domingo, 2 de maio de 2021

A ONU, a Comunidade Internacional e a Espanha têm a obrigação de intervir para parar a guerra, obrigando Marrocos a cumprir a legalidade internacional

 

Antes da pandemia, milhares de crianças saharauis passavam férias em Espanha, acolhidas por milhares de famílias do Estado espanhol  


Por Jaume A. Tonda - International Area da Confederación Intersindical (Espanha)| ECS

A ONU, a Comunidade Internacional e a Espanha, como poder administrante do território, têm a obrigação de intervir para pôr fim à guerra, obrigando Marrocos a cumprir a legalidade internacional e as Resoluções das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança.

A 13 de Novembro, Marrocos violou o Acordo Militar nº 1 que estabeleceu o cessar-fogo assinado em 1991 entre a Frente Polisario e Marrocos sob a supervisão das Nações Unidas. Após semanas de concentração das tropas militares na zona de El Guerguerat, no Sul do Sahara Ocidental, nesse dia as tropas marroquinas atacaram milhares de saharauis que protestavam pacificamente contra esta violação ilegal utilizada pelo ocupante marroquino para deslocar parte dos recursos naturais saharauis expropriados ilegalmente, e para facilitar o tráfico e contrabando de droga.

Este ataque militar contra a população civil saharaui significou a ruptura do cessar-fogo e o recomeço da guerra, pelo que a Frente Polisario respondeu em legítima defesa da sua soberania nacional, com bombardeamentos diários contra as instalações militares marroquinas instaladas ao longo dos 2.720 km do muro da vergonha (que Marrocos prolongou por mais de 50 km após o início da guerra) e contra as forças militares entrincheiradas no sul de Marrocos, e que já custaram numerosas perdas materiais e um número desconhecido de vidas humanas, porque o silêncio de informação sobre esta guerra é enorme, que Marrocos e os seus aliados estão a tentar esconder.

A Frente Polisario, por seu lado, informa através de um relatório de guerra diário emitido pelo Ministério da Defesa da República Saharaui, no qual indica os locais atacados e as acções levadas a cabo pelo Exército de Libertação do Povo Saharaui (ELPS).

 

ATAQUE COM DRONES

A 7 de Abril passado, o comandante do ELPS e chefe da Gendarmeria Nacional, Dah El Bendir, foi morto em combate num ataque marroquino com um drone Heron israelita pago pelos Emirados Árabes Unidos. Face a este ataque, Bachir Mustafa Sayed, Conselheiro para os Assuntos Políticos do Presidente da República saharaui, advertiu que "a utilização de drones por Marrocos em ataques aéreos contra o exército saharaui abre a porta do inferno para a utilização de qualquer arma eficaz da nossa parte... a resposta ao martírio do comandante será dura e firme, e será dada em devido tempo". Já sabemos que a Frente Polisario mantém a sua palavra, e a paciência não falta. Pelo seu lado, o Major Sidi Ould Ougal (ou Uld Wagal), Secretário-Geral do Ministério da Segurança e Documentação saharaui [Serviços de Informação] afirmou que "os drones na posse do exército invasor marroquino são de diferentes tipos, alguns americanos e israelitas e outros”.

Desde 13 de Novembro, estes drones têm sido utilizados em várias ocasiões e para diferentes fins, uns para reconhecimento e outros para combate ofensivo". Diferentes analistas consideram que a utilização de drones por Marrocos constitui um ponto de viragem no decurso da guerra, especialmente porque segue o método utilizado por Israel para assassinar e liquidar os líderes da resistência palestiniana na Faixa de Gaza.

 

REPRESSÃO, DETENÇÕES, MAUS-TRATOS E AUMENTO DA TORTURA NOS TERRITÓRIOS OCUPADOS

 

Após a quebra do cessar-fogo, Marrocos intensificou a dura repressão que já vinha exercendo com total impunidade contra a população civil saharaui nos territórios ocupados, aumentando os maus tratos e torturas infligidos aos detidos e presos políticos saharauis, as detenções arbitrárias de dezenas de pessoas, a perseguição de jornalistas e as detenções domiciliárias ilegais nas casas dos ativistas dos direitos humanos.

Particularmente grave é o cerco que a casa e a família da defensora dos direitos humanos Sultana Khaya, que apenas há algumas semanas foi atacada e agredida pelas forças paramilitares e policiais que atiraram químicos que lhe derreteram o olho de vidro que Sultana tinha como resultado de torturas anteriores.

Também a situação do jornalista saharaui Mohamed Lamin Haddi, condenado injustamente por um tribunal militar a 25 anos de prisão pelos protestos no campo de dignidade de Gdeim Izik, que há meses iniciou uma greve da fome para denunciar os maus tratos, as condições sub-humanas que sofre nas prisões marroquinas e para exigir o reencontro com a sua família, é muito preocupante. A sua mãe percorreu 1200 km para o visitar e foi impedida de o fazer. Finalmente, está a ser forçado a ser alimentado pela administração marroquina.

Dia após dia, multiplicam-se os casos de detenções arbitrárias e de assédio aos ativistas saharauis nas suas casas por parte da polícia e de forças paramilitares marroquinas, que agem com total impunidade.

No momento em que redigimos este artigo, chegam informações sobre a detenção na cidade ocupada de El Aaiun da ativista saharaui Mahfuda Lefkir e do seu marido, cujo paradeiro era desconhecido. Após várias horas de interrogatório, foram libertados.

 

ESPANHA: POTÊNCIA ADMINISTRANTE DO SAHARA OCIDENTAL

 

Tudo isto se passa perante a passividade, senão mesmo cumplicidade, da chamada comunidade internacional e do poder administrantre do território, ou seja, do Estado espanhol, que não só nada faz para deter esta repressão violenta contra a população civil, como também se permite continuar a vender armas ao ocupante marroquino, como o navio de guerra que o governo espanhol anunciou que irá fabricar para a Marinha Real de Marrocos, violando assim a legislação espanhola sobre o comércio de armas e o Direito Internacional.

A situação é extremamente grave. O Estado espanhol, que a 14 de novembro de 1975 assinou o Acordo Tripartido ilegal de Madrid pelo qual entregou o Sahara Ocidental e abandonou à sua sorte aqueles que faziam parte da que era, até então, a sua 53ª província, deve cumprir as suas obrigações e, numa altura tão grave como a atual, assumir a sua responsabilidade histórica e reparar o mal que infligiu ao povo saharaui com aquele acordo infame.

46 anos depois, é tempo de passar das palavras aos actos. É tempo de exigir a Marrocos a realização do referendo a que se comprometeu perante as Nações Unidas, a pôr fim à ocupação, à violação dos direitos humanos e à pilhagem dos recursos naturais saharauis.

 

MINURSO E A CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL OLHAM PARA O OUTRO LADO

 

A atitude da MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental) e do CICV (Comité Internacional da Cruz Vermelha) é também muito grave, apesar de verem o que está a acontecer no terreno, permitem que a repressão continue com total impunidade. Ambos permitem estas violações muito graves dos direitos humanos que estão a ser documentadas e denunciadas por diversas organizações internacionais e defensores dos direitos humanos, como é o caso do devastador relatório da “Human Rights Watch” que denuncia estas violações do regime marroquino contra a população civil saharaui nos territórios ocupados.

 

A RESPONSABILIDADE DA COMUNIDADE INTERNACIONAL, 30 ANOS APÓS TER SIDO ACORDADO A REALIZAÇÃO DO REFERENDO

 

30 anos após a assinatura do Acordo entre a Frente Polisario e Marrocos, com a supervisão das Nações Unidas, que incluía a realização de um referendo de autodeterminação em Janeiro de 1992, para o qual a ONU estabeleceu a MINURSO no terreno a fim de o organizar e realizar, o referendo não teve lugar devido à oposição de Marrocos que, durante estes anos, continuou a pilhar os recursos naturais saharauis, violando os direitos humanos, com centenas de pessoas saharauis desaparecidas, centenas de violações dos direitos humanos, com centenas de refugiados saharauis, durante estes anos, prendendo, torturando e até assassinando civis saharauis que exigem os seus direitos políticos, sociais e laborais, como repetidamente vem sendo denunciado por associações internacionais que defendem os Direitos Humanos. O povo saharaui está farto de tantas promessas não cumpridas, de sofrer repressão, exílio, dificuldades nos campos de refugiados... e “a palha que quebrou as costas do camelo” foi a intervenção militar do ocupante marroquino contra a população civil saharaui que se manifestava pacificamente na zona de El Guerguerat.

O governo saharaui já havia advertido que qualquer incursão militar na zona ou ataque à população civil saharaui "será considerado como uma agressão flagrante à qual a parte saharaui responderá com firmeza, em legítima defesa da sua soberania nacional". Significará também o fim do cessar-fogo e abrirá a porta para a eclosão de uma guerra total na região". E assim aconteceu.

O governo marroquino, que de acordo com o direito internacional não tem jurisdição na zona, enviou forças militares contra a população civil para dispersar a sua manifestação e impedir os protestos.

Após este ataque, como então advertiu, o Secretário-Geral da Frente Polisario e Presidente da República Árabe Saharaui Democrática (RASD), Brahim Ghali, decretou o estado de guerra em todo o território do Sahara Ocidental, considerando que o cessar-fogo assinado com Marrocos em 1991 tinha sido quebrado.

 

UM POVO PACÍFICO E PACIENTE QUE SÓ PEDE JUSTIÇA E LIBERDADE

 

Ninguém poderá acusar o povo saharaui, após 46 anos de sofrimento e promessas não cumpridas, de não ser um povo pacífico e paciente. Um povo que demonstrou capacidade de auto-organização e resistência implacável, e que agora disse BASTA e está a defender o seu direito à liberdade e independência.

O povo saharaui e o seu legítimo representante, a Frente Polisario, apenas exigem que a legalidade internacional, as múltiplas resoluções da ONU e os acordos assinados perante as Nações Unidas sejam cumpridos.

A ONU, a Comunidade Internacional e a Espanha, enquanto potência administrante do território, devem intervir para que Marrocos cumpra o direito internacional, as resoluções das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança, e para evitar uma guerra que só causa dor e morte a pessoas inocentes que só aspiram a viver em paz e liberdade no seu território, o Sahara Ocidental. Não o fazer, ou continuar a olhar para o lado, torna-os cúmplices de uma guerra que ninguém quer e das consequências desastrosas que ela implica, especialmente em vidas humanas.

Fonte: ECSaharaui


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