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| Foto publicada no El Pais de 04/10/2025: Associated Press/LaPresse (APN) | Vídeo: EPV |
Nunca me dirigi a vocês assim, de forma direta. Entre nós sempre houve barreiras, barreiras de propaganda, de ódio e de silêncio. Mas hoje, vendo como vocês tomam as ruas, como levantam a voz contra a injustiça que os sufoca, sinto a necessidade de vos falar.
Sou saharaui. Nasci no exílio, no refúgio a que o vosso Estado nos condenou. Cresci vendo o meu povo sobreviver no meio da areia, defendendo uma causa que nunca deixou de sangrar. Vi os meus cair sob a repressão marroquina, torturados, encarcerados e desaparecidos nas zonas ocupadas pelo vosso regime. Vi os meus irmãos das zonas ocupadas gritarem pela sua liberdade enquanto a bota da ocupação lhes partia os ossos.
E, mesmo assim, hoje escrevo-vos não com ódio, mas com uma sinceridade que nasce da verdade, essa verdade que sempre caracterizou os saharauis. Vocês também são vítimas. Vítimas de um regime que vos rouba o pão, que vos rouba a voz, que vos rouba até o futuro. Um regime que vos educou no nacionalismo vazio, que vos vendeu a ocupação da minha terra como um triunfo, enquanto esvaziava as vossas cidades de oportunidades e as vossas casas de dignidade. O mesmo poder que vos obriga a emigrar, que vos usa como arma política contra Espanha, contra a Argélia, contra a Europa... O mesmo regime que transforma a pobreza em rotina e a corrupção em paisagem é o que subjuga o meu povo.
Digo-vos com toda a clareza: a causa saharaui não é a raiz dos vossos males. Não é o problema que vos condena. É a desculpa com que vos distraem. Enquanto vos dizem que «o Saara é a causa sagrada», roubam-vos o salário, vendem-vos às multinacionais, obrigam-vos a calar-vos.
O nosso líder El Uali Mustafa Sayed advertiu-nos há já meio século, no seu discurso histórico El Africano de Naciones: «O povo saharaui não luta apenas para libertar a sua terra da ocupação marroquina, mas também o povo marroquino do regime alauíta». Essas palavras continuam vivas hoje, talvez mais do que nunca, porque a vossa rebelião confirma que esse regime vos oprime tal como nos oprime a nós.
Hoje, quando se levantam, não estão sozinhos. Há olhos saharauis a olhar para vocês com respeito, com atenção, com a certeza de que cada fenda na parede do regime é também uma fenda na nossa prisão.
Sei que entre vós haverá quem continue a repetir o que vos ensinaram, que os saharauis são traidores, que somos uma invenção da Argélia, que somos uma ameaça, perigosos terroristas que ameaçam «a unidade do reino». Mas convido-vos a olhar para além dessa mentira. Nós não somos vossos inimigos. Somos a prova do quão longe pode ir a brutalidade desse Estado que também vos oprime.
Falo-vos a partir da ferida, mas também a partir da esperança. Porque se uma geração como a vossa, a geração Z, criada no desencanto e na raiva, decidir levantar-se, talvez estejamos mais perto de ver cair um sistema que nos rouba a todos.
Vocês lutam por pão, por liberdade, por justiça. Nós também.
Vocês gritam contra a corrupção, contra a repressão, contra um futuro que não chega. Nós há cinquenta anos que gritamos o mesmo.
Talvez um dia, mais cedo do que pensamos, as nossas vozes se encontrem. E então, o poder que hoje nos divide tremerá de verdade.
Até lá, olho para vocês de frente e digo: resistam. Não desistam. Lembrem-se de que a dignidade, uma vez despertada, não volta a adormecer.
Com respeito e sinceridade,
Um jovem saharaui
Taleb Alisalem
(Acampamentos de refugiados de Tinduf, nascido em 1992) é ativista saharaui. @TalebSahara


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