Já em 2020, o Professor Yahia Zoubir, reputado especialista em relações internacionais e no Magrebe, alertava para um fenómeno discreto mas estruturante: a israelização progressiva do conflito do Sahara Ocidental. O seu discurso, ainda hoje disponível no YouTube sob o título “A israelização do conflito do Sahara Ocidental”, levantou claramente uma realidade política do conflito do Sahara Ocidental que tem sido evitada pela maioria dos media franceses.
Porque por detrás deste termo forte - “israelização” - esconde-se uma estratégia deliberada de ocupação territorial, de colonização demográfica, de bloqueio diplomático e de manipulação do direito internacional. Um mimetismo, segundo o Dr. Zoubir, entre a atitude de Marrocos em relação ao Sahara Ocidental e a de Israel em relação à Palestina.
Uma anexação silenciosa
Desde a Marcha Verde de 1975, Marrocos consolidou o seu controlo sobre o antigo Sahara espanhol, apesar desta anexação continuar a ser ilegal aos olhos do direito internacional. O Sahara Ocidental continua na lista da ONU dos territórios não autónomos e a missão MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Refrendo no Sahara Ocidental) - criada em 1991 - deveria organizar um referendo de autodeterminação. Este referendo nunca se realizou.
Para Zoubir, esta inércia não é acidental: Marrocos nunca teve a intenção de permitir a livre consulta e preferiu obter a “bênção” da ONU para uma anexação de facto. Zoubir refere-se à “armadilha da autonomia”, uma ideia apresentada como um compromisso mas que na realidade não passa de um pretexto diplomático para esconder a soberania marroquina.
Recursos e colonização
Outro ponto fundamental abordado no seu discurso: as riquezas do Sahara Ocidental. Contrariamente ao mito de um deserto vazio, a região é rica em recursos, incluindo fosfatos, algumas das zonas de pesca mais ricas do mundo e, provavelmente, hidrocarbonetos. Estes recursos estão a ser explorados ilegalmente, à revelia do direito internacional, não só por Marrocos, mas também por empresas europeias que beneficiam de acordos comerciais controversos.
Ao mesmo tempo, Marrocos prossegue uma política ativa de colonização e povoamento, encorajando os seus cidadãos a instalarem-se nas cidades do Sahara. Este processo tem por objetivo criar uma nova realidade demográfica que marginaliza a população saharaui e torna hipotética qualquer restituição. Também neste caso, os paralelismos com a estratégia de Israel nos territórios ocupados são notórios.
França, um apoio inabalável
Segundo Zoubir, nada disto seria possível sem o apoio da França. Membro permanente do Conselho de Segurança, Paris bloqueia qualquer resolução que inclua um mandato de controlo dos direitos humanos para a MINURSO, uma exceção entre as missões da ONU.
Além disso, a França atua nos bastidores para impedir qualquer progresso diplomático. Em 2003, lembra o professor, o Plano Baker - aceite pelos saharauis e pela Argélia - foi ameaçado de veto pela França. Os EUA, então envolvidos no Iraque, recuaram e o plano foi abandonado.
Porquê tanto envolvimento? Zoubir avança várias hipóteses:
- O peso das relações económicas: 70% do investimento estrangeiro em Marrocos provém da França e mais de 50.000 franceses vivem no país.
- O papel de Marrocos como pólo militar regional da política africana de Paris.
- Um reflexo anti-argelino de certas elites francesas, para quem qualquer enfraquecimento de Argel reforça indiretamente Rabat.
- Refere também uma rede de antigos expatriados franceses nascidos em Marrocos, muitas vezes influentes nos meios políticos e diplomáticos, que formam um lobby não oficial pró-marroquino no seio do Estado francês.
O argumento do “micro-Estado” e o silêncio dos media
A França, prossegue Zoubir, justifica a sua recusa em apoiar a independência do Sahara Ocidental com o receio de ver surgir um “micro-Estado fraco sob influência argelina”, um discurso que faz lembrar as objeções levantadas em 1948 contra a independência do Estado palestiniano.
Mas esta posição é largamente silenciada nos meios de comunicação franceses, onde o Sahara Ocidental só é mencionado esporadicamente, muitas vezes à margem da atualidade. Este silêncio mediático, combinado com o apoio político, contribui para aquilo a que Zoubir chama a “normalização da ocupação”: ao ignorar a injustiça, esta torna-se um facto consumado.
Vítimas transformadas em culpados
Tal como no caso da Palestina, a inversão narrativa é total. Os saharauis, povo colonizado segundo o direito internacional, são apresentados como desordeiros, ou mesmo terroristas: acusações utilizadas sucessivamente nos anos 1980 (comunistas), 2000 (islamistas) e 2010 (jihadistas ligados à AQMI), sem nunca convencer a comunidade internacional, mas suficientes para enfraquecer a sua imagem junto da opinião pública ocidental.
Uma ocupação duradoura, uma impunidade assumida
Em conclusão, o Dr. Yahia Zoubir denuncia uma configuração diplomática na qual o direito internacional é sacrificado no altar dos interesses geopolíticos. Marrocos, apoiado pela França e tolerado pelos Estados Unidos e Espanha, age impunemente, transformando a MINURSO num instrumento de espera e não num vetor de paz.
A ocupação continua, os refugiados saharauis vivem em campos de refugiados há quase 50 anos e toda uma geração nasceu sem nunca ter visto qualquer progresso no sentido da paz. Os que resistem tornam-se “desordeiros”, enquanto os verdadeiros belicistas são apresentados como parceiros da estabilidade.
A esperança permanece intacta
Enquanto a questão do Sahara Ocidental continua a ser marginalizada nos meios de comunicação internacionais, alguns Estados europeus começam a sair do silêncio diplomático que prevalece. No dia 13 de maio de 2025, durante uma visita de Estado a Liubliana, o Presidente argelino Abdelmadjid Tebboune saudou a posição clara e corajosa da Eslovénia, que reafirmou o seu compromisso com o direito do povo saharaui à autodeterminação, no estrito respeito das resoluções da ONU.
Esta posição, saudada como um gesto de “grande dignidade política”, inscreve-se na linha do empenhamento da Eslovénia em causas justas: a Eslovénia foi também um dos primeiros países europeus a reconhecer o Estado da Palestina. Para Argel, este apoio só vem sublinhar o isolamento moral de algumas grandes potências, nomeadamente a França, que continuam a defender, aberta ou tacitamente, a ocupação marroquina do território saharaui.
� Para ver a intervenção completa do Dr. Yahia Zoubir:
A Israelização do conflito do Sahara Ocidental.
O podcast está em inglês, mas quem não fala inglês pode ativar as legendas automáticas em árabe ou francês através das definições do YouTube.
-----
O Professor Yahia H. Zoubir é um académico de renome internacional nas áreas das relações internacionais, gestão internacional e geopolítica, com especial enfoque no Magrebe, Sahel, China e Médio Oriente. Atualmente, é Professor de Relações Internacionais e Gestão Internacional e Diretor de Investigação em Geopolítica na KEDGE Business School, em Marselha, França.
O Professor Zoubir é autor e editor de várias obras académicas, incluindo:
- North African Politics: Change and Continuity (2016)
- Global Security Watch—The Maghreb: Algeria, Libya, Morocco, and Tunisia (2013)
- Building a New Silk Road: China and the Middle East in the 21st Century (2014)
Os seus artigos foram publicados em revistas académicas de prestígio como Foreign Affairs, Journal of Contemporary China, Mediterranean Politics e International Affairs.
Sem comentários:
Enviar um comentário