quarta-feira, 31 de maio de 2023

A visão de Aminatou Haidar para um Sahara Ocidental livre


Aminatou Haidar - Foto Right Livelihood


 Right Livelihood - 31.05.2023 - No espírito de solidariedade, Aminatou Haidar, Prémio Right Livelihood 2019, lança luz sobre sua visão para a autodeterminação do Sahara Ocidental durante a Semana Internacional de Solidariedade com os Povos de Territórios Não Autónomos (25 a 31 de maio de 2023). Apesar dos desafios atuais, incluindo a violação do cessar-fogo e a falta de apoio internacional, Haidar permanece firme em sua crença de que um Sahara Ocidental unido e democrático é possível.

A luta pela autodeterminação no Sahara Ocidental começou em 1975, quando a Espanha se retirou do território. Desde então, a ONU pediu um referendo sobre a autodeterminação e a descolonização do Sahara Ocidental. O povo saharauí, representado pela Frente Polisario, continua até hoje a sua luta pela independência e pelo cumprimento dos seus direitos fundamentais.

 

Pode-nos fornecer uma visão geral da situação atual no Sahara Ocidental?

Aminatou Haidar: A situação atual é marcada por um cenário de guerra desde novembro de 2020. Infelizmente, isso se deve à violação do cessar-fogo pelo ocupante marroquino e à inação da comunidade internacional, em particular das Nações Unidas, no cumprimento de suas obrigações para fazer cumprir o referendo sobre a autodeterminação.

Para nós que vivemos sob a ocupação marroquina nas zonas ocupadas, a situação piorou. Neste momento, estou falando de minha casa e a polícia está do lado de fora, mas meu caso não é único. Todos os militantes e ativistas estão sob cerco policial. E, claro, isso é para evitar qualquer forma de protesto.

Tudo isto está a acontecer com o silêncio total das organizações internacionais, principalmente da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), que está sediada a poucos metros da minha casa mas não faz nada. Eles não ligam, nem perguntam sobre a nossa situação, nem nos cumprimentam.

 

Como ativista, como consegue sustentar a mobilização ao longo de tantos anos, especialmente quando parece que a situação está piorando?

AH: A situação está piorando, mas pelo menos agora estabelecemos relações internacionais e nossas vozes estão sendo ouvidas. Atualmente, estou enviando esta mensagem de minha casa através de vós, o que não era possível antes.

A brutalidade e a barbárie do regime marroquino foram-nos infligidas, e esta terrível experiência permaneceu oculta. As zonas ocupadas estavam envoltas em segredo e ninguém sabia o que estava acontecendo aqui.

No entanto, graças às nossas conexões atuais e ao poder das mídias sociais e da internet, finalmente estamos sendo ouvidos. A nossa determinação e a nossa convicção de que temos o direito de lutar e de que a nossa causa é justa elevam-nos e mobilizam-nos.

 

Até que ponto a identidade e o património cultural do povo saharaui são afetados pela ocupação?

AH: Marrocos tem usado muitos métodos para eliminar a cultura Saharaui. Por exemplo, a música saharaui, especialmente a revolucionária, é proibida aqui na zona ocupada. Eles estão tentando educar as crianças nas escolas sobre a cultura marroquina e as tradições marroquinas.

Estão também a produzir documentários e filmes com o intuito de passar a mensagem, tanto no mundo exterior como aos marroquinos, de que os saharauis já são semelhantes aos marroquinos. No entanto, a verdade é que eles estão lutando ativamente contra a nossa cultura. Então, sempre tentamos explicar, principalmente para as crianças, que a cultura marroquina não é a nossa cultura. Respeitamos a cultura deles, mas é dos ocupantes, não nossa.

 

Há poucos dias comemorou o 50º aniversário da Frente Polisario e o início da luta armada. Como reflete pessoalmente sobre este aniversário?

AH: Ao longo destas cinco décadas, assistimos à perda de muitos mártires, vítimas e desaparecidos. No entanto, também levou ao desenvolvimento de uma sociedade saharaui moderna que dá grande importância à humanidade, à tolerância e à participação das mulheres, que são respeitadas e ocupam posições de destaque em todos os campos.

A nossa motivação nasce do desejo de liberdade e do desejo de gozar de todos os nossos direitos como cidadãos saharauis. Como ativista de direitos humanos que defende a luta pacífica, tenho plena consciência de que posso enfrentar consequências significativas, mas também entendo que a condenação mais severa seria permanecer em silêncio e aceitar que meu povo se resigne à injustiça.

 

Como imagina um Sahara Ocidental livre e desocupado?

AH: É o nosso sonho. Acredito firmemente que meu povo pode estabelecer e desenvolver uma nação moderna e democrática. Acredito que todos os membros do meu povo pertencem por direito à sua terra, sua pátria. Infelizmente, vivemos uma divisão, com alguns residindo em zonas ocupadas e outros em campos de refugiados.

Esta separação causou imensa tristeza, pois perdemos entes queridos sem a oportunidade de vê-los ou de nos verem. Tais experiências de sofrimento, no entanto, servem como lições valiosas que acabarão por ajudar o povo saharaui na construção de um país democrático, unido e progressista. Esta nação imaginada priorizará os direitos humanos e os princípios e valores da democracia.

Right Livelihood - Fundada em 1980, é uma organização comprometida com a paz, a justiça e a sustentabilidade no mundo.


domingo, 28 de maio de 2023

Marrocos declara oficialmente à UE que Ceuta e Melilla "são cidades marroquinas"


28 de maio de 2023 - ECS | Marrocos manifestou oficialmente aos organismos europeus que Ceuta e Melilla "são cidades marroquinas" e fê-lo através do ministro dos Negócios Estrangeiros, que apresentou uma censura diplomática contra a vice-presidente da Comissão Europeia responsável pela imigração, Margaritis Schinas, por ter defendido repetidamente que as duas cidades autónomas são fronteiras de Espanha e da União Europeia.

A União Europeia está "insatisfeita" com a atitude de Marrocos, segundo o El País, que refere declarações de fontes conhecedoras das práticas diplomáticas de Bruxelas. "Não é o comportamento que se espera de respeito e subtileza de um país que recebe grandes quantidades de ajuda".

De acordo com o diário El País, a nota de protesto marroquina afirma que Schinas fez uma dúzia de "declarações hostis" sobre Marrocos "e as cidades marroquinas de Ceuta e Melilla". Esta declaração, segundo o jornal espanhol, viola o compromisso assumido por Marrocos de "evitar tudo o que ofenda a outra parte, especialmente quando afeta as respetivas esferas de soberania".

Este acordo de não ofensa entre as partes foi assinado por Marrocos com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, a 2 de fevereiro em Rabat a propósito do Sahara Ocidental e das duas cidades autónomas.

A nota verbal da diplomacia de Rabat foi enviada à Comissão Europeia no dia 17 de fevereiro e exprime "grande preocupação pelas declarações hostis" proferidas pelo senhor Schinas na Cimeira Europeia de Segurança e Defesa realizada em Bruxelas uma semana antes. Nesse fórum, o vice-presidente europeu referiu-se à "ameaça híbrida" que representa o facto de Marrocos utilizar os migrantes como "armas".

Equipe Média alvo de ataque “hacker” para impedir a liberdade de informação sobre o Sahara Ocidental ocupado



Imagem Geralt/Pixabay - AAPSO

Há mais de 14 anos que a agência noticiosa saharaui Équipe Média se dedica a informar sobre os acontecimentos no Sahara Ocidental ocupado, "é evidente que estes ataques têm por objectivo silenciar a Équipe Média e impedir-nos de informar sobre a situação no Sahara Ocidental ocupado".


Documentário realidado pela Equipe Media - A Equipe Media luta para manter as suas câmaras. Utilizam-nas para documentar as violações dos direitos humanos cometidas pelo Reino de Marrocos na última colónia de África - o Sahara Ocidental. Marrocos proíbe a entrada de jornalistas estrangeiros no território ocupado. As únicas imagens que conseguem sair são as captadas por jornalistas saharauis.


A agência de notícias Équipe Média está empenhada em romper o bloqueio mediático marroquino e em trazer à luz do dia a realidade da última colónia africana. Como principal fonte de informação fiável no território, a Équipe Média desempenha um papel vital na cobertura exata da situação.

Équipe Média "condena veementemente o recente ataque malicioso e a pirataria da nossa conta oficial no TikTok por parte dos Anonymous, bem como os ataques contínuos ao nosso sítio Web e às plataformas das redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram, Youtube. Estes atos deliberados, que começaram há dois dias, dificultaram gravemente o acesso da nossa equipa técnica ao nosso sítio e às nossas contas oficiais. É evidente que estes ataques têm por objectivo silenciar a Équipe Média e impedir-nos de informar sobre a situação no Sahara Ocidental ocupado".

A Équipe Média denuncia igualmente a condenação dos seus jornalistas Bachir Khadda e Abdallahi Lakhfaouni, assim como dos correspondentes da Rádio Nacional Saharaui, Mohamed Lamin Haddi e Hassan Dah, de Hmetou El Kaouri da Smara News, de Khatri Boujamaa Dadda da Salwan Media, e de Essabi Yahdih fundador da Algarat Media "injustamente presos pelas suas atividades pacíficas".

sábado, 27 de maio de 2023

Os EUA são, pela primeira vez, o maior exportador de gás para o Sahara Ocidental ocupado

Gráfico: Vesselfinder.com


WSRW - 24 de maio de 2023


Corpus Christi no Texas, EUA, é o porto do mundo que envia mais gás para o Sahara Ocidental ocupado. 36% de todo o gás que alimentou a ocupação do Sahara Ocidental durante o ano civil de 2022 é originário de Corpus Christi. Esta é a conclusão do monitoramento diário dos movimentos de navios do Western Sahara Resource Watch (WSRW) no ano passado.

No total, 13 cargas de gás butano liquefeito chegaram a El Aaiún, no Sahara Ocidental ocupado, em 2022. Com base na análise das rotas e calados dos navios, a WSRW estima a carga total de cerca de 47.000 toneladas de gás, equivalente ao ano anterior. Os transportes foram feitos por dez diferentes petroleiros chamados de GLP.

Quatro das embarcações partiram do Texas durante o ano, contendo um total de aproximadamente 17.300 toneladas de gás, mostram as estimativas da WSRW, ou seja, um total de 36,3% de todo o gás. O gás foi carregado na doca número 3 do Buckeye Texas Hub Terminal.

A exportação de gás dos EUA para o Sahara Ocidental ocupado é um fenómeno relativamente novo. O primeiro embarque de gás que a WSRW observou dos EUA foi em abril de 2021. Durante aquele ano, quatro embarques no total foram realizados para o território, com uma carga estimada em 9.500 toneladas. Tudo isso aconteceu em Paulsboro, Nova Jersey. A WSRW confrontou o provável exportador, mas não obteve resposta. As exportações de 2022 do Texas começaram em janeiro daquele ano, a bordo de um navio de bandeira turca.

As exportações também ocorreram da França, Espanha, Reino Unido, Malta, Bélgica e Croácia ao longo de 2022. O volume total de importações foi aproximadamente o mesmo de 2021 , 2020 e 2019.

O Marrocos não produz gás, mas é, segundo o Index Mundi, um importador e consumidor de primeira linha de gás butano. Muito desse gás é gasto abastecendo a maquinaria de ocupação no Sahara Ocidental. O gás é importado para sustentar infraestruturas e indústrias críticas para sua ocupação ilegal.

O gás importado entra no território em navios-tanque especificamente destinados ao transporte de gás liquefeito (GLP).

À semelhança dos anos anteriores, duas empresas de navegação destacam-se como as maiores responsáveis ​​nos transportes:

  • A mais envolvida é a companhia de navegação singapuriana/norueguesa/dinamarquesa BW Epic Kosan (BWEK, anteriormente Epic Gas). Sete das 13 remessas estavam a bordo de navios da frota BWEK Epic Shikoku, Epic Salina, Epic Sicily, Westminster e Tracey Kosan. O Observatórios dos Recursos do Sahara Ocidental ( sigla inglesa - WSRW) estima que aproximadamente 26.800 das 47.000 toneladas foram transportadas em navios BWEK. O Comité de Apoio Norueguês escreveu à BW Epic Kosan e BW Group sete vezes de 2020 a 2023 (incluindo a 30 de setembro de 2021 ), mas não recebeu resposta.
  • A frota Eco é operada pela transportadora grega Stealth Corp. A empresa foi contactada sobre a prática em 25 de abril de 2020 e 5 de junho de 2020, mas as cartas não foram respondidas.

Ao que o WSRW averiguou, o JS Jaguar (IMO 9578024) está listado com o proprietário registado Dragon Jaguar Pte Ltd e o proprietário do grupo Standard Chaterted Bank Plc, Reino Unido. A Kingston (IMO 9652741) está listada com o proprietário registado Windermere Shipping Pte Ltd em Singapura e com o proprietário do grupo Komaya Shipping Co Pte Ltd também em Singapura.



As embarcações envolvidas em 2022 foram Beylerbeyi, Eco Nical, Eco Stream, Epic Salina, Epic Shikoku, Epic Sicily, JS Jaguar, Kingston, Tracey Kosan e Westminster. Os petroleiros estão registrados na Turquia, Singapura, Dinamarca, Ilhas Marshall,

A lista acima mostra o porto do qual a WSRW espera que o gás tenha sido exportado, mas não reflete a origem real do gás. As remessas de A Coruña, na Espanha, são provavelmente de um terminal pertencente à Repsol - uma empresa que não respondeu a uma carta de fevereiro de 2022 da WSRW .

Considerando que a Holanda foi o principal exportador desse gás para o Sahara Ocidental em 2021 , nenhum gás foi exportado da Holanda em 2022. Nem houve incidentes de exportação da Noruega, que exportou em 2020. Em 2020, duas empresas exportadoras - da Noruega e da Áustria - explicaram que nunca mais realizariam tais exportações.  


Ativista marroquina dos direitos humanos condenada a uma segunda pena de prisão


Saïda El Alami

Já detida por "insulto a um organismo público" e "difusão de falsas alegações", Saïda El Alami foi objeto de um outro processo por "insulto ao rei".


Le Monde/AFP | Uma ativista marroquina dos direitos humanos, detida há três anos, foi condenada a dois anos de prisão num outro processo por declarações consideradas ofensivas ao rei e à magistratura, informaram os seus advogados na quinta-feira, 25 de Maio. Saïda El Alami "foi acusada de 'ofender o rei' e de 'insultar um magistrado ou um funcionário público no exercício das suas funções', na sequência de comentários que fez durante o seu julgamento anterior", disse à AFP o seu advogado Ahmed Aït Bennacer. O Tribunal de Primeira Instância de Casablanca condenou-a na quarta-feira à noite a dois anos de prisão.

Detida em março de 2022, a marroquina de 49 anos, que se descreve como "dissidente política" no Facebook, publicava regularmente nas redes sociais mensagens críticas às autoridades. Denunciava, nomeadamente, os funcionários dos serviços de segurança e a corrupção no seio do poder judicial, segundo a ONG de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional. A sua nova sentença implica uma coima de 20 000 dirhams (mais de 1 800 euros).

Membro do coletivo "Mulheres marroquinas contra a detenção política", Saïda El Alami manifestou o seu apoio aos jornalistas e ativistas marroquinos condenados pela justiça e presos, como Omar Radi e Soulaimane Raissouni. Na sequência da sua detenção, a Amnistia solicitou às autoridades marroquinas que "ponham termo à perseguição de ativistas que criticaram figuras públicas, representantes ou instituições do Estado, e que assegurem aos cidadãos a liberdade de exprimir as suas opiniões sem receio de represálias".

Le Monde avec AFP

Presidente do México recebe Cartas Credenciais do embaixador da República Árabe Saharaui Democrática




SPS - 26-05-2023 | Em cerimónia realizada ontem no Palácio Nacional, o Presidente dos Estados Unidos Mexicanos, Andrés Manuel López Obrador, recebeu as credenciais do Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Árabe Saharaui Democrática, Mujtar Leboihi Emboiric.

O México foi o segundo país latino-americano a estabelecer relações com a RASD, com a qual mantém relações diplomáticas históricas; a embaixada saharaui no México é uma das mais importantes da região. O apoio mexicano à autodeterminação é uma posição mantida pelos governos dos sucessivos partidos no poder.

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Bomba destrói esteira que liga minas de Boucraa ao porto de El Aaiún

 

Há quatro dias que circulam rumores de que uma bomba destruiu um trecho da esteira rolante de 100 quilómetros que Marrocos usa para exportar ilegalmente os fosfatos da mina de Boucraa ao litoral, na parte do território do Sahara Ocidental que ocupa. 


As minas de rocha fosfática de Boucraa (em cima) e o terminal
da cinta transportadora, no porto de El Aaiún, territórios ocupados por Marrocos


Agora surgiram vídeos do local onde ocorreu a explosão. Os vídeos mostram que a correia transportadora de borracha preta foi totalmente rasgada. Um dos vídeos revela que uma das fundações de cimento, aparentemente, foi levantada a alguns metros de distância, o que provavelmente jogou toda a estrutura da correia para o ar, causando danos ao longo de algumas dezenas de metros do sistema de correias. 
Ao que a Western Sahara Resource Watch soube, a bomba terá explodido no dia 20 de maio de 2023, dia que a Frente POLISARIO e o Povo Saharaui comemoravam o 50.º aniversário do desencadeamento da Luta Armada de Libertação. Nem a Polisario, nem o Office Chérifien des Phosphates (OCP) marroquino ou as autoridades de Marrocos comentaram o assunto.   

Para mais informações e imagens, veja aqui

Análise da “Declaração Conjunta” da XIV Reunião de Alto Nível Portugal-Marrocos do ponto de vista da questão do Sahara Ocidental


 


O documento oficial final da reunião, que se realizou em Lisboa no dia 12 de Maio, tem 117 pontos, repartidos por 13 temáticas e uma “introdução” que abarca os primeiros 6 pontos.

A análise que se segue da AAPSO (Associação de Amizade Portugal Sahara - Ocidental) baseia-se numa selecção de seis pontos que se relacionam mais directamente com a questão do Sahara Ocidental, que não são apresentados pela ordem em que estão na “Declaração Conjunta”.

 

O regime marroquino: política interna...

Portugal saúda a dinâmica de abertura, progresso e modernidade vigente em Marrocos, através da implementação de reformas ambiciosas de modernização levadas a cabo sob a conduta de Sua Majestade o Rei Maomé VI, nomeadamente o novo modelo de desenvolvimento, a regionalização avançada, a estratégia nacional de desenvolvimento sustentável, e ainda a nova política de solidariedade social, entre outras. (Ponto 6).

Esta narrativa tipicamente marroquina é crescentemente contrariada por várias organizações internacionais e por entidades e estudos realizados no próprio país.

Politicamente, o Reino está em crise profunda, com um Rei, no qual se concentra todo o poder e a maior parte da riqueza, ausente do país durante muitos meses. A reportagem publicada a 14 de Abril pelo jornal “The Economist” tenta encontrar explicações para “O mistério do rei marroquino desaparecido”, sugerindo que a direcção política está cada vez mais nos serviços secretos e em quem os dirige.

Do ponto de vista económico, é o próprio Alto Comissariado para o Planeamento de Marrocos que, num relatório divulgado no passado dia 13 de Abril, indica que durante o primeiro trimestre do ano em curso 51,2% das famílias consideram que os seus rendimentos cobrem as suas despesas, enquanto 45% cento afirmaram recorrer ao endividamento para fazer face às suas necessidades de despesa. A mesma instituição revelou que dos cerca de 36 milhões de habitantes, apenas um pouco mais de 1 milhão está empregado no setor privado, enquanto outro milhão está empregado no sector público, com perto de metade destes alistados no exército e outros serviços de segurança do Estado.

No domínio social, e no que se refere à educação, o Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD de 2022 mostra que a duração média da escolaridade no país é de 5,9 anos, e para o Programa de Avaliação de Estudantes Internacionais da OCDE o Reino de Marrocos está classificado entre os cinco últimos países. Relativamente à saúde, Marrocos consagra apenas 6,85% do orçamento do Estado ao setor da saúde, enquanto a OMS considera que a norma deveria ser 12% e o país conta com 30.000 médicos, ou seja, um médico para cada 12.000 habitantes.

Após o reinício do conflito armado com a Frente POLISARIO no território não autónomo do Sahara Ocidental (Novembro de 2020) e a assinatura do Acordo de Abraão com Israel em Dezembro de 2020, as despesas militares do Reino de Marrocos aumentaram acentuadamente - de 4,88 mil milhões de dólares americanos em 2020, para 12,8 mil milhões em 2022. (Fonte dos dados deste parágrafo e do anterior: Carta Aberta ao FMI do Grupo de Apoio de Genebra para a Proteção e Promoção dos Direitos Humanos no Sahara Ocidental).

Este contexto tem dado origem a manifestações na rua mais frequentes, contra a alta dos preços, o impossível custo de vida e pelo fim da repressão e a libertação dos presos políticos.

No último ano tornaram-se avassaladoras as denúncias contra as violações dos direitos humanos em Marrocos. Vejam-se, só a título de exemplo, os relatórios anuais da Human Rights Watch e da Amnistia Internacional, assim como trabalhos de investigação específicos das mesmas organizações (“Morocco’s Playbook to Crush Dissent”, Julho 2022 e “Derechos humanos en Marruecos, diez ejemplos de represión y censura”, 20 Fevereiro 2023). Sendo a imprensa independente marroquina um dos alvos a abater, uma investigação do jornal 'Hawamich' foi cedida ao diário Público espanhol para difusão (“El reino del terror: así se silencia a periodistas y opositores en Marruecos”, 18 Abril 2023) .

A opção pelos elogios ao Rei tem a sua explicação: como recorda numa entrevista recente Jawad Moustakbal (CADTM, 16 Maio 2023), ele detém todos os poderes, “legislativo, executivo, judiciário, sobre a polícia, forças armadas, etc. O rei preside ao Conselho de Ministros. (…) O rei é o actor económico principal, o maior banqueiro privado, com dois terços do sector. (…) O rei é o primeiro agricultor, com o Domínio real que controla o essencial das terras férteis. Ele possui o sector energético, nomeadamente as empresas eólicas, em parceria com empresas estrangeiras.”

 

e política externa

Portugal saúda os esforços envidados sob a liderança internacional de Sua Majestade o Rei Mohammed VI em prol da paz, do crescimento inclusivo e do desenvolvimento sustentável no seio do Continente africano. O papel especial de Sua Majestade o Rei enquanto Presidente do Comité Al Qods foi enfatizado. (Ponto 89)

Portugal considera igualmente que Marrocos é um ator regional e internacional credível e escutado, que desempenha um papel determinante para a estabilidade, a segurança e o desenvolvimento na região atlântica, no Mediterrâneo, na zona sahel-saara e em África. (Ponto 90)

Desde 2020 que Marrocos, ao aderir aos “Acordos de Abraão” em troca do reconhecimento da sua soberania sobre o Sahara Ocidental por parte do já derrotado eleitoralmente Presidente Donald Trump, se tornou um desestabilizador da região, ao introduzir formalmente, e ao reforçar a cooperação, nomeadamente nos domínios da defesa e da segurança, com Israel. Como é evidente, isto significa na prática negar o compromisso de Mohamed VI enquanto Presidente do Comité Al Qods e introduzir um novo actor de peso na região, regido por um sistema cada vez mais percebido como de apartheid contra os palestinianos e parte activa dos conflitos do Médio Oriente.

Mais do que ser escutado internacionalmente, é Marrocos que escuta ilegalmente, utilizando o programa espião Pegasus (e outros, mais recentes), de origem israelita, para aceder a informação pessoal de opositores e intelectuais internos e externos, assim como de estadistas europeus, entre os quais o Presidente francês, Emmanuel Macron e o chefe do governo de Espanha, Pedro Sánchez, e vários dos seus respectivos ministros.

A credibilidade do regime marroquino ficou comprovada com o conhecimento do escândalo de pagamento de subornos, desde há cerca de uma década, a deputados e assistentes do Parlamento Europeu com capacidade de influência em matérias sensíveis como a violação dos direitos humanos no Reino, os acordos comerciais entre a União Europeia e Marrocos, e os direitos do povo do Sahara Ocidental.



A questão do Sahara Ocidental

No que respeita à questão do Saara, o Governo português reiterou o seu apoio ao processo gerido pelas Nações Unidas tendo em vista uma solução política, justa, duradoura e mutuamente aceitável pelas partes.

Os dois Governos concordaram quanto à exclusividade da ONU no processo político e reafirmaram o seu apoio à resolução 2654 do Conselho de Segurança da Nações Unidas, que assinalou o papel e responsabilidade das partes na procura de uma solução política realista, pragmática, duradoura e fundada no compromisso.

Neste contexto, Portugal reiterou o seu apoio à iniciativa marroquina de autonomia, apresentada em 2007, enquanto proposta realista, séria e credível, com vista a uma solução acordada no quadro das Nações Unidas. (Ponto 11)

 

O “Saara”, nome de um deserto, é o artifício para não mencionar o nome do território não-autónomo considerado pelas Nações Unidas como pendente de descolonização. O que está em causa nestes três parágrafos é o exercício da arte da dissimulação: a ONU, e nomeadamente o seu Conselho de Segurança, tem a responsabilidade de cumprir a sua Carta e as suas resoluções, não de “gerir” um processo que dura demasiado tempo (47 anos).

Em 1991, sob os auspícios da ONU e da então Organização de Unidade Africana (OUA), da qual a República Árabe Saharaui Democrática (RASD) era membro de pleno direito desde 1984, ambas as partes, a Frente POLISARIO e o Reino de Marrocos, acordaram num cessar-fogo e na realização de um referendo de autodeterminação. Para esse fim, a ONU estabeleceu a MINURSO Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (ainda hoje no terreno), que ao fim de alguns anos de trabalho, em 2000, definiu com precisão o corpo eleitoral elegível para participar no referendo. Foi nessa altura que Marrocos, não tendo conseguido impor os seus critérios, que lhe garantiriam a vitória no processo de consulta, rejeitou o seu compromisso e, sete anos mais tarde, apresentou o chamado “plano de autonomia”. O Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU tem tentado envolver a União Africana (UA), da qual agora tanto a RASD como Marrocos são membros, no processo negocial, o que tem merecido a rejeição de Rabat.

A resolução 2654 é a última aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas relativa ao Sahara Ocidental (17 Outubro 2022) e a sua primeira frase é “O Conselho de Segurança, recordando e reafirmando todas as suas resoluções anteriores sobre o Sahara Ocidental”. O quadro negocial é enunciado em dois dos parágrafos da primeira parte da resolução (“Considerandos”): “Tomando nota da proposta marroquina apresentada ao Secretário-geral a 11 de Abril de 2007 e acolhendo os esforços sérios e credíveis de Marrocos para fazer avançar o processo com vista a uma resolução, e tomando nota também da proposta apresentada ao Secretário-geral pela Frente POLISARIO a 10 de Abril de 2007. Encorajando as partes, neste contexto, a que continuem a demonstrar a vontade política de alcançar uma solução, nomeadamente examinando de forma mais aprofundada as suas respectivas propostas (...)”.

Na parte decisória, enquanto o ponto 2 refere: “Sublinha a necessidade de alcançar uma solução política da questão do Sahara Ocidental que seja realista, viável, duradoura e aceitável para todas as partes e que esteja baseada no compromisso (...)”, o ponto 4 diz: “Exorta as partes a que retomem as negociações sob os auspícios do Secretário-geral, sem condições prévias e de boa fé, tendo em conta os esforços consentidos desde 2006 e os acontecimentos posteriores, com vista a conseguir uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável que permita a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental no quadro das disposições conformes aos princípios e propósitos enunciados na Carta das Nações Unidas, e nota o papel e as responsabilidades das partes a este respeito.”

Parece evidente que para haver um acordo é necessário que as duas partes discutam as suas propostas. Todos os países que reconhecem apenas uma das partes e apoiam

apenas uma das propostas estão a dificultar o processo negocial e a diminuir o papel da ONU. Se, além disso, apoiam a proposta que não respeita a Carta das Nações Unidas, a resolução no 1514 (XV) da Assembleia Geral "Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais", todas as outras resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança pertinentes, o parecer do Tribunal Internacional de Justiça e, mais recentemente, as três senteas publicadas do Tribunal Geral e do Tribunal de Justiça da União Europeia, incorrem em grave incumprimento do Direito Internacional.

Para que as Nações Unidas possam exercer o seu mandato, é preciso que os seus Estados-membro apoiem os mecanismos existentes, nomeadamente, na questão vertente, o Enviado Pessoal do Secretário-geral Staffan De Mistura, que ao fim de ano e meio em funções ainda não conseguiu visitar o território ocupado do Sahara Ocidental, por impedimento das autoridades marroquinas, como reconhece o relatório do Secretário- geral de Outubro de 2022.

No caso português, acresce que a Constituição da República estabelece, no ponto 3 do Artigo 7º: “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.”

Em 16 de Fevereiro de 2021 o Gabinete do Ministro de Estado e Negócios Estrangeiros respondia assim a uma pergunta escrita apresentada pelo PAN a 13 de Janeiro do mesmo ano: (…) “A posição portuguesa sobre o Sahara Ocidental assenta na defesa de uma solução justa, duradoura e mutuamente aceitável, que permita a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental, no quadro das negociações lideradas pela ONU, das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e dos princípios da Carta das Nações Unidas. Nesta conformidade, Portugal tem mantido um diálogo aberto, equidistante e equilibrado sobre a questão do Sahara Ocidental com todas as partes, incluindo com o Reino de Marrocos, com representantes da Frente Polisario, bem como de outros Estados da região.” (...)


Uma política externa de “dois pesos, duas medidas”

Os dois países deploram a invasão da Ucrânia e apelam a uma solução que respeite os princípios do Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas, nomeadamente o respeito pela soberania e pela integridade territorial de todos os Estados. Os dois Chefes de Governo manifestaram a sua preocupação com as violações dos direitos humanos e do direito humanitário e com os crimes contra a humanidade que têm sido denunciados no quadro do conflito. (Ponto 98)

Não é preciso dizer muito para se perceber, ao comparar a linguagem deste ponto com a do ponto relativo à questão do Sahara Ocidental, como o respeito pelo Direito Internacional e pela Carta das Nações Unidas, pela soberania e pela integridade territorial, e as preocupações com as violações dos direitos humanos e do direito humanitário não são iguais para todos os povos. Uns merecem, outros desaparecem.


O futebol também serve para encobrir

Os dois países saúdam a candidatura tripartida de Portugal, Marrocos e Espanha visando o acolhimento do Campeonato do Mundo de Futebol 2030, que constitui um precedente na história do futebol, unindo pela primeira vez países de dois continentes. Esta candidatura comum será de junção entre África e Europa, entre Norte e Sul do Mediterrâneo e entre os mundos africano, árabe e euro-mediterrânico. (Ponto 5)

A Associação de Amizade Portugal-Sahara Ocidental (AAPSO) escreveu a 13 de Março de 2023 uma Carta Aberta ao Presidente da Federação Portuguesa de Futebol: “Que credibilidade tem Marrocos para acolher um evento desportivo desta natureza quando,

para alcançar os seus fins políticos, exerce chantagem sobre outros países utilizando rotas de migrantes e drogas, se socorre de subornos a parlamentares e funcionários europeus (como o demonstra o caso Marrocosgate) e deporta sumariamente todas as pessoas que querem visitar o Sahara Ocidental por não lhe convir que vejam o que aí se passa? Que inclusivamente tem impedido o Escritório do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o Representante Pessoal do Secretário-geral da ONU para o Sahara Ocidental de visitar este território?” [Os dados recolhidos pela Associação dos Amigos da RASD e a AFASPA - Associação Francesa de Amizade e de Solidariedade com os Povos de África indicam que 291 pessoas de 21 países e 4 continentes foram expulsas do Sahara Ocidental pelas autoridades marroquinas desde Janeiro de 2014. Sete ONG internacionais foram expulsas ou estão proibidas de entrar em Marrocos: Human Rights Watch-EUA, NOVACT-Espanha, Avocats sans Frontières-Bélgica, Friedrich Naumann Stiftung-Alemanha, Amnistia Internacional-Reino Unido, Carter Foundation-EUA, Free Press Unlimited-Países Baixos].

“Apelamos a que a Federação Portuguesa de Futebol reconsidere esta proposta, sob pena de o Campeonato Mundial de Futebol se transformar numa ocasião privilegiada de encobrimento das violações dos Direitos Humanos cometidas pelo regime marroquino e daqueles que, conhecendo a situação, lhe dão cobertura, ficando assim o evento desportivo indelevelmente desprestigiado e exponenciando o dever de denúncia por parte de pessoas e organizações defensoras dos Direitos Humanos.”

 

Lisboa, 18 de Maio de 2023