seguinte, mas a crise migratória nas Canárias, onde mais de 23.000 pessoas chegaram em 2020, principalmente do Sahara Ocidental controlado por Marrocos, voltou a perturbar os 27. Mais de metade desses 23.000 migrantes eram marroquinos. "O recente pico nas chegadas às Ilhas Canárias sugere a necessidade de uma abordagem holística conjunta e de objectivos a longo prazo", afirma o texto.
Por seu lado, Rabat há muito que tem vindo a pedir mais apoio. É um país de origem, de trânsito e de destino para milhares de migrantes e está a exercer pressão para que o seu papel seja reconhecido. Marrocos estima que os seus esforços só em termos de recursos materiais e os milhares de agentes policiais que mobilizou para combater a imigração irregular exigem um investimento de 3,5 mil milhões de euros no período de 2020-2027. O número aparece num relatório económico de Bruxelas e representa 435 milhões por ano, consideravelmente mais do que os 343 milhões oferecidos em oito anos.
A UE, imersa na negociação do quadro financeiro plurianual, prevê aumentar o seu apoio a Marrocos, mas o documento adverte: "Para manter compromissos financeiros suficientes em matéria de migração, de acordo com as expectativas de Marrocos, são necessárias soluções mais arrojadas, incluindo abordagens mais mutuamente benéficas que prossigam a abordagem abrangente da migração e da mobilidade".
Nota: Em 2020, cerca de 23.023 imigrantes clandestinos chegaram por via marítima ao arquipélago das Canárias. Um valor que representa um aumento de 757% em relação a 2019.
Sem comentários:
Enviar um comentário