— Saharauis prejudicados pelo
não-alinhamento durante a Guerra Fria.
— A “realpolitik”, tão daninha
como injusta.
— Marrocos gasta em lobbying 20
milhões de dólares nos EUA
— A Frente Polisario nunca foi
terrorista: EUA
— Os valiosos wikileaks.
Os Estados
Unidos devem pedir perdão ao povo saharaui, porque o seu apoio incondicional a
Marrocos, incentivou este último a invadir impunemente o Sahara Ocidental e a
adiar indefinidamente o referendo de autodeterminação, com a agravante da sua
população estar a sofrer atrozes violações dos direitos humanos por parte das forças
de ocupação marroquinas.
Nos tempos
da Guerra Fria, tanto os Estados Unidos como a então União Soviética exigiam incondicionalidade
e apoio total às suas decisões políticas, mas o movimento de libertação do povo
saharaui, a Frente Polisario, que combatia o jugo espanhol e depois o marroquino,
recusou alinhar-se com esses contendores nesse mundo bipolar, porque a sua luta
era pela autodeterminação e a independência.
Pagou caro
esse “atrevimento”, porque senão talvez hoje o Sahara Ocidental fosse livre, graças
a esse “dar e receber” das grandes potências. Uma das figuras funestas para os
saharauis foi o então Secretário de Estado Henry Kissinger, que assessorou e
apoiou os marroquinos na invasão da “Marcha Verde” — que não foi pacífica,
porque o Exército marroquino atacava a população civil saharaui mesmo antes do anúncio oficial da mesma, em
1975 —, e pressionava a Espanha, a potencia administrante desse colónia, para
que entregasse o território a Marrocos, como o veio a fazer, ilegalmente,
contra as resoluções das Nações Unidas, que tinham declarado o território não
autónomo, pendente de descolonização e de autodeterminação do povo saharaui. A invasão
foi, inclusive, posterior à Sentença do Tribunal Internacional de Justiça de
Haya que refere: “a conclusão do Tribunal é que os materiais e informação a si apresentados
não estabelecem nenhum vínculo de soberania territorial entre o território do Sahara
Ocidental e o Reino de Marrocos ou a entidade mauritana”, pelo que deve aplicar-se
o “principio de autodeterminação…”.
Tanto os Estados
Unidos, como a França e a Espanha, utilizam na sua política externa a “real
politik”, pela qual se cedem princípios, baseando-se a mesma em interesses
práticos, sem importar a ética, os valores ou o Direito Internacional. No caso
saharaui prevaleceram também os preconceitos , devido aos lobbyings e à milionária propaganda marroquina que afirmava que o Sahara Ocidental seria um Estado
instável, não viável, sem recursos e com um população pequena.
De acordo
com a publicação ‘Foreign Policy’, de fevereiro de 2014, só de 2007 a 2013,
Marrocos gastou nos Estados Unidos 20 milhões de dólares [referenciados na Lei
de Registo de Agentes Estrangeiros (FARA)], para manter os seus lobbies, grupos
de pressão e de relações públicas. Há 12 empresas oficialmente registadas na FARA,
embora haja outras que não o estão, mas que trabalham à margem da lei, sem se
declararem.
"Os
milhões de Marrocos parece terem sido utilizados de forma eficaz, já que os
Estados Unidos nunca pressionaram o reino a acatar a sua promessa de realizar
um referendo sobre a autodeterminação do Sahara Ocidental".
A Frente Polisario e os EUA
A Frente
Polisario — exclusivo representante do povo saharaui reconhecido pela ONU — foi
o único movimento de libertação nacional que não tinha o apoio dos países do Leste
durante a Guerra Fria, ao contrário de outras organizações como a Organização de
Libertação de Palestina, o Congresso Nacional Africano (ANC), a SWAPO (Namíbia),
Sandinistas, FMLN (El Salvador).
Nunca pôde abrir
representações em Moscovo ou em Pequim, simplesmente porque a Polisario não se
declarou como comunista o anti-imperialista, como queriam esses países. A natureza
da Polisario, como aliança nacional ampla, não tem cor política.
Os países
que reconhecem a República Árabe Saharaui Democrática (RASD) na América Latina
foram o México do PRI, o Panamá de Torrijos, Colômbia, El Salvador, Honduras, Equador,
Bolívia, Guiana, Trinidad e Tobago, Jamaica, Uruguai, Paraguai e Cuba, a
Venezuela do COPEI, e o Perú de Belaunde Terry, entre muitos outros. Todos de diferentes
matizes políticos e ideológicos. São mais de 80 os países no mundo que reconhecem
a RASD. A posição da União Africana é de apoio total à República Saharaui.
Não há causas
de esquerda ou de direita, há apenas causas justas ou não justas. A Frente
Polisario tem representação em Washington desde 1977 e conta com representação em Nova Iorque junto
da ONU.
Cabe
destacar que os EUA declaram, à época, a OLP e a ANC como organizações
terroristas, mas nunca qualificaram como tal a Frente Polisário. Os EUA sempre
tiveram uma política anti-colonial em África, e trataram o Sahara Ocidental
como uma questão de descolonização, conforme o estabelece todas as resoluções
da ONU.
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O atual Secretário de Estado dos EUA, John Kerry |
Muda a postura norte-americana?
No Congresso
a causa saharaui conta com o apoio de republicanos, como o Senador conservador
James Inhofe (Oklahoma) — que é um dos legisladores mais respeitados dos
Estados Unidos pelos seus princípios, como o foi Kennedy na sua altura — e também
dos democratas. O presidente da Liga de Amizade Norte-americana-Saharaui, que se
constituiu em agosto de 2013, é Joseph Pitts (Republicano pela Pensilvânia) e é
integrada por Betty MacCollum (Democrata pelo Minnesota), entre outros. Os
senadores Inhofe e o democrata Patrick Leahey (Vermont), são muito amigos do Sahara
Ocidental: pedem que o seu país proteja os direitos humanos e apoie o referendo.
Hillary Clinton
foi uma Secretária de Estado muito próxima de Marrocos. Tudo mudou quando o cargo
foi assumido por John F. Kerry, que quando era senador e presidente da Comissão
de Relações Exteriores subscreveu documentos pela autodeterminação do povo saharaui.
Ante o aumento
das violações aos direitos humanos do povo saharaui por parte de Marrocos, o
Secretário de Estado, John F. Kerry, promoveu em abril de 2013 uma iniciativa no
Conselho de Segurança da ONU, para que os Capacetes Azuis (MINURSO: Missão das
Nações Unidas para o Referendo do Sahara Ocidental) que se encontram no Sahara
Ocidental tivessem atribuições de velar pelos direitos humanos. Esta decisão causou
comoção em Marrocos que, através de pressões de todo o tipo e contando com o apoio
de França, Espanha e Rússia, conseguiu que a proposta fosse retirada.
Isso demonstra
que Marrocos oculta algo grave em matéria de violação de direitos humanos. A descoberta
— em setembro de 2013 — de fossas comuns no Sahara Ocidental de gente assassinada
pelas tropas marroquinas e a utilização em fevereiro de 1976 de napalm e
fósforo branco contra refugiados civis saharauis em Um Dreiga, indica que houve
desde o início um plano de extermínio do povo saharaui para o submeter ao jugo
dos seus novos colonizadores.
Frank Ruddy,
ex-embaixador dos EUA e ex-chefe da MINURSO, menciona num artigo publicado no diário
mais conservador dos EUA, o Washington Times, que a “Freedom House, no seu mais
recente relatório anual do grupo de vigilância, qualificou a situação do Sahara
Ocidental como a “pior das piores”, em termos de políticas, de direitos civis e
de abuso. Isto coloca o reino de Marrocos na mesma categoria que a Coreia del
Norte, Somália, Sudão, China, pelos maus tratos dados aos tibetanos ocupados, e
à Síria, pelo abuso contínuo do seu próprio povo”.
O
Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu — sem grande sorte — ao Conselho de
Segurança — desta vez com mais força do que em vezes anteriores— , a
necessidade de assegurar o acompanhamento independente, imparcial e constante
da situação dos direitos humanos no território e nos campos de refugiados saharauis
de Tindouf. Além de que incluiu também no seu relatório os pedidos da Polisario
sobre a exploração dos recursos naturais do Sahara Ocidental e assinala a
importância de proteger os interesses dos habitantes do território.
Isso motivou
a reação do rei marroquino, Mohamed VI, que praticamente ameaçou a ONU “de abandonar
o processo”.
Por seu lado,
a Frente Polisario qualificou ”equilibrado” o relatório do Secretário-Geral, apesar
de ser “tímido” devido aos efeitos das “ameaças que Marrocos exerce”.
Outro ator nos
EUA favorável ao povo saharaui é o Centro Robert F. Kennedy para a Justiça e os
Direitos Humanos, presidido por Kerry Kennedy, que continuamente faz relatórios
e campanhas internacionais em defesa dos direitos humanos no Sahara Ocidental.
Em março, a
ativista Saharaui dos direitos humanos Aminetou Haidar, foi recebida no Congresso
dos EUA, e disse: "Justiça para a última colónia de África: a luta pelos
direitos humanos e a autodeterminação do Sahara Ocidental", descrevendo a
política de repressão brutal e sangrenta realizada por Marrocos, através de
prisões arbitrárias, espancamentos, tortura, violações, execuções
extrajudiciais e desaparecimentos forçados de saharauis.
A posição americana
sobre o Sahara Ocidental resume-se nos seguintes pontos:
1. Apoio à proteção
dos direitos humanos no Sahara Ocidental contra a repressão marroquina, ver o último
relatório do Departamento de Estado (“Os problemas graves incluem limitações às
liberdades de expressão, imprensa, reunião e associação; o uso da detenção arbitrária
e prolongada para sufocar a dissidência, e o abuso físico e verbal dos detidos”…).
A avaliação no relatório é feita país por país e os EUA separam claramente o Sahara
Ocidental de Marrocos. Durante a sua reunião com o rei de Marrocos, em novembro
passado, o Presidente Obama referiu-se em particular à questão da violação dos
direitos do povo saharaui por Marrocos.
2. Os EUA recusam
reconhecer a pretensão marroquina de soberania sobre o Sahara Ocidental e
consideram que o conflito deve resolver-se na base do princípio de
autodeterminação. Consideram que a proposta marroquina de autonomia é uma possibilidade
(“a potential approach”, ver comunicado conjunto EUA-Marrocos de novembro de
2013) mas “não a única” solução, o mesmo é dizer que a independência também é
outra opção legítima. Esta posição foi confirmada na recente visita de John
Kerry à Argélia e Marrocos.
3. Para
proteger os recursos naturais dos saharauis e respeitar as resoluções da ONU, os
EUA aprovaram o Tratado de Livre Comércio com Marrocos, excluindo expressamente
o Sahara Ocidental.
4. Os EUA
são o maior financiador (21% em 2013) das atividades do Programa Mundial de
Alimentos (PAM), encarregado da segurança alimentar dos acampamentos de
refugiados saharauis.
Importante contributo dos Wikileaks
— Os EUA, longe
de se manterem neutros dizem oficialmente, refutarm a opção de independência dos
Saharauis. Em maio de 1975, a Embaixada dos EUA alertou para o
"perigo" de um Sahara livre que "desestabilizaria" a região,
dada a relutância de poder ser aceite por Marrocos, que havia preparado as suas
forças armadas, uma vez que "falharam outras estratégias recentes" .
O embaixador em Madrid, Wells Stabler, reconhecia que um Estado Saharaui teria "viabilidade
económica".
-Washington
descarta quaisquer vínculos entre a Frente Polisario e a Al Qaeda. 2010
- Despacho sobre
como a Frente Polisario censura os webs islamitas. 2009
1) o Estado
criado pela Frente Polisario é um governo aberto e tolerante;
2) A Frente
Polisario, longe de ser um “Estado falido” garante bem a segurança no Sahara Ocidental
sob seu controlo;
3) A Frente
Polisario não só NÃO está implicado nos “tráficos” com terroristas, como os persegue;
4) A Frente
Polisario não só NÃO é um aliado dos islamitas, como pretende a propaganda
marroquina, como é vista por estes como inimigo a abater, porque criou uma sociedade
tolerante. 2009
5) Um novo
despacho desentranha o funcionamento do lobbying pro-marroquino. O documento
secreto mostra como Marrocos corrompe e financia secreta e ilegalmente políticos
estrangeiros, para que nos seus países defendam as posições marroquinas sobre o
Sahara Ocidental. 2008
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Fonte:
laprimera.pe / Por Ricardo Sánchez Serra*
* Jornalista
peruano. Membro da Imprensa Estrangeira em Espanha