- Assim o afirmou nas Nações Unidas Joaquim Chissano, seu representante para o território
Artigo de: Ignacio Cembrero - EL MUNDO 13-11-2014
"Para a União Africana, Espanha continua a ser a potência
administrante do Sahara". Esta foi, até agora, a principal mensagem formulada
por Joaquim Chissano que, em junho passado, foi nomeado enviado especial desta
organização para a antiga colónia espanhola, e que reúne todos os países
africanos (54) exceto Marrocos. Rabat recusa qualquer intervenção da UA no conflito
do Sahara e por isso a abandonou em 1984.
Chissano, de 75 anos, foi o segundo presidente de Moçambique.
É considerado como o político que, após anos de guerra civil e da ditadura, trouxe
a democracia a essa ex-colónia de Portugal. Por isso goza de
grande prestígio. Após a
sua designação visitou a sede da ONU em Nova Iorque e as capitais do chamado
Grupo de Amigos do Sahara Ocidental integrado por cinco países (EUA, Rússia,
França, Reino Unido e Espanha).
Em Nova Iorque entrevistou-se, em finais de julho, com
Jan Eliasson, vice-secretário geral das Nações Unidas. Além de lhe recordar o papel
de Espanha, sublinhou que a sua tarefa consiste em pressionar Marrocos para que
aceite a autodeterminação dos saharauis a que se opõe. [Marrocos] Oferece em
troca uma autonomia para o território.
O embaixador marroquino junto da ONU, Omar Hilale, enviou
a 22 de julho um telegrama confidencial a Rabat em que explica os pormenores de
visita de Chissano a Nova Iorque. O documento foi desvendado, hoje,
quinta-feira, pelo anónimo que, desde princípios de outubro, difunde através do
Twitter documentos reservados da diplomacia e dos serviços secretos marroquinos.
Ainda que o telegrama de Hilale não o refira, Chissano desenvolve
nessa declaração sobre Espanha a doutrina que o sueco Hans Corell, secretário-geral
adjunto e chefe da Assessoria Jurídica da ONU, formulou em 2002 sobre as prospeções
no subsolo do Sahara. Defendia então que Espanha continuava a ser a potência
administrante do território, como também o afirmam os Acordos de Madrid de 1975,
ainda que não possa exercer a sua autoridade porque o território está
controlado por Marrocos.
Chissano viajou também a Madrid, Paris, Londres, etc., onde
a diplomacia marroquina se mobilizou para que não fosse recebido. Na capital espanhola
reuniu, não obstante, com Gonzalo de Benito, secretário de Estado para os Assuntos
Exteriores, junto do qual reiterou a mesma mensagem sobre a responsabilidade de
Espanha enquanto potência administrante.
O chefe da diplomacia espanhola, José Manuel García-Margallo,
não gosta que lhe recordem que Espanha é potência administrante porque, em teoria,
isso deveria obrigá-lo a desempenhar um papel mais ativo na procura de uma solução
para um conflito que dura desde há 39 anos.
Até agora, o Governo do Partido Popular apoiou discretamente
Marrocos. Fê-lo, por exemplo, em abril de 2013, secundando a França para
impedir que fosse por diante a ampliação do mandato do contingente da ONU no Sahara
(MINURSO) para que pudesse vigiar o respeito dos direitos humanos, proposta apresentada
pelos EUA.
Nem sempre García-Margallo foi tão discreto. Em junho de
2012, arremeteu em público em Rabat contra Christopher Ross, enviado pessoal para
o Sahara de Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU. Alinhou-se então abertamente
com o Governo de Marrocos que um mês antes retirara a sua confiança a Ross, embora
tenha tido que retificar a sua postura em agosto, depois de Ban Ki-moon ter
chamado por telefone o rei Mohamed VI.
Apesar de todas estas deferências com as teses marroquinas,
a diplomacia de Marrocos colocou este ano Espanha entre os países hostis à sua posição
sobre o Sahara, junto com a Zâmbia, Nigéria, Etiópia, etc. O embaixador Hilale enviou
a 2 de outubro outro telegrama a Rabat em que faz o resumo dos trabalhos da Assembleia
Geral da ONU. Nele divide os participantes em três grupos: de amigos; neutrais e
adversários do que os marroquinos chamam "a causa nacional".
A inclusão de Espanha entre as potências hostis deve-se,
segundo suspeitam fontes diplomáticas espanholas, ao fracasso das iniciativas marroquinas
para que [o Ministério de] Assuntos Exteriores desse com a porta no nariz a
Chissano quando este visitou Madrid no verão. Apesar de ser um ex-chefe de
Estado não foi recebido pelo ministro mas pelo seu número dois.
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