Carlos Ruiz
Miguel, Prof. de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de
Compostela, ajuda-nos a compreender a
importância dos documentos revelados pelo Wikileaks marroquino https://twitter.com/chris_coleman24/
A conta no
twitter de "Chris Coleman" intensifica a colocação de documentos
secretos do Makhzen. Entre esses documentos, alguns dizem respeito a temas
anteriores (como as atividades secretas marroquinas de manipulação da opinião pública
nos EUA, ou as ligações secretas do regime
marroquino com Israel). Mas apareceram outros documentos, extraordinariamente
importantes, sobre a estratégia diplomática do Makhzen na América latina (e,
especialmente no Perú) e nas Nações Unidas (tanto em Genebra como em Nova Iorque).
A documentação de "Coleman" prova que altos cargos das Nações Unidas
de Genebra, a Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi
Pillay (e o seu chefe de operações sobre o terreno, Anders Kompass, e Bacré
Ndiaye, diretor do Conselho de Direitos Humanos e de procedimentos especiais) assim
como o chefe de gabinete do Alto-comissário das Nações Unidas para os
Refugiados, Athar Sultan-Khan, estavam sob o controlo do serviço secreto
marroquino através de Omar Hilale [o atual embaixador de Marrocos junto da ONU].
Estas escandalosas revelações põem fim à carreira internacional destes altos
cargos das Nações Unidas e inabilitam Hilale a continuar exercendo o seu posto
em Nova Iorque. @Desdelatlantico.
Navi Pillay, Anders Kompass, Bacré Ndiaye e Athar Sultan-Khan: ao serviço da ONU e... de Sua Majestade o Rei de Marrocos! |
I. NAVI
PILLAY, ALTA-COMISSÁRIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS, "ALICIADA"
POR MARROCOS COM UMA DOAÇÃO DE 250.000 DÓLARES
Navi Pillay,
jurista de nacionalidade sul-africana, desempenha na sede de Genebra o cargo de
"Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos" (ACNUDH)
desde que, em 2008, substituiu a canadiana Louise Arbour. O seu mandato
termina, precisamente, este ano 2014.
Num dos
documentos revelados por "Chris Coleman", [http://www.4shared.com/web/preview/pdf/wE0OPm79ba]
firmado por Omar Hilale (ou Hilal), embaixador (ou representante permanente) do
Reino de Marrocos nas Nações Unidas em Genebra até que, em abril deste ano, foi
designado para esse posto na sede da ONU de Nova Iorque, substituindo Mohamed
Lulishki, fica clara que, desde 01 de fevereiro de 2014, Navi Pillay desempenha
as suas funções ao serviço de interesses marroquinos. Neste documento, Hilale diz
que Pillay deu instruções ao seu representante em Nova Iorque para que
"mantivesse em segredo a sua conversa com o embaixador de Marrocos e não a
revelasse em Nova Iorque nem à ONU nem aos diplomatas ali acreditados. Além
disso, pede ao seu representante que não formule nenhuma recomendação para que a
Missão de Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) veja ampliadas
as suas competências para velar pelos direitos humanos. Mais, Hilale diz que
Pillay "espera ardentemente" efetuar uma visita a Rabat (que se
realizou em maio de 2014) "e ser recebida por Sua Majestade o Rei, que Deus
o assista".
"Chris
Coleman" publica [http://www.4shared.com/web/preview/pdf/a5nf-scJce]"
outro despacho de Hilale, com data de 14 de maio de 2013, em que dois
indivíduos, de que adiante se falará — Anders Kompass e Bacre Ndiaye —, recomendam
a Hilale que ganhe os favores de Navi Pillay através de meios financeiros, pois,
comentam, houve uma redução de 25% no orçamento do organismo dirigido por
Pillay e ela quer terminar o seu mandato de forma brilhante, graças às contribuições
voluntárias dos Estados. Com efeito, [http://www.4shared.com/web/preview/doc/GOmxQYgEba]
noutro telegrama revelado por "Coleman", datado de 22 de janeiro de
2012, e dirigido ao ministro dos Negócios Estrangeiros marroquino, a Missão
Permanente Reino de Marrocos na sede da ONU, em Genebra, conclui:
"quero recordar a imperativa
necessidade de transferir os restantes 250.000 dólares a título de contribuição
voluntária de Marrocos para o orçamento 2011 do Alto Comissariado para os Direitos
Humanos que a Comissária me disse em duas ocasiões que está desejando receber.
Esta transferência fará com que a Sra. Pillay seja mais recetiva às nossas
preocupações sobre o tema do contributo da sua agência para o próximo relatório
do SG da ONU sobre o Sahara".
II. ANDERS
KOMPASS, CHEFE DE OPERAÇÕES SOBRE O TERRENO DO ACNUDH, O AGENTE DO MAKHZEN NA
SEDE DA ONU EM GENEBRA
Anders
Kompass, diplomata de nacionalidade sueca, ocupa o posto de "Chefe de
Operações sobre o Terreno" do ACNUDH. [http://www.4shared.com/folder/iQxvRrwd/Anders_Kompass.html]
Praticamente todos os telegramas redigidos por Hilale referem-se a ele como
"seu amigo" (à vezes entre aspas a palavra "amigo").
O próprio
"Coleman" [http://www.mediafire.com/view/llhzjgfvnw2ac2t/Note_ANDERS.pdf]
sintetiza num documento as gravíssimas manipulações de Anders Kompass, que, diz
Coleman, se reunia com Hilale na residência do embaixador em Genebra, onde
aconselhava Hilale sobre as melhores estratégias para apresentar Marrocos como um
"modelo" no respeito dos direitos humanos e onde recebia instruções de
Hilale para influir na tomada de decisões de Navi Pillay, conseguindo, entre outras
coisas:
- que o
ACNUDH renunciasse a visitar o Sahara Ocidental;
- que o
contributo do ACNUDH para o relatório sobre o Sahara Ocidental do Secretário-Geral
ao Conselho de Segurança da ONU tivesse uma orientação favorável a Marrocos;
- que
neutralizasse o diplomata tunisino Frej Fennich, chefe da secção do Médio Oriente
e África do Norte do ACNUDH, pois Hilale considerava-o hostil a Marrocos;
- que evitasse
que, no encontro com o presidente da República Saharaui, Mohamed Abdelaziz, a
23 de maio de 2013, Pillay fizesse qualquer concessão;
- e que
interferisse nas discussões entre Navi Pillay e Christopher Ross, para evitar
que Pillay se comprometesse a apoiar a ampliação do mandato da MINURSO para
proteger os direitos humanos no Sahara Ocidental.
À luz destes
documentos, entende-se, perfeitamente, a carta subscrita a 10 de
maio de 2014 por Ahmad Hammad, Vice-presidente do Comité para a Defesa do Direito
à Autodeterminação do Povo do Sahara Ocidental (CODAPSO) onde se afirmava isto:
“Temos a honra de dirigirmo-nos a Vexa.
na qualidade de membros do Comité para la Defensa del Derecho a la
Autodeterminación del Pueblo del Sahara Occidental (CODAPSO), transmitindo-lhe
o nosso pesar por não nos termos podido encontrar, depois ter combinado uma
reunião connosco, no âmbito da sua visita à cidade de El Aaiún (Sahara
Ocidental) em finais de abril e após ter-lhe pedido um encontro para lhe
transmitir o nosso ponto de vista sobre as violações graves dos direitos humanos
no Sahara Ocidental, que a CODAPSO pôde constatar no período compreendido entre
1 de maio de 2013 e 22 de abril de 2014.
Lamentamos muito o desinteresse da
Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, ao realizar os encontros
com as associações dos direitos humanos no hotel "Al Massira” ("La
Marcha Verde"), já que esse lugar tem uma clara conotação política, o que evidencia
o êxito das autoridades de ocupação marroquinas ao destruir o trabalho da Alta
Comissária, forçando-a a realizar reuniões naquele local maldito.”
III. ATHAR
SULTAN-KHAN, CHEFE DE GABINETE DO ALTO COMISSÁRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS
REFUGIADOS, CAVALO DE TRÓIA DO MAKHZEN
Athar
Sultan-Khan é o chefe de gabinete do Alto-comissário das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR), António Guterres. Alguns documentos de "Coleman" também
referem Sultan-Khan como cúmplice dos serviços secretos marroquinos. Num [http://www.4shared.com/web/preview/pdf/eMEHuIuyba]
documento muito recente, de 31 de agosto de 2014, Hilale (já no seu novo posto
em Nova Iorque) refere como Sultan-Khan lhe transmitiu ao detalhe a conversa que
manteve em Genebra com o coordenador da Frente Polisario para as relações com a
MINURSO, Mhammed Khaddad. Sultan-Khan também refere ao embaixador marroquino várias
conversas confidenciais que manteve com outros responsáveis da ONU, além de lhe
perguntar pela posição de Marrocos sobre um tema delicado da questão do Sahara
Ocidental.
O documento em
questão revela:
- Que
Sultan-Khan tinha a confiança de Khaddad que teve com ele um discurso extremamente
derrotista;
- Que
Sultan-Khan tinha a confiança da canadiana Kim Bolduc, nomeada pelo Secretário-Geral
da ONU como nova Enviada Especial das Nações para o Sahara Ocidental. Bolduc deveria
ter chegado a El Aaiún a 1 de agosto de 2014. No entanto, Marrocos tem
bloqueado a sua chegada. A razão principal reside, como Sultan-Khan revela a
Hilale, que Bolduc tem a intenção de impulsionar a partir do seu cargo o respeito
dos direitos humanos no Sahara Ocidental.
- Que
Sultan-Khan conta com a confiança da Polisario para substituir Ross como
Enviado Pessoal (e isso seria uma enorme novidade!!!).
- Que
Sultan-Khan pergunta pela posição de Marrocos ante o eventual recomeço das
"Medidas de fomento da confiança" no conflito do Sahara Ocidental... e
o embaixador marroquino responde-lhe que Marrocos se opõe às mesmas.
Conhecidas as
ligações de Sultan-Khan com o regime marroquino, adquire todo o seu sentido outro
telegrama secreto revelado por "Coleman", [http://www.4shared.com/web/preview/doc/ZSA6mMVwba]
enviado pela missão de Marrocos em Genebra a 14 de novembro de 2013, que se fazia
eco de um recente relatório do ACNUR avaliando as "medidas de fomento de
confiança" que era muito complacente para com Marrocos. Não é pois de
estranhar, à luz do agora revelado, que o embaixador argelino na sede de
Genebra da ONU dissesse que "o ACNUR está a soldo de Rabat".
IV. AS
RESPONSABILIDADES NECESSÁRIAS
As revelações
de "Coleman" são gravíssimas e não podem deixar de ter consequências.
Tanto as instâncias
da ONU como as instâncias nacionais, especialmente a sul-africana, sueca e
saharaui, cabem a depuração
das responsabilidades adequadas.
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