segunda-feira, 28 de outubro de 2024

30 deputados assinam carta promovida por João Oliveira, Deputado do PCP no Parlamento Europeu, sobre a recente decisão do Tribunal de Justiça sobre os Acordos Comerciais da UE com Marrocos


25 Outubro 2024, Bruxelas

João Oliveira, deputado do PCP no Parlamento Europeu, promoveu uma carta subscrita por 30 deputados de diferentes grupos políticos, dirigida à Comissão Europeia e ao Conselho, sobre a recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre os Acordos Comerciais da União Europeia com Marrocos.

Em causa a decisão do TJUE, tomada no passado dia quatro de Outubro, de indeferir os recursos interpostos pela Comissão e pelo Conselho contra os acórdãos do Tribunal Geral, de Setembro de 2021, que declaravam nulos os Acordos Comerciais da UE com Marrocos por incidirem sobre produtos agrícolas e piscatórios do Sahara Ocidental, sem que para tal tenha havido o consentimento do povo saharaui.

Os deputados subscritores desta iniciativa reclamam do Conselho e da Comissão o cumprimento da decisão , desde logo suspendendo a importação para a União Europeia de produtos originários do Sahara Ocidental e as devidas reparações ao povo saharaui pelos prejuízos incorridos.

Apelam ainda que se possam encetar negociações com a Frente Polisario, legítima representante do povo saharaui, quanto ao quadro comercial sobre produtos do seu território.

Concluem, reivindicando medidas pela União Europeia com vista ao desenvolvimento do processo de autodeterminação do povo saharaui, no respeito dos princípios da Carta da ONU, do direito internacional incluindo as inúmeras resoluções pertinentes das Nações Unidas-

Abaixo poderão consultar os termos da carta e seus subscritores.

 

Exmo. Senhor Presidente do Conselho Europeu,

Charles Michel

Exma. Senhora Presidente da Comissão Europeia,

Ursula Von Der Leyen

 

Assunto: Sobre a recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre os Acordos Comerciais da UE com o Reino de Marrocos

 

No passado dia 4 de Outubro, foi dada a conhecer a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), relativamente aos processos [C-778/21P e C-798/21P] e [C-779/21P e C-799/21P], indeferindo os recursos interpostos pela Comissão Europeia e o Conselho da União Europeia contra os acórdãos do Tribunal Geral de Setembro de 2021 (respectivamente EU:T:2021:640 e EU:T:2021:639), relativos aos Acordos Comerciais entre a UE e o Reino de Marrocos, com incidência específica sobre produtos de pesca e agrícolas. Tais decisões, recorde-se, consideravam nulos os respectivos Acordos Comerciais, por, entre outros, considerarem que o povo sarauí e seus legítimos representantes, a Frente Polisário, não lhes haviam dado consentimento.

O Acórdão reitera que a Frente Polisário é “um dos interlocutores privilegiados no processo de determinação do futuro do Sara Ocidental sob a égide do Conselho de Segurança das Nações Unidas, cujas decisões são vinculativas para todos os Estados-Membros e para as instituições da União”. Refere ainda que “o Tribunal salienta que a ausência de consentimento do povo do Sara Ocidental nesses acordos, cuja aplicação se estende sobre o território do Sara Ocidental ou das suas águas adjacentes, é susceptível de afectar a validade dos actos da União relativos à celebração de tais acordos”.

A decisão do TJUE, rejeitando na íntegra os recursos supramencionados, e reconfirmando a decisão do Tribunal Geral, exige implicação jurídica. O Acordo de Pescas expirou em Julho de 2023, mantendo-se em vigor o Acordo de Associação UE-Marrocos - sobre o qual já o TJUE se pronunciou em 2016 (EU:C:2016:973) determinando que esse Acordo abrangeria apenas o território do Reino de Marrocos e não o território não autónomo do Sara Ocidental.

A UE deve corrigir os Acordos e tomar em conta estas decisões em acordos futuros, nomeadamente no domínio da pesca.

A celebração de Acordos com o Reino de Marrocos, ignorando decisões prévias do TJUE, acarretaram prejuízos para o povo sarauí, pelo uso ilegítimo dos recursos explorados ilegalmente até aqui pelo Reino de Marrocos, que devem ser compensados.

Entendemos que qualquer acordo de Associação entre a UE e o Reino Marrocos não pode deixar de ter em conta o estatuto actual do território do Sara Ocidental como território colonizado, assim como o processo em curso de autodeterminação e reconhecimento do Sara Ocidental como pátria independente e soberana, que deve prosseguir sob os auspícios das Nações Unidas. O povo sarauí deve ser compensado.

Recordamos que o povo sarauí aguarda há décadas pelo cumprimento do seu direito à autodeterminação, de acordo e no respeito dos princípios da Carta da Nações Unidas, do direito internacional, incluindo as inúmeras resoluções pertinentes das ONU.

Face ao exposto, os Deputados abaixo-assinados, reclamam ao Conselho e à Comissão:

 

1. Que tomem medidas para garantir que se suspendam as importações para a UE de produtos originários do Sara Ocidental ao abrigo dos acordos supramencionados ou futuramente negociados;

2. Que sejam reparados os prejuízos resultantes para o povo sarauí da importação ilegal de produtos do Sara Ocidental ao longo dos últimos anos, no quadro destes Acordos;

3. Que se iniciem negociações com a Frente Polisário sobre o quadro comercial relacionado com produtos do território do Sara Ocidental;

4. Que tomem medidas com vista ao desenvolvimento do processo de autodeterminação do povo sarauí, no respeito dos princípios da Carta da ONU, do direito internacional, incluindo as inúmeras resoluções pertinentes das Nações Unidas.

Os Deputados do Parlamento Europeu:

João Oliveira

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) - PCP (Portugal)

Ana Miranda

(Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia) Bloque Nacionalista Galego (Espanha)

Andreas Schieder

(Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas) SPD (Austria)

Benedetta Scuderi

(Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia) Verdes (Itália)

Branislav Ondruš

Não Inscritos - (Hlas - Social Democracia ) (Eslováquia)

Carême Damien

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) França Insubmissa

Catarina Martins

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) BE (Portugal)

Catarina Vieira

(Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia) GroenLinks (Países Baixos)

Cecilia Strada

(Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas) Partido Democrático (Itália)

Domenico Lucano

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) Alleanza Verdi e Sinistra (Itália)

Elisabeth Grossmann

(Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas) SPD (Áustria)

Estrella Galán

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) Movimento Sumar (Espanha)

Fabio De Masi

Não Inscritos - (Vernunft und Gerechtigkeit - Razão e Justiça) (Alemanha)

Friederich Purner

Não Inscritos - (Vernunft und Gerechtigkeit - Razão e Justiça) (Alemanha)

Hanna Gedin

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) Vänsterpartiet-Partido da esquerda (Suécia)

Hannes Heide

(Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas) SPD (Áustria)

Jonas Sjöstedt

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) Vänsterpartiet-Partido da esquerda (Suécia)

Jussi Saramo

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) Aliança de Esquerda (Finlândia)

Kathleen Funchion

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) Sinn Féin (Irlanda)

Kostas Papadakis

Não Inscritos - Partido Comunista da Grécia (Grécia)

Lefteris Nikolaou-Alavanos

Não Inscritos - Partido Comunista da Grécia (Grécia)

Lena Schilling

(Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia) Verdes (Áustria)

Lynn Boylan

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) Sinn Féin (Irlanda)

Matjaž Nemec

(Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas) Sociais Democratas (Eslovénia)

Oihane Agirregoitia Martínez

(Grupo Renew Europe) Partido Nacionalista Basco (Espanha)

Per Clausen

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) (Lista da Unidade (Dinamarca)

Pernando Barrena Arza

(Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu) Bildu (Espanha)

Ruth Firmenich

Não Inscritos (Vernunft und Gerechtigkeit - Razão e Justiça) (Alemanha)

Thomas Waitz

(Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia) Verdes (Áustria)

Vicent Marzà Ibáñez

(Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia) Compromís (Espanha)

 

domingo, 27 de outubro de 2024

Doze prestigiados professores universitários pedem ao Presidente Macron «o reexame da posição francesa sobre o Sahara Ocidental»


Ao cuidado do Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron

Assunto: Reexame da posição francesa sobre o Saara Ocidental

Paris, 24 de outubro de 2024

Senhor Presidente

Nós, membros do Observatoire Universitaire International du Sahara Occidental (OUISO), gostaríamos de chamar a sua atenção para a carta que enviou ao Rei de Marrocos no passado dia 30 de julho sobre a gestão do Sahara Ocidental sob soberania marroquina. Na nossa opinião, esta posição está em total contradição com o direito internacional e europeu e merece ser reexaminada em profundidade, nomeadamente à luz dos recentes desenvolvimentos jurídicos.

No passado dia 4 de outubro, o Tribunal de Justiça da União Europeia proferiu um importante acórdão que pôs termo aos acordos comerciais entre a UE e Marrocos, declarando que estes tinham sido concluídos em desrespeito pelos direitos do povo saharaui e pelo seu direito à autodeterminação e, além disso, pelo princípio do efeito relativo dos tratados. Este princípio estipula que os compromissos assumidos pelos Estados-Membros da UE e por Marrocos num tratado são vinculativos apenas para as partes signatárias, não criando quaisquer obrigações para o Sahara Ocidental, que é considerado um território terceiro. A natureza separada e distinta dos territórios de Marrocos e do Sahara Ocidental foi reiterada em várias ocasiões (incluindo dezembro de 2016, fevereiro de 2018 e setembro de 2021) por este tribunal, ao qual a França concordou em se submeter quando aderiu à União Europeia. Além disso, este acórdão reforça a legitimidade da Frente Polisario, que é reconhecida como única representante do povo saharaui e tem agora acesso garantido aos tribunais europeus, que reconheceram a admissibilidade das suas petições.

É essencial que a França, como nação que respeita os direitos humanos e os princípios do direito internacional, alinhe a sua posição sobre o Sahara Ocidental com os acórdãos do TJUE e, mais genericamente, com todas as resoluções relevantes das Nações Unidas. A vossa afirmação da soberania marroquina sobre este território, que consideram ser uma garantia de estabilidade e prosperidade na região, é contrária aos acórdãos do Tribunal neste caso e só irá aumentar as tensões entre os países do Magrebe e entre estes e a Europa.

Por conseguinte, exortamo-vos a reconsiderar a vossa posição sobre esta questão. É imperativo que a França apoie um diálogo inclusivo que respeite os direitos do povo saharaui, contribuindo assim para uma resolução justa e duradoura deste conflito de descolonização.

Continuamos à vossa disposição para discutir estas questões cruciais de forma mais pormenorizada.

Aguardamos com expetativa a vossa resposta.

Signatários do Observatório Universitário Internacional para o Sahara Ocidental

(www.ouiso.eu)

  • Silvia ALMENARA NIEBLA, Vrije Universiteit Brussel
  • Isaías BARREÑADA BAJO, Universidad Complutense de Madrid
  • Sébastien BOULAY, Université Paris Cité
  • Mark DRURY, The City University of New York
  • Irene FERNÁNDEZ-MOLINA, University of Exeter
  • María LÓPEZ BELLOSO, University of Deusto
  • Bachir MAHYUB RAYAA, Universidad de Granada
  • Meriem NAÏLI, Université Grenoble Alpes
  • Jeffrey SMITH, Norman Paterson School of International Affairs, Ottawa
  • Vivian SOLANA, Carleton University, Ottawa
  • Juan SOROETA LICERAS, University of San Sebastián
  • Yahia H. ZOUBIR, Kedge Business School (France)

Marrocos visto das suas prisões

Ali Aarrass Photo © Jean Frédéric Hanssens

Por Gabrielle Lefèvre | Jornalista | Entrelignes.be 

24 de outubro de 2024

O seu testemunho é profundamente comovente e diz-nos muito sobre a natureza do regime no poder em Marrocos:  Ali Aarrass, cidadão belga-marroquino, passou dois anos nas prisões espanholas e dez anos nas de Marrocos, país onde nunca viveu. Acusado de tráfico de armas, foi detido pela polícia espanhola com base em informações falsas, sem dúvida fornecidas pelos serviços secretos marroquinos, que pretendiam prender um homem demasiado crítico da repressão sangrenta da revolta “Pão e Dignidade” no Rif marroquino. Encarcerado em prisões espanholas à espera de julgamento, descobriu os maus tratos reservados aos suspeitos de terrorismo. Mas isso não era nada comparado com o que o esperava nas prisões marroquinas. Após uma longa investigação, foi declarado inocente pelo juiz Baltasar Garzon (o mesmo que condenou o general Pinochet, o ditador do Chile). No entanto, apesar desta decisão, os serviços espanhóis entregaram-no clandestinamente às forças marroquinas, desafiando todas as regras judiciais e diplomáticas.

Começava assim um longo calvário em várias prisões marroquinas, onde se amontoavam suspeitos de terrorismo, combatentes da resistência saharaui, manifestantes marroquinos e criminosos de direito comum...

Os detidos são entregues a capangas ferozes, capazes dos piores abusos, que obrigam estes homens (e também as mulheres, cujo destino é ainda pior) completamente indefesos a viver em condições desumanas, com falta de comida, frio e sujidade, em isolamento, que é uma das formas mais cruéis de tortura, ao mesmo tempo que são submetidos às formas clássicas de tortura durante interrogatórios ultraviolentos.

Dia após dia, de prisão em prisão, Ali Aarrass relata este longo calvário, proclamando constantemente a sua inocência, tentando sobreviver e, sobretudo, preservar a sua dignidade de ser humano inocente, respeitável por definição.

Estes anos passaram perante o silêncio diplomático da Bélgica, que, no entanto, era responsável por este cidadão belga que vivia no país há 28 anos, sem qualquer culpa ou condenação, orgulhoso de ter sido um trabalhador que deu o seu contributo para a nossa sociedade.

- Ali Aarrass. « Le ciel est un carré bleu ». « Douze ans dans les prisons espagnoles et marocaines ». Écrit en collaboration avec Lucie Cauwe, journaliste. Édition Antidote, Bruxelles, 2024.

Leia todo o artigo (em Francês) AQUI

sábado, 26 de outubro de 2024

Protestos em Dakhla contra a exploração dos recursos e a marginalização

Para ver o vídeo clique em cima da imagem

Na terça-feira, 22 de outubro de 2024, a cidade de Dakhla, no sul do Sahara Ocidental, foi palco de manifestações generalizadas de protesto contra as políticas de exclusão e marginalização sistemática das autoridades de ocupação marroquinas.

As mulheres saharauis, muitas das quais de véu, saíram à rua diante da sede de governo da cidade para denunciar o facto de a administração não partilhar as receitas provenientes da exploração dos recursos naturais da região. As mulheres carregavam faixas e cartazes condenando a pilhagem do Sahara Ocidental por Marrocos e sublinhando a marginalização a que está sujeito o povo saharaui.

Noutro protesto, um grupo de jovens sarauís associados à “Coordenação dos jovens proprietários de barcos de subsistência saharauis” manifestou-se também contra as práticas discriminatórias do governo. Exigiram licenças oficiais para trabalhar e protestaram contra a contínua marginalização e exclusão a que estão sujeitos.

Estes protestos põem em evidência o sofrimento contínuo do povo saharaui e o desrespeito pelos seus direitos fundamentais. Os protestos vêm na sequência de um recente acórdão do Tribunal de Justiça Europeu que reafirma que o Sahara Ocidental e Marrocos são territórios separados e distintos. As manifestações coincidem também com as discussões em curso no Conselho de Segurança da ONU sobre a prorrogação do mandato da missão de referendo no Sahara Ocidental. Ver o vídeo AQUI

 


Marrocos / Sahara Ocidental: restrições à liberdade de circulação, intimidação e expulsão dos defensores Ahmed Ettanji e Mohamed Mayara

Mohamed Mayara e Ahmed Ettanji


25/10/2024 (Em Espanhol AQUI)

Apelo urgente - Defensores dos direitos humanos

 

O Observatório para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos, programa conjunto da Federação Internacional dos Direitos do Homem (FIDH) e da Organização Mundial contra a Tortura (OMCT), solicita a intervenção urgente de V. Exa. na seguinte situação em Marrocos / Sahara Ocidental.

 

Descrição da situação:

 

O Observatório recebeu com preocupação relatos de restrições à liberdade de circulação, intimidação e expulsão de jornalistas e defensores dos direitos humanos Ahmed Ettanji e Mohamed Mayara. Ahmed Ettanji e Mohamed Mayara são, respetivamente, presidente e coordenador da Équipe Média, um coletivo de jornalistas fundado em 2009 e que opera clandestinamente a partir do Sahara Ocidental. O coletivo tem como objetivo quebrar o bloqueio informativo que o Reino de Marrocos exerce sobre o Sahara Ocidental e denunciar as violações dos direitos humanos na região.

Em 9 de outubro de 2024, o Sr. Ettanji e o Sr. Mayara foram à cidade de Cabo Bojador, no Sahara Ocidental, para uma visita familiar. À chegada ao posto de controlo local, foram detidos pelas autoridades marroquinas durante cerca de uma hora. Depois de terem sido libertados e de terem chegado à casa da família por volta das 18h30, os dois defensores aperceberam-se de que a polícia, incluindo o comissário de polícia de Cabo Bojador, as forças auxiliares e as autoridades de ocupação começavam a cercar a casa.

As autoridades começaram a insultar o Sr. Ettanji e o Sr. Mayara e a ameaçá-los de prisão se não abandonassem imediatamente a cidade. A família anfitriã também foi intimidada e ameaçada com uma rusga à sua casa por os ter acolhido. Por volta das 19:10, os dois defensores foram expulsos do Cabo Bojador através do posto de controlo local e obrigados a regressar a Laayoune.

O Observatório recorda que o coletivo Équipe Média está sob vigilância das autoridades marroquinas há anos e é alvo de intimidações frequentes. Em 2021, o Observatório lançou um apelo urgente para denunciar ameaças, ataques e restrições à sua liberdade de reunião, depois de as forças da ordem marroquinas terem impedido a realização de um seminário de formação organizado pelos seus membros.

O Observatório manifesta a sua profunda preocupação com as restrições à liberdade de circulação, os novos actos de intimidação e a expulsão dos jornalistas e defensores dos direitos humanos Ahmed Ettanji e Mohamed Mayara. Estes actos parecem ser represálias pelas suas actividades legítimas de jornalismo e de defesa dos direitos humanos no território do Sahara Ocidental.

O Observatório insta as autoridades marroquinas a tomar imediatamente as medidas mais adequadas para garantir a liberdade de circulação e a segurança física e psicológica de Ahmed Ettanji e Mohamed Mayara, e a pôr termo a todos os actos de intimidação e assédio contra eles e todos os defensores dos direitos humanos no Sahara Ocidental.

 

Ação solicitada:

 

Solicita-se que as autoridades marroquinas sejam instadas a

 

- Tomar imediatamente as medidas mais oportunas e adequadas para garantir a liberdade de circulação e a segurança física e psicológica de Ahmed Ettanji e Mohamed Mayara;

- Pôr termo a todas as ameaças, ataques e actos de assédio contra Ahmed Ettanji e Mohamed Mayara, bem como contra todos os defensores dos direitos humanos no Sahara Ocidental;

- Garantir o direito à liberdade de circulação e à liberdade de defesa dos direitos humanos a todos os defensores dos direitos humanos no Sahara Ocidental.

 

Contactos:

 

- Nasser Bourita, Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional. Correio eletrónico: ministere@maec.gov.ma

- Sr. Abdellatif Ouahbi, Ministro da Justiça. Correio eletrónico: ccdh@ccdh.org.ma

- Conselho Nacional dos Direitos do Homem (CNDH). Correio eletrónico: cndh@cndh.org.ma

- Sr. Omar Zniber, Representante Permanente do Reino de Marrocos junto do Gabinete das Nações Unidas em Genebra e de outras organizações internacionais na Suíça. Correio eletrónico: maroc.ge@maec.gov.ma

- Sr. Allal Ouazzani Touhami, Ministro Plenipotenciário e Encarregado de Negócios, Missão do Reino de Marrocos junto da União Europeia. Correio eletrónico: mission.ue@maec.gov.ma

 

É favor escrever também às representações diplomáticas de Marrocos no seu país.

 

 

***

 

Paris-Genebra, 24 de outubro de 2024

 

Por favor, informe-nos de qualquer ação empreendida, citando o código deste apelo na sua resposta.

 

O Observatório para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos (o Observatório) é um programa criado em 1997 pela FIDH e pela Organização Mundial contra a Tortura (OMCT) e tem por objetivo intervir para prevenir ou remediar situações específicas de repressão contra os defensores dos direitos humanos. A FIDH e a OMCT são ambas membros do ProtectDefenders.eu, o mecanismo da União Europeia para os defensores dos direitos humanos implementado pela sociedade civil internacional.

 

Para contactar o Observatório, ligue para a Linha de Urgência:

• E-mail: alert@observatoryfordefenders.org

• Tel. FIDH: + 33 1 43 55 25 18

• Tel. OMCT: + 41 22 809 49 39

 

 

 


quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Abdallah Abbahah: A luta contra o silêncio e a omissão internacional

Os prisioneiros de Gdeim Izik em tribunal. Foto © Western Sahara Resources Watch (WSRW).



Isabel Lourenço(*) | 22 Out 2024 - SETE MARGENS

O mediatismo dos conflitos em que estão envolvidos interesses estratégicos faz com que releguemos para um plano secundário não só outros conflitos, mas situações em que os direitos humanos são sistematicamente atropelados e desrespeitados. O caso de Sidi Abdallah Abbahah e do grupo Gdeim Izik nas prisões marroquinas é uma dessas situações. Este caso representa todos os atropelos aos direitos humanos de que são alvo os encarcerados nas prisões marroquinas, sobretudo os presos políticos saharauis. Em maio de 2023, a Amnistia Internacional chamava a atenção para a situação de quatro jornalistas e dois estudantes detidos. O caso de Abdallah Abbahah é especialmente grave devido ao isolamento prolongado a que tem estado sujeito desde 2018 e pelo facto de ter tido uma decisão do Comité contra a Tortura das Nações Unidas e que até à data não é respeitada pelo Reino de Marrocos. Também o Grupo de trabalhodas detenções arbitrárias das Nações Unidas já por duas vezes se pronunciou referindo o carácter de detenção arbitrária de Abbahah e outros companheiros do seu grupo. Sobre o processo foram várias as organizações que na altura se pronunciaram.

Sidi Abdallah Abbahah, ativista saharaui nascido em 1975, é um dos presos políticos que simboliza a grave violação dos direitos humanos em Marrocos, especialmente contra o povo saharaui. Acusado injustamente de homicídio relacionado com os eventos de Gdeim Izik em 2010, Abbahah foi condenado a prisão perpétua com base em confissões obtidas sob tortura, de acordo com o Comité Contra a Tortura da ONU. A sua detenção, além de arbitrária, é marcada por isolamento prolongado e tortura física e psicológica. Desde 2018, vive em condições desumanas, sem acesso a cuidados médicos adequados e privado de assistência legal, apesar dos apelos e decisões das Nações Unidas.

 

A tortura e o desrespeito pelas decisões internacionais

Preso desde 2010, Abbahah foi submetido a métodos de tortura como a “falaka” (tortura nos pés) e o “frango assado”, assim como torturas de cariz sexual, queimaduras com cigarros, ingestão de químicos entre outras, com o objectivo de forçá-lo a confessar crimes que não cometeu. As suas denúncias de tortura foram repetidamente ignoradas pelas autoridades marroquinas, que se recusaram a investigar adequadamente os factos, violando artigos fundamentais da Convenção Contra a Tortura. Em 2021, o Comité Contra a Tortura da ONU determinou que Marrocos deveria pôr fim ao isolamento de Abbahah, garantir o seu acesso a cuidados médicos e permitir visitas da sua família e advogada. No entanto, o Estado marroquino negligenciou essas ordens, agravando o sofrimento de Abbahah e da sua família, que tem lutado incessantemente para garantir que os seus direitos sejam respeitados.

De acordo com Souad Abbahah, sua irmã, Sidi já era portador de uma doença renal quando foi encarcerado, mas o seu estado agravou-se devido à falta de cuidados médicos e atualmente sofre de dores horríveis ao nível do estômago, próstata e costas, também devido às condições prisionais sobretudo na época do inverno, em que faltam roupas adequadas.

Olfa Ouled

A advogada de Abbahah, Olfa Ouled, tem enfrentado inúmeros obstáculos para o representar, incluindo ser impedida de entrar em Marrocos em várias ocasiões. Esta restrição demonstra a política sistemática de Marrocos em isolar os presos políticos saharauis, desrespeitando tanto os direitos humanos fundamentais quanto as decisões judiciais internacionais.

Apesar da família por diversas vezes ter interpelado as autoridades marroquinas, estas continuam a fazer ouvidos de mercador e a privar Abdallah Abbahah dos seus direitos legítimos mais elementares, nomeadamente cuidados médicos.

 

O silêncio da comunidade internacional

A situação de Abdallah Abbahah reflete o abandono que muitos presos políticos saharauis sofrem nas prisões marroquinas. As Nações Unidas, através do seu Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária, classificaram a detenção de Abbahah e de outros ativistas como arbitrária, reconhecendo a natureza política das prisões e as graves violações dos direitos humanos. Ainda assim, a comunidade internacional permanece em grande parte silenciosa sobre o sofrimento destes presos, permitindo que Marrocos continue as suas práticas repressivas.

Abbahah não é apenas uma vítima de um regime repressivo; ele representa a luta do povo saharaui pela justiça e dignidade. O apelo da sua família e advogada por ajuda internacional é uma tentativa desesperada de quebrar o silêncio em torno da sua situação e de forçar a implementação das decisões internacionais que poderiam melhorar as suas condições de vida e, eventualmente, garantir a sua libertação.

Em última instância, o caso de Abdallah Abbahah exige uma acção imediata da comunidade internacional para que Marrocos respeite os direitos humanos e as convenções internacionais de que é signatário. Se não falarmos por ele e por outros saharauis injustamente presos, quem falará?

(*) Isabel Lourenço é activista de direitos humanos, com foco em presos políticos saharauís e iraquianos, tendo acompanhado o caso do acampamento de Gdeim Izik como observadora internacional desde 2010, com presença nos dois julgamentos.


terça-feira, 22 de outubro de 2024

Secretário-geral da Frente POLISARIO recebe membro do grupo de advogados que ganhou o acórdão do TJUE contra o roubo dos recursos naturais saharauis

 


Chahid Al-Hafed, 22 de outubro de 2024 (SPS) - O Presidente da República e Secretário-Geral da Frente POLISARIO, Brahim Ghali, recebeu, esta manhã na sede da Presidência, o advogado Manuel Devers, membro da equipa de advogados encarregada de defender a Frente POLISARIO perante o Tribunal de Justiça Europeu no caso da pilhagem dos recursos naturais saharauis, através dos acordos comerciais ilegais assinados entre o Reino de Marrocos e a União Europeia, e que incluíam o território do Sahara Ocidental.

A visita do advogado surge após a Frente POLISARIO ter ganho a batalha judicial contra a União Europeia, em que o seu Tribunal de Justiça emitiu uma sentença histórica e inapelável, que reconheceu que “o Sahara Ocidental e o Reino de Marrocos são dois territórios distintos e diferentes, anulando assim os acordos comerciais assinados entre o Reino de Marrocos e a União Europeia, e que incluíam o território do Sahara Ocidental”.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

sábado, 19 de outubro de 2024

Reino da Polícia de Marrocos

 

Manifestantes enfrentam a polícia durante uma manifestação contra a corrupção, repressão e o desemprego na cidade de al-Hoceima, no norte de Marrocos, na madrugada de 10 de junho de 2017. Fadel Senna/AFP via Getty Images


Artigo da investigadora e jornalista Samia Errazzouki publicado In MERIP 312 (Outono de 2024). Um texto de leitura obrigatória para todos aqueles que procuram saber um pouco mais sobre o país que, com o nosso país e a Espanha, irá organizar o Mundial de Futebol 2030!


Ao conceptualizar as estruturas de poder e de governação em Marrocos, as aparências iludem.

No papel, estão presentes todos os componentes de uma monarquia parlamentar constitucional: um rei que governa como chefe de Estado, eleições parlamentares regulares, uma constituição recentemente reformada e um governo composto por uma coligação multipartidária.

Na prática, porém, o quadro é mais opaco. O Rei Mohamed VI retirou-se em grande parte dos olhos do público durante prolongadas estadias no estrangeiro. O Parlamento exerce pouco poder substancial e a participação eleitoral continua a ser relativamente baixa. O governo tomou poucas medidas concretas para implementar as promessas das reformas constitucionais de 2011. Além disso, a coligação governamental é liderada por Aziz Akhannouch, que, para além de ter recentemente acrescentado primeiro-ministro ao seu extenso historial, é um amigo pessoal próximo do rei e um dos multimilionários mais ricos de África.

Uma análise mais aprofundada revela uma tendência consistente ao longo dos últimos anos: a expansão do aparelho de segurança e o seu poder sem controlo. Quando Mohamed VI subiu ao trono, em 1999, uma das suas primeiras medidas foi destituir Driss Basri, ministro do Interior de longa data e músculo do seu pai, o rei Hassan II. Basri tinha supervisionado os piores anos de violência estatal em Marrocos, o que lhe valeu uma reputação de brutalidade. Com o seu afastamento, muitos acreditaram que os anos do estado policial marroquino tinham ficado no passado. Os acontecimentos dos últimos anos provaram o contrário.

Em termos de política interna, os organismos estatais têm exercido uma repressão constante contra jornalistas, manifestantes e qualquer pessoa que expresse opiniões críticas ao governo. Estas medidas têm tido um efeito asfixiante na liberdade de imprensa, na liberdade de reunião e na liberdade de expressão. No que diz respeito à política externa, as autoridades aplicaram agressivamente o controlo das fronteiras da União Europeia e fizeram das suas reivindicações de soberania sobre o Sahara Ocidental um teste decisivo para determinar se os países são considerados amigos ou inimigos.

O acordo de normalização de Marrocos com Israel em 2020 expandiu o arsenal de tecnologia carcerária do país - nomeadamente a vigilância e a recolha de informações - para a esfera pública. Em conjunto, estes desenvolvimentos indicam que as forças de segurança asseguraram o seu controlo do poder, transformando Marrocos num Estado carcerário por excelência.

Leia todo o artigo AQUI (em Inglês).


Samia Errazzouki é bolseira de pós-doutoramento [Andrew W.] Mellon em Ciências Humanas na Universidade de Stanford e ex-jornalista em Marrocos.

 

O Middle East Research and Information Project (MERIP) foi criado em 1971 para educar e informar o público sobre os assuntos contemporâneos do Médio Oriente. É uma organização sem fins lucrativos que publica trimestralmente uma publicação online, Middle East Report, bem como artigos frequentes e dossiers de investigação no seu sítio Web.

Guterres destaca problema dos recursos ao Conselho de Segurança da ONU - congratula-se o Western Sahara Resources Watch

 


No seu último relatório ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Secretário-Geral da ONU manifesta a sua preocupação quanto à utilização por Marrocos dos recursos naturais do Sahara Ocidental.


Em meados de outubro, António Guterres apresentou o seu relatório de Secretário-Geral da ONU sobre a situação no Sahara Ocidental.

Tal como nos anos anteriores, o relatório foi publicado pouco antes da reunião do Conselho de Segurança da ONU em que será adoptada uma nova resolução sobre o conflito e a renovação do mandato da operação MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental).

Pela primeira vez em muitos anos, foi incluída uma frase relativamente forte sobre a utilização dos recursos naturais do território.

“Há relatos de exploração de recursos naturais no Sahara Ocidental sem a devida consulta ou participação das comunidades interessadas. Segundo estas fontes, os investimentos favorecem frequentemente interesses que não respondem às necessidades da população saharaui local, agravam as disparidades económicas e impedem um desenvolvimento equitativo para todos os saharauis”, lê-se no parágrafo 77 do relatório.

Isto contrasta com os relatórios anteriores que resumiam as atividades comerciais de Marrocos de uma forma relativamente positiva, como se Marrocos pudesse ter uma presença real no território.

Em 2023, o Western Sahara Resource Watch escreveu ao Secretário-Geral solicitando uma referência à pilhagem do território que tenha em conta o facto de Marrocos não ter o direito de desenvolver infraestruturas ou utilizar os seus recursos.

“Congratulamo-nos com a inclusão no relatório do Secretário-Geral da ONU para 2024 de uma referência ao confisco por Marrocos dos recursos naturais do Sahara Ocidental ocupado, um elemento essencial da estratégia de Marrocos para consolidar a sua ocupação. Tendo em vista o futuro, apelamos ao Secretário-Geral para que associe a pilhagem de forma mais forte à atual impossibilidade de permitir que o povo sarauí exerça o seu direito à autodeterminação, que continua a ser o princípio fundamental do processo de paz da ONU”, afirma Sara Eyckmans da WSRW.

Há ainda outras referências interessantes, como o facto de a Polisario ter protestado junto do secretário-geral contra “espoliações (pelo governo marroquino) de terras e bens no território a oeste do muro” (parágrafo 28) e de “Marrocos ter confiscado terras e bens pertencentes a civis saharauis e demolido casas” (parágrafo 81).

Afirma-se também (§ 11) que “durante o período abrangido pelo relatório, Marrocos continuou a intensificar o desenvolvimento de infra-estruturas, projectos de energias renováveis e actividades comerciais a oeste do mur do muro”.

Uma longa secção (§ 76) é dedicada ao grupo de presos políticos, o chamado grupo Gdeim Izik, detido em 2010 por ter organizado uma grande manifestação a favor dos direitos socioeconómicos.

“As condições deploráveis de detenção dos presos saharauis continuam a ser motivo de preocupação. Os relatórios recebidos pelo ACNUDH indicam superlotação e acesso inadequado a cuidados de saúde, educação e formação profissional, bem como repetidas recusas de pedidos de transferência de prisioneiros para instalações mais próximas das suas cidades de origem. Os membros do grupo Gdeim Izik continuaram a ser dispersos e detidos em prisões fora do Sahara Ocidental, onde estão a cumprir longas penas de prisão.

O isolamento contínuo, o contacto irregular com os membros da família e o tratamento discriminatório por parte da administração penitenciária têm, alegadamente, um efeito prejudicial na saúde física e mental dos prisioneiros. O Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária considerou que a prisão de 18 membros do grupo constituía uma detenção arbitrária. Manifestou ainda a sua profunda preocupação com o número de alegados casos de detenção arbitrária no Sahara Ocidental e apelou à libertação imediata dos detidos e à reparação e indemnização adequadas.”

O relatório, datado de 1 de outubro, acaba de ser tornado público. Por isso, não faz qualquer menção aos acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferidos a 4 de outubro. É notável que nenhum dos relatórios do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, ao Conselho de Segurança faça referência a qualquer dos acórdãos do Tribunal de Justiça da UE sobre o Sahara Ocidental - com exceção do relatório do ano passado. Este último mencionou a expiração do acordo de pesca UE-Marrocos em meados de 2023, salientando que o acordo já tinha sido anulado pelo Tribunal Geral da União Europeia em 2021 porque “não se pode considerar que tenha obtido o consentimento do povo do Sahara Ocidental”.

A 4ª Comissão da Assembleia Geral da ONU adopta uma decisão que reafirma o estatuto jurídico do Sahara Ocidental

 


Nova Iorque (Nações Unidas), 18 de outubro de 2024 (SPS) - A 4º Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas (AG), responsável por questões políticas especiais e descolonização, adotou uma decisão sem votação sobre o Sahara Ocidental na noite de quinta-feira durante a sua 79ª sessão de alto nível, referindo-se à cláusula ligada à implementação da Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Colonizados.







A Frente POLISARIO recusa discutir qualquer proposta fora do quadro jurídico da questão saharaui

 


19 de outubro de 2024 - A Frente POLISARIO reafirmou esta quinta-feira (17 de outubro) a sua “recusa categórica” em discutir qualquer proposta que não se enquadre no quadro jurídico da questão do Sahara Ocidental.

Em comunicado divulgado, no seguimento de uma reunião do Bureau Permanente do Secretariado Nacional, sob a presidência do Secretário-Geral da Frente Polisario e Presidente da República, Brahim Ghali, a Frente Polisario esclareceu que, “após ter sido informada da proposta apresentada ontem, quarta-feira, pelo Enviado Pessoal do Secretário-Geral da ONU para o Sahara Ocidental, Staffan de Mistura, durante a sessão à porta fechada do Conselho de Segurança da ONU, que a parte saharaui gostaria de reiterar que, durante a sua reunião de 3 de outubro de 2024, tinha enfatizado forte e categoricamente que não aceita ou mesmo discute qualquer proposta ou ideia, de partição ou não, que esteja fora do quadro legal do conflito do Sahara Ocidental e que seja inconsistente com o objetivo para o qual a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) foi criada e contrariando a sua própria missão de enviado”.




A Frente POLISARIO recorda que “o Estado ocupante marroquino, após a sua invasão militar do Sahara Ocidental, em 31 de Outubro de 1975, dividiu o território do Sahara Ocidental com a Mauritânia em 14 de Abril de 1976, em flagrante violação dos princípios do Direito Internacional e a integridade territorial do Saara Ocidental como território sujeito a um processo de descolonização.”

Recordando o estatuto internacional do Sahara Ocidental como território sujeito a descolonização, apoiado por um manancial de documentos jurídicos emitidos pelas Nações Unidas, pela União Africana e outras organizações internacionais, a que se junta o último acórdão do Tribunal de Justiça Europeu, tornado público no início deste mês, a Frente POLISARIO declara a “forte rejeição total e categórica da parte saharaui a qualquer “proposta” ou “iniciativa”, qualquer que seja a sua origem, que não consagre e garanta plenamente o direito inalienável, inegociável e imprescritível do povo saharaui à autodeterminação e à independência, com total respeito pela integridade territorial do Sahara Ocidental.” (SPS)

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Os perigos da divisão: uma abordagem imprudente para o conflito do Sahara Ocidental

 

O Enviado Pessoal do SG da ONU para o Sahara Ocidental, Staffan De Mistura

Artigo de Ahmed Omar | El Confidencial Saharaui - 18-10-2024

Madrid (ECS).- O recente relatório apresentado pelo enviado pessoal do Secretário-Geral das Nações Unidas, Staffan de Mistura, ao Conselho de Segurança da ONU, propondo a divisão do Sahara Ocidental, fez soar o alarme em toda a região. Esta proposta representa um desenvolvimento profundamente preocupante que poderá desestabilizar não só o território do Sahara Ocidental, mas também toda a região do Norte de África.

Historicamente, o estatuto do Sahara Ocidental como território não autónomo que aguarda descolonização tem sido afirmado por uma multiplicidade de organismos internacionais, incluindo as Nações Unidas e a União Africana. A base jurídica que sustenta o direito do povo saharaui à autodeterminação é inabalável e foi reforçada por recentes decisões do Tribunal de Justiça Europeu que rejeitam categoricamente as reivindicações de Marrocos sobre o território.

No entanto, em desafio direto a estes precedentes legais, a proposta de partição de De Mistura procura legitimar uma ocupação ilegal e contraria o próprio mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO). Ao promover a divisão, De Mistura alinha-se com um perigoso precedente criado em 1976, quando Marrocos e a Mauritânia tentaram dividir o Sahara Ocidental após a invasão inicial do território por Marrocos. Esta tentativa de partilha não é apenas um insulto ao direito internacional, mas também corre o risco de consolidar ainda mais o status quo, dando a Marrocos maior influência e marginalizando as legítimas aspirações do povo saharaui.

A partição, como solução, deve ser reconhecida pelo que de facto é: uma negação do direito do povo saharaui à autodeterminação e à independência. O conflito do Sahara Ocidental não tem a ver apenas com disputas territoriais; tem a ver com a descolonização de um povo que lutou durante décadas para recuperar a sua terra e a sua soberania. Este plano de partilha mina os princípios fundamentais do direito internacional e as numerosas resoluções da ONU que apelaram à realização de um referendo para determinar o futuro do território.

Além disso, a divisão ameaça exacerbar as tensões numa região já de si frágil. O controlo militarizado de Marrocos sobre o Sahara Ocidental conduziu a graves violações dos direitos humanos, à repressão de protestos pacíficos e à exploração dos recursos naturais da região. A divisão do território conduziria a um aumento da violência e da militarização, que poderia afetar os Estados vizinhos e desestabilizar toda a região do Magrebe.


A Frente POLISARIO deixou claro que qualquer tentativa de contornar o direito à autodeterminação, através da partição ou qualquer outra ideia, é completamente inaceitável. Como sublinhado no seu recente comunicado, rejeitaram categoricamente a proposta de De Mistura, reafirmando o seu empenhamento na conquista da independência do povo saharaui e alertando que a continuação do desrespeito pelos seus direitos poderia levar à expansão da guerra que já dura há quase 4 anos. O povo saharaui já esperou demasiado tempo por justiça e a partição apenas prolongaria esta injustiça.

“A partição tem uma história problemática como mecanismo de resolução de problemas de colonização e ocupação, conduzindo frequentemente ao agravamento dos conflitos e à instabilidade a longo prazo.

Eis alguns dos principais exemplos de casos em que a partilha não conseguiu encontrar soluções justas e duradouras:

1) Partição da Índia e do Paquistão (1947)

A divisão da Índia britânica em Índia e Paquistão é um dos casos mais infames de uma solução de partilha falhada. A decisão de dividir o território segundo linhas religiosas conduziu a uma das maiores migrações em massa da história, com milhões de hindus, muçulmanos e sikhs a fugirem das suas casas em busca de segurança no recém-formado Paquistão ou na Índia. A partilha provocou uma violência comunal generalizada, que resultou na morte de um a dois milhões de pessoas. Além disso, o legado da divisão continuou a alimentar as tensões entre a Índia e o Paquistão, em especial no que respeita à região de Caxemira, conduzindo a várias guerras, à militarização contínua e à hostilidade entre as duas nações com armas nucleares. Longe de resolver o conflito, a divisão deixou uma ferida profunda no subcontinente que permanece aberta até hoje.

 2. Palestina e Israel (1947)

O plano da ONU para a partilha da Palestina em 1947, na sequência da retirada colonial britânica, visava a criação de Estados judeus e árabes separados. No entanto, esta decisão preparou o terreno para décadas de conflitos violentos entre israelitas e palestinianos. A guerra israelo-árabe inicial de 1948 deslocou centenas de milhares de palestinianos, criando uma crise de refugiados que persiste até aos dias de hoje. As guerras subsequentes e a ocupação dos territórios palestinianos por Israel agravaram a situação. A solução de dois Estados, que constituía a essência do plano de partilha, nunca foi plenamente concretizada e, atualmente, o conflito na Palestina prossegue com um genocídio contínuo, em que os palestinianos enfrentam uma limpeza étnica, e a paz e a estabilidade parecem inatingíveis.

 3. Chipre (1974)

Em 1974, na sequência de um golpe de Estado apoiado pelos gregos e da subsequente intervenção militar turca, Chipre ficou efetivamente dividido entre o Sul, controlado pelos gregos, e o Norte, controlado pelos turcos. Apesar dos numerosos esforços diplomáticos para reunificar a ilha, esta continua dividida até hoje. A divisão criou um conflito congelado, com a República Turca do Norte de Chipre a ser reconhecida apenas pela Turquia, enquanto o resto do mundo reconhece a República de Chipre. Esta divisão não resolvida continua a afetar a política interna de Chipre e as suas relações internacionais, nomeadamente no âmbito da União Europeia, de que apenas a parte sul é membro.

4. Vietname (1954)

Após a Primeira Guerra da Indochina, os Acordos de Genebra de 1954 dividiram o Vietname no paralelo 17, ficando o Norte sob controlo comunista e o Sul sob um governo apoiado pelo Ocidente. Esta divisão tinha um carácter temporário e a reunificação deveria ser decidida através de eleições nacionais. No entanto, as eleições nunca se realizaram e a divisão acabou por conduzir à Guerra do Vietname. O conflito custou milhões de vidas, devastou o país e resultou na reunificação do Vietname sob controlo comunista em 1975. A divisão do Vietname é amplamente considerada um fracasso, uma vez que se limitou a adiar o conflito em vez de o resolver.

 

Lições para o Sahara Ocidental

Estes exemplos históricos revelam que a divisão é frequentemente uma solução a curto prazo que não resolve os problemas subjacentes à colonização, à ocupação e à autodeterminação. A divisão conduziu a uma violência duradoura, a deslocações maciças e a gerações de conflitos não resolvidos. O caso do Sahara Ocidental partilha muitas semelhanças com estas partições falhadas, particularmente na forma como tenta contornar as aspirações legítimas de um povo colonizado em favor da conveniência. Em vez de resolver o problema, a partição será o fator que alimentará o risco de inflamar as tensões, aprofundar a divisão e perpetuar o sofrimento do povo saharaui.

A divisão do Sahara Ocidental, tal como sugerida pelo enviado pessoal do SG da ONU, Staffan de Mistura, seguiria uma trajetória semelhante. Daria coragem à potência ocupante, Marrocos, para consolidar o seu controlo sobre a região, conduzindo a mais deslocações de saharauis e à militarização do conflito. Em vez de paz, a divisão traria mais conflitos, como se tem visto em tantas outras regiões onde esta tática foi tentada e falhou.

Uma solução sustentável para o Sahara Ocidental só pode surgir do respeito pelo direito internacional e pelo direito à autodeterminação, e não da ressurreição da estratégia falhada da partilha. O povo saharauí, tal como o da Índia, da Palestina, de Chipre e do Vietname, merece a oportunidade de determinar o seu próprio futuro, livre de ocupação, divisão e imposição externa.