terça-feira, 30 de setembro de 2025

A UNIÃO EUROPEIA A DECIDIR CONTRA ELA PRÓPRIA


A confiança dos cidadãos nas instituições europeias está a um passo de se afundar de novo. O crime compensa?


No próximo dia 1 de Outubro os Estados-membro, reunidos no Conselho Europeu, votarão uma nova versão do Acordo de Associação entre a União Europeia e Marrocos,

Segundo a notícia divulgada ontem pela Western Sahara Resource Watch, que apresenta informação detalhada sobre o processo e o próprio texto do futuro Acordo, as negociações entre a Comissão Europeia e Marrocos foram realizadas em segredo e em tempo recorde, levantando sérias questões sobre a regularidade dos procedimentos adoptados. As boas práticas recomendadas pelo Parlamento Europeu nestes casos e a discussão do Acordo no próprio hemiciclo foram dispensadas.

A proposta do novo Acordo ignora 10 sentenças lavradas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, a última das quais, definitiva, datada de 4 de outubro de 2024. Nela se reafirma que Marrocos e o Sahara Ocidental são territórios “distintos e separados”, que este último tem direito à autodeterminação, e que por isso não pode ser incluído em acordos assinados com Marrocos, a menos que se obtenha o consentimento do povo saharaui, através do movimento que o representa, a Frente POLISARIO.

Apelamos a todos os Estados-membro, em particular a Portugal, a que no dia 1 de Outubro recusem o seu assentimento a uma decisão que coloca a União Europeia a desobedecer ao seu próprio Tribunal, a desrespeitar o Direito Internacional e a negar uma política externa baseada em regras.

A defesa da democracia não se faz com cantos de sereia, mas com actos coerentes, transparentes e respeitadores dos princípios que dizemos professar.

A Comissão e o Conselho Europeus têm uma enorme responsabilidade sobre os ombros, quando vivemos uma situação onde a força da violência se sobrepõe ao direito. Defraudar a cidadania europeia é demasiado grave e todos sabemos as consequências que daí poderão advir. Precisamos de clareza, de coragem política e de restabelecer a confiança nas instituições que nos representam.

Aguardamos com expectativa o resultado do Conselho da próxima quarta-feira. 

30 de setembro de 2025

Comunicado da Associação de Amizade Portugal - Sahara Ocidental (AAPSO)



A Comissão Europeia impulsiona acordo comercial entre a UE e Marrocos, ignorando os processos democráticos e os direitos do povo saharaui



A WSRW pode hoje revelar um documento da UE que mostra planos para continuar a comercializar produtos provenientes do Sahara Ocidental ocupado, em violação direta de decisões anteriores do Tribunal de Justiça da UE. A votação terá lugar esta quarta-feira.

 

Na quarta-feira, 1 de outubro, os Estados-membro da UE votarão um novo acordo comercial com Marrocos que abrange explicitamente os produtos do Sahara Ocidental, mas sem o consentimento do povo saharaui. A Comissão Europeia negociou discretamente este acordo, ignorando dez acórdãos consecutivos do TJUE que afirmam o direito dos saharauis à autodeterminação.

Há um ano, em 4 de outubro de 2024, o TJUE anulou a aplicação do acordo comercial UE-Marrocos de 2019 ao Sahara Ocidental, porque o povo saharaui não tinha dado o seu consentimento. O Tribunal concedeu à UE um prazo de um ano - até 4 de outubro de 2025 - para harmonizar as suas ações com o direito internacional.

Em vez de cumprir, a Comissão redobrou a aposta, renegociando o mesmo tipo de acordo com Marrocos, excluindo mais uma vez os saharauis.

A Western Sahara Resource Watch (WSRW) obteve uma cópia do projeto de acordo da Comissão com Marrocos. O seu memorando explicativo revela uma abordagem cínica: proclamando «respeitar o direito internacional», mas, na prática, minando-o estruturalmente.

Os ficheiros a que a WSRW teve acesso podem ser lidos mais adiante neste artigo: um contém a proposta de decisão do Conselho, o outro a proposta de acordo propriamente dita.

Dez acórdãos do TJUE não deixam margem para dúvidas: o Sahara Ocidental é «separado e distinto» de Marrocos e apenas o povo saharaui pode consentir acordos que afetem as suas terras e recursos. Os acórdãos mais recentes, de 4 de outubro de 2024, reconheceram que o consentimento pode, em casos limitados, ser «presumido», mas apenas sob condições estritas: em primeiro lugar, o acordo não deve impor obrigações ao povo do território; e, em segundo lugar, o povo — incluindo aqueles que foram deslocados para fora do território — deve receber «benefícios específicos, tangíveis, substanciais e verificáveis» proporcionais à escala da exploração dos recursos.

No entanto, a Comissão Europeia propõe agora manter o status quo, tratando Marrocos como se tivesse autoridade legal sobre o Sahara Ocidental e marginalizando completamente o povo saharaui. Quanto aos «benefícios», o anteprojeto sugere canalizar o dinheiro dos contribuintes da UE para projetos de infraestruturas no território ocupado que são prioritários na lista de desejos económicos de Marrocos, a par de um aumento da ajuda humanitária da UE aos campos de refugiados saharauis.

O calendário e a rapidez das negociações são profundamente preocupantes. Vejamos esta cronologia:

Quarta-feira, 10 de setembro, 13h00: os representantes dos Estados-membro da UE reúnem-se em Bruxelas e conferem à Comissão um mandato para negociar uma versão alterada do seu acordo com Marrocos.

Quarta-feira, 10 de setembro: nessa mesma tarde, iniciam-se as negociações entre a UE e Marrocos.

Segunda-feira, 15 de setembro - cinco dias depois - as conversações são concluídas e o projeto de acordo é rubricado.

Quinta-feira, 18 de setembro: a Comissão Europeia adota as propostas de decisões do Conselho para assinar e assegurar a aplicação provisória do acordo e para o concluir.

Sexta-feira, 19 de setembro: as propostas da Comissão Europeia são apresentadas ao Conselho.

Sexta-feira, 26 de setembro: a votação no COREPER sobre as propostas da Comissão Europeia está marcada para 1 de outubro.

A WSRW considera pouco credível que um acordo politicamente tão sensível – após uma década de derrotas nos tribunais da UE – tenha sido negociado, finalizado e rubricado apenas em cinco dias. A questão óbvia é se a Comissão já tinha, de facto, iniciado negociações com Marrocos antes de receber um mandato legal.

Negociações semelhantes levaram meses a serem concluídas no passado. O resultado da negociação de cinco dias é um documento repleto de argumentos jurídicos incompatíveis com as dez decisões do TJUE.

Outro sinal de alerta ocorre em 19 de setembro, quando a Comissão sugere a aplicação provisória do novo acordo para evitar uma interrupção do comércio. Isso efetivamente marginaliza o Parlamento Europeu, uma vez que o acordo entraria em vigor imediatamente, sem a sua aprovação — um processo que normalmente leva semanas ou até meses.

Em 26 de setembro, a votação do Conselho foi anunciada para 1 de outubro, deixando aos Estados-membro da UE um prazo incrivelmente curto para análise. Esta abordagem apressada não permite a supervisão democrática e impede uma discussão completa sobre a legalidade, o consentimento e os direitos humanos antes da entrada em vigor do acordo.

Para a votação sobre a aplicação provisória, tal como para a votação sobre o mandato, a Comissão optou por um procedimento escrito, normalmente reservado para assuntos urgentes. Em conjunto com o prazo de negociação de cinco dias, esta escolha sublinha a pressa em fazer aprovar o acordo pelo Conselho, em vez de garantir o cumprimento das decisões do Tribunal.

A alegação de urgência da Comissão não é convincente. Depois de o Tribunal ter anulado o anterior acordo comercial em dezembro de 2016, os produtos do Sahara Ocidental entraram na UE sem tarifas preferenciais durante mais de dois anos e sete meses, até ao novo acordo entrar em vigor em julho de 2019 — um intervalo que a própria Comissão tinha anteriormente considerado não justificar a aplicação provisória.

O Parlamento Europeu já havia solicitado à Comissão «que não pedisse a aplicação provisória de acordos comerciais, incluindo os capítulos comerciais dos acordos de associação, antes de o Parlamento dar o seu consentimento», lembrando que «isso prejudicaria gravemente os direitos do Parlamento e criaria uma potencial incerteza jurídica em relação aos outros signatários do acordo e aos operadores económicos envolvidos».

A Comissão também tinha sublinhado anteriormente que «em conformidade com as práticas anteriores dos acordos de comércio livre (ACL) da UE, a aplicação provisória só terá lugar após a votação de aprovação no Parlamento Europeu».

O mais perturbador de tudo é que o povo saharaui — reconhecido tanto pela ONU como pelo TJUE como detentor legítimo do direito à autodeterminação — foi mais uma vez totalmente excluído. Marrocos, que não tem soberania nem autoridade administrativa sobre o Sahara Ocidental, posiciona-se como o único parceiro da UE: para negociar, assinar, implementar e monitorizar o acordo. Isto perpetua a prática de longa data da UE de ignorar precisamente as pessoas cujos direitos o Tribunal insiste que devem ser respeitados.

Em vez de proporcionar «benefícios» genuínos ao povo saharaui, a UE propõe agora — entre outras medidas — financiar infraestruturas marroquinas de energia, irrigação e dessalinização no território ocupado. Isto corre o risco de abrir uma caixa de Pandora de novas controvérsias. Um único projeto deste tipo — já previsto para ser concluído no próximo ano e parcialmente detido pelo rei marroquino — irá desencadear um aumento das exportações de produtos hortícolas para a UE, expandindo seis vezes as terras agrícolas no Sahara Ocidental. Por outras palavras, ao procurar remediar a ilegalidade do acordo anterior, a Comissão está, ironicamente, a planear expandir massivamente as práticas que o Tribunal já considerou violarem o direito do povo saharaui à autodeterminação.

«Este documento é extremamente perturbador. A Comissão optou por negociar com Marrocos em segredo, excluiu os saharauis e impôs um acordo que viola a autodeterminação. Isso não é próprio de Estados de direito, é cumplicidade na sua negação. Exigimos que as instituições da UE defendam os princípios mais básicos do direito internacional e dos direitos humanos, e não os destruam. Os Estados-membro da UE devem ter tempo suficiente para se oporem quando a Comissão tentar contornar estas obrigações», afirma Sara Eyckmans, da Western Sahara Resource Watch.

 

domingo, 7 de setembro de 2025

Walad Mohamed Mahmud apresenta em Lisboa a sua arte e a resistência cultural saharaui



A inauguração da exposição TEMPO ZERO - Nem Paz nem Guerra, tem lugar no dia 9 de setembro, pelas 18 horas,  na Livraria Ler Devagar (Lx Factory). Uma série de obras que retratam a vida pacífica do povo saharaui em tempos de relativa calma, num contexto de exílio. É um período de «nem Paz nem Guerra», como o próprio artista o define, reflectindo a complexidade de uma existência marcada pela resistência e a esperança.

O debate sobre o CULTURICÍDIO realiza-se na Casa do Comum, na Rua da Rosa, 285, em Lisboa, no dia 12 de setembro, às 18h30. Tem como pano de fundo uma dura realidade, diz o artista: “a ocupação ilegal do território saharaui por parte de Marrocos expressa-se não só por meio da presença militar e dos atos de violação dos Direitos Humanos mas também pela manipulação e falsificação do Património Cultural Saharaui. Estamos, pois, perante uma culturicídio”.



Walad Mohamed Mahmud 

Nasceu em 1990 nos campos de refugiados saharauis, pertencendo a um grupo familiar de artistas, poetas, escritores, músicos e pintores.

Participou em diferentes encontros e festivais internacionais. A sua última exposição, “SIROCO”, viajou pelo mundo exibindo a sua arte, que considera a sua única arma de luta. Desde 2021 expôs em Espanha, Suíça, França, Alemanha, Itália, México, Panamá e África do Sul, explorando através de uma linguagem directa a cultura e o espaço que habita desde que deixou a sua terra. As suas pinturas, esculturas e instalações mostram a realidade do povo saharaui e o limbo em que se encontra preso. Estas realidades fizeram dele um construtor de sonhos. Tem uma visão e uma energia criativa impressionantes.

Durante a pandemia, deixou de expor e de fazer circular as suas obras devido às restrições mundiais, mas sempre quis lançar uma nova exposição que reflectisse a vida da mulher saharaui exilada há 50 anos no deserto mais inóspito do planeta.




Em janeiro de 2022, começou a pintar cerca de 25 quadros a óleo sobre tela digitalizada. Foi uma experiência fantástica, pois a tecnologia avançou tanto que lhe é possível pintar a óleo sobre tela num IPad e utilizar todo o tempo livre para pintar, por exemplo em aeroportos, comboios, etc.

Cada obra apresenta uma imagem da realidade que as mães saharauis viveram durante um verão e um inverno, que são as únicas estações que existem no deserto chamado hamada.

Para este ano, Aawah Walad (nome artístico) programou uma exposição especial - Tempo Zero, nem paz, nem guerra - com algumas obras que serão expostas em Portugal e em Espanha.