terça-feira, 21 de maio de 2013

A oportunidade perdida de Mohamed VI de manter ocupado o Sahara Ocidental e “ficar bem na fotografia”


Uma das manifestações realizadas em El Aaiún após a aprovação
da resolução 2099, a  25 de abril. Foto: 
Rede de Meios Radio Maizirat.


A imprensa marroquina próxima do rei Mohamed VI continua a propagar como um grande triunfo diplomático do seu monarca o ter conseguido mexer os ‘cordéis’ para impedir que, no Conselho de Segurança da ONU, tivesse tido êxito a iniciativa norte-americana sobre direitos humanos e, em seu lugar, tivesse sido aprovada a “descafeinada” resolução 2099. Tudo aponta, porém, para o facto de o majzén ter perdido uma grande oportunidade de conseguir muito a troco de muito pouco.

Uma concessão do monarca alauita em matéria de direitos humanos, já o afirmei, não garantia uma aplicação imediata nem efetiva a favor das vítimas saharauis. Os casos do Congo, Ruanda ou da Costa do Marfim constituem um bom exemplo de grandes fracassos na defesa dos direitos humanos pelos capacetes azuis da ONU, seja por lentidão burocrática ou porque há membros do Conselho de Segurança ativamente empenhados em favorecer uma das partes do conflito.

O silêncio no relatório do secretário-geral da ONU sobre o escandaloso incidente que custou um brutal espancamento a três jovens saharauis sequestrados por polícias à paisana à entrada do quartel-general da MINURSO, em El Aaiún, reflete a pouca pressa de Ban Ki-moon em retificar os mais de vinte anos de inação onusiana em matéria de direitos humanos no Sahara Ocidental.

Na hora de explicar a negativa marroquina a tese mais habitual é a de que o rei Mohamed VI opôs-se ao projeto de resolução proposto pelos EUA para evitar o perigo de os saharauis, ao sentirem-se protegidos pela ONU, saíssem em massa à rua pedindo a independência. Um sim marroquino à iniciativa norte-americana teria dado uma importante vitória moral ao povo saharaui, é bem verdade mas, por sua vez, teria assegurado à diplomacia marroquina a comodidade de converter-se na mesa de arbitragem na parte que acabava de ganhar pontos com tal mediática concessão. Nessa base, para França, Estados Unidos e Espanha teria sido muito mais fácil enredar a Frente Polisario numa negociação eventualmente muito mais vantajosa para a parte marroquina, pelo simples facto de situarem num mesmo plano agressor e agredido, como se o ladrão tivesse direito a discutir se devolve ou não o que roubou ao seu legítimo dono.

De facto, Gerard Araud, o embaixador de França junto da ONU voltou a recordar, após a aprovação da resolução 2099, que a opção favorita de Marrocos para a realização de uma solução pacífica é a via da negociação e que o Governo de François Hollande sempre considerou que a melhor forma de avançar em relação ao respeito pelos direitos humanos dos saharauis é através de um diálogo bilateral da Frente Polisario com Marrocos. A estratégia do principal aliado do anexionismo marroquino é clara: pôr o foco nos direitos humanos e correr uma densa cortina sobre o direito à autodeterminação do povo saharaui e ao referendo, como se os abusos marroquinos fossem a causa do desaguisado e não a consequência do mesmo.



O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, seguiu nesta direção no seu último relatório em que prefigurava um cenário dominado pela negociação entre saharauis e marroquinos em que cada uma das partes devia preparar-se para fazer concessões e responder a cada “dádiva” do contrário, com uma “troca” de igual valor. Se Marrocos tivesse dado o seu braço a torcer no que diz respeito a competências da MINURSO, seria provavelmente agora a Frente Polisario quem deveria estar a mover a ficha da "troca", para não ficar como a parte sem vontade negociadora.

Mas a bola continua do lado marroquino e, afinal, o pesadelo de Mohamed VI acabou por acontecer igualmente porque a indignação superou o medo e dezenas de milhares de saharauis manifestam-se nos territórios ocupados, desde que em Nova Iorque foi aprovada a resolução 2099.  O pior para o monarca marroquino é que agora é do domínio público que a total falta de competências dos capacetes azuis da MINURSO não é normal na história das missões de paz das Nações Unidas. Persistir nesta anomalia, desacredita a ONU e carrega de razão o grito com que os saharauis exigem justiça após 22 anos de espera, sem que a MINURSO tenha organizado esse referendo que era o propósito e objetivo da missão. 

Uma “cedência” marroquina em direitos humanos talvez tivesse tirado do centro das atenções a agitação de tua. Embora fosse de prever que o júbilo popular adquirisse elevados decibéis, a Administração de Obama teria podido aproveitar o prestígio que ganhou junto dos saharauis com a sua frustrada intervenção para pressionar os dirigentes da Frente Polisario a apelar à calma. O não assentimento aos seus benfeitores, levaria a Frente Polisario a ser facilmente acusada de maximalismo ou, o que seria ainda pior, de falta de liderança sobre a população do outro lado dos muros, nos territórios ocupados.

Agora, ao revés, os maximalistas são os homens de Mohamed VI e quem sabe se Obama não irá dizer ao rei alauita mais ou menos isto: "já te disse, teimoso, que lesses o ‘Il Gattopardo’ para comprovares como, às vezes, há que mudar algo para que tudo fique na mesma". Em qualquer caso, foi o Governo francês quem se viu obrigado a recomendar ao regime marroquino prudência e respeito pelos direitos humanos num vão intento de deter a espiral de violência que deita por terra a suposta “abertura” democrática do monarca alauita. Se a situação transbordasse, a Hollande não lhe restaria outra saída para intervir em socorro do seu peão favorito que cruzar os dedos para que, numa qualquer esquina do Sahara Ocidental, surgisse uma ameaça jihadista susceptível de justificar um desembarque francês em nome da paz e segurança internacional.

Autora: jornalista Ana Camacho, in “Arenas Modevizas”

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