Artigo de:
Carlos Ruiz Miguel, prof. Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela
A aparição
no twitter de uma conta com o nome de "Chris Coleman"
produziu uma verdadeira comoção em Marrocos. No dia 3 de outubro,
"Coleman" começou a publicar muitos e importantes documentos sobre
vários aspetos do regime da dinastia alauita, o "makhzen". No dia 17
de outubro a conta de "Coleman" foi suspensa, mas alguns dias depois,
a 20 de outubro, foi reativada e desde o dia 22 de outubro voltou a publicar novos
documentos muito relevantes. Esta reativação pode ser muito significativa. Se
na primeira parte desta série sublinhei algumas revelações sobre o lobby
pro-marroquino nos EUA e França (depois do meu artigo de 10 de outubro
apareceram mais documentos sobre esses lobbies), hoje vou deter-me sobre outros
aspetos: a criação de um meio de informação africano teledirigido pelo Makhzen;
e as conexões mauritanas do serviço secreto marroquino. Mas os materiais de
"Coleman" continuam a aparecer... @Desdelatlantico.
I. A SUSPENSÃO E A REATIVAÇÃO DA CONTA
DE "CHRIS COLEMAN"
Este blog
foi o PRIMEIRO em Espanha a fazer-se eco desta importantíssima revelação de segredos
do Makhzen num artigo
publicado a 10 de outubro.
Vários dias
depois, a 17 de outubro, foi suspensa a conta do twitter de "Chris
Coleman". Muito, mas muito significativamente, esta suspensão ocorreu UM DIA
DEPOIS de um website próximo do núcleo duro do Makhzen ter publicado um artigo acusando
claramente França de estar por detrás das revelações de "Chris
Coleman" e lançando uma advertência ao governo francês. Este blog foi o ÚNICO
em Espanha que se fez eco desta delicadíssima informação num artigo
publicado no dia 18 de outubro.
A suspensão da
conta de "Chris Coleman", seguida do surgimento de vários (quatro) novos
"Chris Coleman" que, no entanto, NÃO PUBLICAVAM NOVOS DOCUMENTOS,
parecia significar que entre França e o Makhzen se tinha acertado uma trégua. Mas
se acaso isso aconteceu, podemos agora dizer que essa hipotética trégua foi já
quebrada. No dia 22 de outubro a conta original de "Chris Coleman" surgida
a 3 de outubro voltou a publicar documentos novos e de grande importância. Quanto
ao resto, convém acentuar que entre 10 de outubro (data da publicação do primeiro
artigo desta série e o blog) e o dia 17 de outubro (data da suspensão da conta
de "Coleman") foram publicados novos documentos sobre a implicação do
serviço secreto marroquino no lobby pro-marroquino nos EUA e França, que era o objeto
daquele artigo de 10 de outubro.
Haverá tempo,
se Deus quiser, para continuar a sistematizá-los e, se for o caso, referir informação
suplementar.
II. O SERVIÇO SECRETO MARROQUINO FIXA
COMO OBJETIVO A MANIPULAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA AFRICANA
Uma das
derrotas mais importantes na história da diplomacia do Makhzen foi a admissão da
República Saharaui como membro de pleno direito da Organização de Unidade
Africana (OUA) em 1982. Quando, em 2002, foi fundada a União Africana, a
República Saharaui constitui-se como um dos membros fundadores da mesma, em que
Marrocos não participa. Desde então, um dos principais objetivos da diplomacia do
Makhzen foi tentar chamar a si a opinião pública africana. A razão é muito
clara. A agência oficial de imprensa do Makhzen, a sinistra MAP, não tem nenhuma
credibilidade, pelo que era preciso utilizar uma agência de imprensa
aparentemente independente que servisse de "proxy" ou "ecrã"
para dar difusão aos despachos ou consignas fabricados na MAP e na DGED.
Com tal objetivo
foi criada uma agência que pretendia converter-se num portal de notícias, em
inglês e francês, que pudesse aspirar a ser uma "referência informativa
africana". Essa agência foi a "Agence de Presse Africaine" (APA)
que lançou um portal denominado "Apanews".
Entre os
documentos filtrados por "Coleman" encontram-se as atas de uma das
reuniões do Conselho de Administração da APA, vários relatórios sobre os gastos
realizados e carta de demissão de um dos membros (senegalês) do Conselho de Administração.
Sobre a
verdadeira natureza da "APA" havia já sérios motivos para suspeição antes
das revelações de "Coleman". Neste sentido convém recordar que a imprensa
espanhola informou que a 1 de outubro de 2009 fora eleito Said Ida Hassan
correspondente da Agência de Imprensa Africana (APA) em Madrid e ex-correspondente
chefe da agência oficial marroquina MAP, que havia
sido reeleito presidente da Asociación de Corresponsales de Prensa Extranjera
en España (ACPE) pelo quarto mandato consecutivo.
Com efeito,
a sentença da Audiência Provincial de Madrid de 21 de janeiro de 2008,
certificava as relações entre a MAP (em que trabalhava Said Ida Hassan, que é uma
das partes do caso que resolve essa sentença) e o serviço secreto exterior do Makhzen
(a DGED).
Pois bem, os
documentos de "Coleman" mostram que a "APA"
foi um instrumento da DGED. Advirto que o link deste twitte à
"Dropbox" não está ativo pois "alguém " retirou os
documentos que tinham sido depositados no "dropbox".
III. AS
SINISTRAS CONEXÕES DO SERVIÇO SECRETO MARROQUINO COM AS FIGURAS DO TERRORISMO
ISLAMISTA NA MAURITÂNIA
As informações
de "Coleman" sobre a APA têm uma derivação singularmente preocupante.
Um dos quatro membros do conselho de administração desta "agência de imprensa"
é o mauritano Abdallahi Uld Mohamedi. A questão é interessante porque Mohamedi,
por seu lado, é presidente do portal de notícias mauritano "Sahara
Medias" que se dedica a atacar a Argelia e a Frente Polisario. E entre
os meios utilizados para com esse fim está o de ser portavoz das ações encobertas
que sob o nome de "terrorismo islamista" se realizaram na Mauritânia.
- O digital
"Sahara Medias", entre outras "informações" falsas, divulgou
uma intoxicação fabricada pelo Makhzen segundo a qual um dos "terroristas islamitas"
que tinha sido detido no obscuro
sequestro dos três cooperantes em Tindouf em outubro de 2011 era "filho do
representante da Frente Polisario na Cantábria".
- O certo é
que "Sahara Medias" foi o meio eleito seja para os grupos terroristas
fazerem chegar as suas mensagens ao Ocidente, seja para intoxicar a opinião pública
ocidental.
Na internet, porém, é possível encontrar evidências qualificando este meio como
cúmplice do Makhzen.
- Por isso,
não deixa de ser curioso, que, por um lado, "Sahara
Medias" acuse a Argélia de estar por detrás dos grupos terroristas da região...
mas, no entanto, seja esse meio, dirigido por um agente próximo do serviço
secreto marroquino, quem divulgue
os vídeos e mensagens desses terroristas e tenha
informações privilegiadas sobre eles.
As informações
do "wikileaks do Makhzen", desta forma, parecem
apoiar a tese que defendi já anteriormente sobre as conexões do serviço secreto
marroquino com os grupos terroristas do Norte de África.
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