Os serviços jurídicos do Conselho Europeu, do Conselho de Estado francês e da Comissão Europeia acatam os acórdãos do Tribunal de Justiça da UE que anularam os acordos com Rabat por incluírem o Sahara Ocidental.
El Confidencial - Por Ignacio Cembrero
03/02/2025
Marrocos continua a obter êxitos diplomáticos. A Bélgica foi a última a reiterar na semana passada o seu apoio à solução de Rabat para o conflito do Sahara Ocidental, embora o tenha feito em termos menos enérgicos do que o Presidente Pedro Sánchez na sua carta de 2022 ao rei Mohamed VI.
Esta série de apoios da UE, com a grande exceção da Itália, levou os políticos marroquinos a acreditar que a Comissão Europeia e os Estados-Membros encontraríam formas de contornar os acórdãos de outubro de 2024, nos quais o Tribunal de Justiça da UE (TJUE) anulou os acordos de pesca e de associação com Marrocos, com o argumento de que incluíam o Sahara Ocidental. O ex-ministro e atual deputado Lahcen Haddad foi um dos muitos que se manifestaram confiantes nesse sentido. Questionados pela imprensa sobre as sentenças, os ministros espanhóis da Agricultura, Luis Planas, e dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, contribuíram um pouco para esta esperança marroquina. Ambos sublinharam o seu empenhamento em manter as melhores relações possíveis com Marrocos e contornaram a questão do cumprimento dos veredictos. Planas chegou mesmo a afirmar que as relações com o país vizinho estavam “acima” dos acórdãos. Quatro recentes pronunciamentos de instituições europeias e do Conselho de Estado francês, a mais alta instância judicial administrativa, mostram que será muito difícil para a UE restabelecer o tipo de relações comerciais com Marrocos que tem mantido até à data. O rei Mohamed VI, por seu lado, deixou muito claro, desde o seu discurso de agosto de 2021, que não aceitará qualquer acordo que não abranja o “Sahara marroquino”.
1. Na semana passada, os serviços jurídicos do Conselho Europeu, o órgão que representa os 27 Estados-Membros, tornaram pública a sua avaliação dos acórdãos do TJUE de 11 de novembro. O documento sublinha a personalidade jurídica da Frente Polisario; a violação do direito à autodeterminação do povo do Sahara Ocidental pelos acordos com Marrocos; a falta de consentimento do povo saharaui, etc. Não deixa qualquer margem para a assinatura de novos acordos com Marrocos que incluam a antiga colónia espanhola.
2. Os acórdãos do TJCE não se referem ao acordo de aviação UE-Marrocos. No entanto, em resposta a uma pergunta parlamentar, o comissário europeu dos Transportes, Apostolos Tzitzkostas, declarou a 20 de dezembro que o acordo “não abrange as rotas entre o território de um Estado-Membro e o do Sahara Ocidental”.
No outono passado, o Governo espanhol autorizou a companhia aérea irlandesa Ryanair a efetuar voos de Madrid e Lanzarote para Dakhla, a segunda maior cidade do Sahara, a partir de janeiro. Qual é a base jurídica para autorizar estes voos? O ministro Albares não esclareceu esta questão numa resposta ao deputado Jon Iñarritu, de Bildu, embora tenha especificado que “se trata de decisões a nível técnico”. A Agência Estatal de Segurança Aérea, que concede as autorizações de voo, também não respondeu às perguntas do El Confidencial. Esta resposta de Tzitzkostas, que se inspira num acórdão do TJUE de 2018, abre caminho para que a Polisario ou mesmo uma ONG conteste nos tribunais europeus ou espanhóis a legalidade destes voos agora operados pela Ryanair, mas também, durante anos, pela Binter Canarias a partir de Las Palmas.
3. Os acórdãos do TJCE de outubro levaram dois grupos parlamentares, A Esquerda e Os Verdes, a considerar que o PE deveria convidar representantes da Polisario para discutir o seu alcance. O local adequado para o efeito foi o grupo de trabalho Magrebe da Comissão do Comércio Internacional do Parlamento Europeu. Thierry Mariani, eurodeputado do Rassemblent Nacional Francês [extrema direita] e membro do grupo parlamentar Patriotas pela Europa, apelou à Presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, para que proibisse a reunião com “uma milícia apoiada pela Argélia que ameaça (...) o nosso parceiro Marrocos”. A reunião teve lugar no dia 28 de janeiro e foi boicotada apenas pelo grupo Patriotas pela Europa.
4. A 28 de janeiro, o Conselho de Estado francês rejeitou um pedido do sindicato agrícola Confédération Paysanne que o instava a ordenar aos ministérios da Economia e da Agricultura que proibissem a importação em França de produtos agrícolas do Sahara rotulados como marroquinos e sem especificar a sua verdadeira origem, em aplicação dos acórdãos do TJUE. A imprensa marroquina acolheu a decisão com uma interpretação tendenciosa.
O Conselho de Estado rejeitou a queixa do sindicato com o argumento de que “a proibição solicitada é da responsabilidade das autoridades europeias” e não das autoridades francesas. Consequentemente, o sindicato e os seus advogados irão em breve pedir à Comissão Europeia que a faça cumprir.
Quanto ao mérito da causa, o Conselho de Estado deu razão à Confederação dos Camponeses. Reconheceu que os exportadores de melões e tomates provenientes do território não tinham respeitado as regras de rotulagem adequadas que devem indicar que se trata de produtos do Sahara Ocidental e não de Marrocos.
Como as autoridades marroquinas se recusam a distinguir entre as exportações de um território e do outro, a consequência prática será, a médio prazo, que os produtos do Sahara Ocidental deixarão de ser vendidos na UE. A ONG norueguesa Western Sahara Resource Watch estima que essas exportações ascenderam a 590 milhões de euros em 2022.

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