sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Wilikeaks do Makhzen (II): graves segredos do regime marroquino postos a descoberto



Artigo de
Carlos Ruiz Miguel, prof. Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela

A aparição no twitter de uma conta com o nome de "Chris Coleman" produziu uma verdadeira comoção em Marrocos. No dia 3 de outubro, "Coleman" começou a publicar muitos e importantes documentos sobre vários aspetos do regime da dinastia alauita, o "makhzen". No dia 17 de outubro a conta de "Coleman" foi suspensa, mas alguns dias depois, a 20 de outubro, foi reativada e desde o dia 22 de outubro voltou a publicar novos documentos muito relevantes. Esta reativação pode ser muito significativa. Se na primeira parte desta série sublinhei algumas revelações sobre o lobby pro-marroquino nos EUA e França (depois do meu artigo de 10 de outubro apareceram mais documentos sobre esses lobbies), hoje vou deter-me sobre outros aspetos: a criação de um meio de informação africano teledirigido pelo Makhzen; e as conexões mauritanas do serviço secreto marroquino. Mas os materiais de "Coleman" continuam a aparecer... @Desdelatlantico.


I. A SUSPENSÃO E A REATIVAÇÃO DA CONTA DE "CHRIS COLEMAN"

Este blog foi o PRIMEIRO em Espanha a fazer-se eco desta importantíssima revelação de segredos do Makhzen num artigo publicado a 10 de outubro.
Vários dias depois, a 17 de outubro, foi suspensa a conta do twitter de "Chris Coleman". Muito, mas muito significativamente, esta suspensão ocorreu UM DIA DEPOIS de um website próximo do núcleo duro do Makhzen ter publicado um artigo acusando claramente França de estar por detrás das revelações de "Chris Coleman" e lançando uma advertência ao governo francês. Este blog foi o ÚNICO em Espanha que se fez eco desta delicadíssima informação num artigo publicado no dia 18 de outubro.

A suspensão da conta de "Chris Coleman", seguida do surgimento de vários (quatro) novos "Chris Coleman" que, no entanto, NÃO PUBLICAVAM NOVOS DOCUMENTOS, parecia significar que entre França e o Makhzen se tinha acertado uma trégua. Mas se acaso isso aconteceu, podemos agora dizer que essa hipotética trégua foi já quebrada. No dia 22 de outubro a conta original de "Chris Coleman" surgida a 3 de outubro voltou a publicar documentos novos e de grande importância. Quanto ao resto, convém acentuar que entre 10 de outubro (data da publicação do primeiro artigo desta série e o blog) e o dia 17 de outubro (data da suspensão da conta de "Coleman") foram publicados novos documentos sobre a implicação do serviço secreto marroquino no lobby pro-marroquino nos EUA e França, que era o objeto daquele artigo de 10 de outubro.

Haverá tempo, se Deus quiser, para continuar a sistematizá-los e, se for o caso, referir informação suplementar.



II. O SERVIÇO SECRETO MARROQUINO FIXA COMO OBJETIVO A MANIPULAÇÃO DA OPINIÃO  PÚBLICA AFRICANA

Uma das derrotas mais importantes na história da diplomacia do Makhzen foi a admissão da República Saharaui como membro de pleno direito da Organização de Unidade Africana (OUA) em 1982. Quando, em 2002, foi fundada a União Africana, a República Saharaui constitui-se como um dos membros fundadores da mesma, em que Marrocos não participa. Desde então, um dos principais objetivos da diplomacia do Makhzen foi tentar chamar a si a opinião pública africana. A razão é muito clara. A agência oficial de imprensa do Makhzen, a sinistra MAP, não tem nenhuma credibilidade, pelo que era preciso utilizar uma agência de imprensa aparentemente independente que servisse de "proxy" ou "ecrã" para dar difusão aos despachos ou consignas fabricados na MAP e na DGED.

Com tal objetivo foi criada uma agência que pretendia converter-se num portal de notícias, em inglês e francês, que pudesse aspirar a ser uma "referência informativa africana". Essa agência foi a "Agence de Presse Africaine" (APA) que lançou um portal denominado "Apanews".

Entre os documentos filtrados por "Coleman" encontram-se as atas de uma das reuniões do Conselho de Administração da APA, vários relatórios sobre os gastos realizados e carta de demissão de um dos membros (senegalês) do Conselho de Administração.

Sobre a verdadeira natureza da "APA" havia já sérios motivos para suspeição antes das revelações de "Coleman". Neste sentido convém recordar que a imprensa espanhola informou que a 1 de outubro de 2009 fora eleito Said Ida Hassan correspondente da Agência de Imprensa Africana (APA) em Madrid e ex-correspondente chefe da agência oficial marroquina MAP, que havia sido reeleito presidente da Asociación de Corresponsales de Prensa Extranjera en España (ACPE) pelo quarto mandato consecutivo.

Com efeito, a sentença da Audiência Provincial de Madrid de 21 de janeiro de 2008, certificava as relações entre a MAP (em que trabalhava Said Ida Hassan, que é uma das partes do caso que resolve essa sentença) e o serviço secreto exterior do Makhzen (a DGED).

Pois bem, os documentos de "Coleman" mostram que a "APA" foi um instrumento da DGED. Advirto que o link deste twitte à "Dropbox" não está ativo pois "alguém " retirou os documentos que tinham sido depositados no "dropbox".



III. AS SINISTRAS CONEXÕES DO SERVIÇO SECRETO MARROQUINO COM AS FIGURAS DO TERRORISMO ISLAMISTA NA MAURITÂNIA

As informações de "Coleman" sobre a APA têm uma derivação singularmente preocupante. Um dos quatro membros do conselho de administração desta "agência de imprensa" é o mauritano Abdallahi Uld Mohamedi. A questão é interessante porque Mohamedi, por seu lado, é presidente do portal de notícias mauritano "Sahara Medias" que se dedica a atacar a Argelia e a Frente Polisario. E entre os meios utilizados para com esse fim está o de ser portavoz das ações encobertas que sob o nome de "terrorismo islamista" se realizaram na Mauritânia.

- O digital "Sahara Medias", entre outras "informações" falsas, divulgou uma intoxicação fabricada pelo Makhzen segundo a qual um dos "terroristas islamitas" que tinha sido detido no obscuro sequestro dos três cooperantes em Tindouf em outubro de 2011 era "filho do representante da Frente Polisario na Cantábria".

- O certo é que "Sahara Medias" foi o meio eleito seja para os grupos terroristas fazerem chegar as suas mensagens ao Ocidente, seja para intoxicar a opinião pública ocidental. Na internet, porém, é possível encontrar evidências qualificando este meio como cúmplice do Makhzen.

- Por isso, não deixa de ser curioso, que, por um lado, "Sahara Medias" acuse a Argélia de estar por detrás dos grupos terroristas da região... mas, no entanto, seja esse meio, dirigido por um agente próximo do serviço secreto marroquino, quem divulgue os vídeos e mensagens desses terroristas e tenha informações privilegiadas sobre eles.


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