sábado, 8 de novembro de 2025

Retrocesso para o Sahara Ocidental - a Opinião de Christopher Ross

 


A mais recente resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o Sahara Ocidental representa um retrocesso no processo de paz, alerta o ex-Enviado Pessoal do SG das Nações Unidas Christopher Ross num artigo publicado no sítio do "International Centre for Dialogue Initiatives» . Segundo o diplomata norte-americano, o texto impulsionado pelos Estados Unidos favorece a posição de Marrocos e ameaça minar décadas de esforços pela autodeterminação saharaui.
Ross, que mediou o dossier entre 2009 e 2017, considera que a resolução de 31 de outubro, inspirada no reconhecimento de Donald Trump da soberania marroquina sobre o território, rompe o equilíbrio tradicional da ONU e enfraquece o papel da MINURSO. O ex-enviado alerta que, sem pressão internacional equilibrada e sem envolvimento direto do povo saharaui, o impasse político e o risco de instabilidade entre Marrocos e Argélia tenderão a agravar-se.


7 de novembro de 2025
Christopher Ross

A resolução que o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou em 31 de outubro sobre o conflito do Sahara Ocidental, que já dura há 50 anos, representa um retrocesso, apesar das alegações em contrário dos seus defensores.

Desde 2007, em todas as resoluções, o Conselho tem apelado ao Secretário-Geral e ao seu Enviado Pessoal para que “ajudem as partes a alcançar uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável, que preveja a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental”. No entanto, para além de exortar as partes a negociarem de boa-fé e sem condições prévias, o Conselho nunca forneceu orientações concretas. Essas têm sido deixadas ao critério das partes, sob a égide do Secretário-Geral e do seu Enviado Pessoal.

Ambiguidade sobre a soberania marroquina e a autodeterminação saharaui
Desta vez, os Estados Unidos, enquanto penholder (isto é, líder das negociações) sobre o Sahara Ocidental, decidiram tentar usar esta nova resolução para forçar progressos em linha com o reconhecimento, por Donald Trump, em dezembro de 2020, da soberania de Marrocos sobre o território. Assim, no seu primeiro esboço, apelavam às partes para negociarem a partir da proposta marroquina de abril de 2007 — que previa uma autonomia sob soberania marroquina —, qualificando-a como “a solução mais viável”.

Contudo, o texto não chegou a afirmar explicitamente que Marrocos tem soberania sobre o território e, tal como todas as resoluções anteriores (que reafirmava no preâmbulo), manteve a exigência de autodeterminação. Ainda assim, em nenhum momento mencionou a proposta simultânea da Frente POLISARIO, que previa a realização de um referendo incluindo a opção da independência e de relações próximas com Marrocos caso essa opção fosse escolhida.

Este projeto de resolução desencadeou intensas divergências entre os membros do Conselho. A Rússia opôs-se à tentativa dos EUA de usar o texto para apoiar a sua posição nacional sobre o conflito, e vários membros criticaram o seu caráter fortemente desequilibrado. Muitos também se opuseram à proposta de reduzir o mandato da MINURSO de um ano para seis meses. Rejeitaram o argumento americano de que tal aumento de pressão facilitaria um acordo e insistiram na importância de preservar a capacidade da MINURSO de monitorizar o cessar-fogo e a situação no terreno em nome do Conselho.

A Argélia, dentro do Conselho, e a Frente POLISARIO, fora dele, condenaram a omissão de qualquer referência à proposta da POLISARIO.

Durante as negociações, os EUA introduziram várias revisões, sendo a mais importante a reformulação da referência à proposta marroquina — que passou a ser “uma das soluções mais viáveis” (a most feasible solution), em vez de “a mais viável” (the most feasible) —, bem como a extensão do mandato da MINURSO por mais um ano. Estas e outras pequenas alterações bastaram para evitar um veto.

A resolução acabou por ser adotada, apesar do seu desequilíbrio, com os votos favoráveis dos EUA, França, Reino Unido e oito membros não permanentes, e as abstenções da Rússia, China e Paquistão. A Argélia não votou. O representante permanente da Rússia, ao explicar a abstenção, comentou ironicamente esperar que a “carga de cowboys” americana, ao impulsionar a proposta marroquina de autonomia, não levasse a um aumento das tensões regionais.

Uma oportunidade inédita para a paz duradoura no Sahara Ocidental?
Para onde nos leva então esta resolução? Ela saúda “a iniciativa do Enviado Pessoal de reunir as partes para aproveitar o momento e esta oportunidade sem precedentes para uma paz duradoura” (sic) e expressa “apreço aos Estados Unidos pela sua disponibilidade em acolher negociações”.

Será instrutivo observar como reagirão a POLISARIO e a Argélia a um apelo a novas reuniões presenciais nestas circunstâncias. É provável que participem, especialmente se Marrocos aliviar a pressão para que a Argélia seja o seu único interlocutor neste dossier e se os EUA acolherem as conversações.

Dito isto, os respetivos papéis do Enviado Pessoal e dos EUA em qualquer reunião futura permanecem por esclarecer. Seja como for, as posições das partes continuarão inflexíveis.

O que poderão fazer os membros individuais do Conselho — e outros, como a Espanha — para ajudar o Enviado Pessoal a romper este impasse? E o que poderá ele fazer para organizar verdadeiras negociações sem pré-condições, quando Marrocos insiste em limitar as discussões à sua proposta de autonomia como condição prévia, agora com a bênção do Conselho?

A resposta simples, em ambos os casos, é: muito pouco.
Sem forte pressão externa (ou uma mudança para o Capítulo VII da Carta da ONU — hipótese que, quando a sugeri em tom de brincadeira, levou os membros do Conselho a “explodirem”), o impasse que tem paralisado este dossier continuará indefinidamente. Ambas as partes são inflexíveis e contam com apoios sólidos.

A pressão seletiva em favor de Marrocos, como tenta esta resolução, não ajudará. Apenas levará as partes a endurecerem ainda mais. Marrocos procurará obter ainda mais apoios internacionais, enquanto a POLISARIO e a Argélia reforçarão a sua oposição.

Num contexto em que não existe respeito ou confiança mútuos, nenhuma das partes tem motivação para trabalhar em prol de uma solução. Se os EUA acabarem por acolher negociações e tentarem mediar um “acordo de compromisso” para somar à sua lista de conflitos resolvidos, os seus esforços cairão em ouvidos surdos.

Ambas as partes (ou três, se contarmos a Argélia, como Marrocos pretende) acreditam que as suas interpretações históricas, documentais e diplomáticas servem os seus interesses e sustentam as suas posições.

Marrocos continua a defender a sua “causa nacional” perante a sua população, cria factos no terreno, explora os recursos do território, incentiva a chegada de colonos e mostra-se desinteressado em negociações genuínas sem pré-condições — embora participe em reuniões formais que, como no passado, nunca conduzem a verdadeiras conversações.

A Frente POLISARIO, por seu lado, orgulha-se do reconhecimento, por parte de tribunais como o Tribunal Internacional de Justiça e a União Europeia, de que o Sahara Ocidental é uma entidade distinta de Marrocos, e acredita poder autogovernar-se e prosperar com base nos seus recursos — fosfatos, pesca, metais preciosos e turismo. Sem pressão da Argélia, a POLISARIO e os seus apoiantes entre o povo saharaui, que anseiam por decidir o seu próprio futuro, não têm qualquer incentivo para aceitar a proposta marroquina. Como um estudante refugiado me disse uma vez: “Por mais dura que seja a vida neste campo no deserto, é melhor do que beijar a mão do Rei.”

A Argélia, por sua vez, tem razões próprias para apoiar firmemente a busca da POLISARIO por um referendo e pela independência. Isso está em consonância com o seu próprio caminho para a independência — conquistada após anos de luta contra a França — e com o seu apoio histórico aos princípios universais de libertação nacional e autodeterminação.

Mais concretamente, apoiar um Sahara Ocidental independente ajuda a contrabalançar a retórica de certos setores da classe política marroquina que reivindicam o “Sahara Oriental”, ou seja, partes do deserto que historicamente pertenciam ao sultão, mas que foram atribuídas à Argélia pelos colonizadores franceses em 1934. A Argélia também pode querer manter Marrocos sob pressão na sua rivalidade pela supremacia regional e continental. Como o falecido presidente Boumediene terá dito: “Farei do Sahara uma pedra no sapato de Marrocos.”

A presença aberta de Israel em apoio a Marrocos nos últimos anos apenas reforça a determinação argelina.

O Conselho de Segurança, nesta conjuntura, tem pouca utilidade. Está demasiado dividido para fazer mais do que expressar apoio aos esforços do Enviado Pessoal. Alguns membros podem acreditar que a POLISARIO e a Argélia podem ser pressionadas a aceitar a proposta marroquina e que esta última resolução é um primeiro passo nesse sentido. A menos que já exista — ou venha a existir — algum acordo com a Argélia, tal é muito improvável. A Argélia não é conhecida por ceder a pressões nem por praticar uma diplomacia transacional.

Algumas sugestões sobre o caminho a seguir num dos conflitos mais longos do mundo
Não me atrevo a recomendar cursos de ação ao Enviado Pessoal, já que deixei este dossier há nove anos e ele conhece melhor do que eu o que é ou não possível hoje. No entanto, deixo três reflexões gerais:

Primeiro, aqueles que hoje chamamos de “influenciadores” deveriam trabalhar para envolver as gerações mais jovens dos três povos — do Sahara Ocidental, de Marrocos e da Argélia — na construção de pontes de compreensão e respeito mútuo, através de intercâmbios que recuperem a fluidez de comunicação que existia entre marroquinos e argelinos nos tempos do rei Hassan e que entretanto desapareceu. A previsão de Steve Witkoff de que Argélia e Marrocos normalizariam as suas relações em sessenta dias é, receio, uma fantasia. Este objetivo deve ser abordado com sensibilidade e paciência.

Segundo, as partes devem ser encorajadas, mesmo nesta fase inicial, a refletir sobre como as duas metades da população saharaui — nos campos de refugiados e no território — podem participar na definição do seu futuro. Sem a sua participação ativa, nenhum acordo poderá ser estável, duradouro e justo. Com demasiada frequência, analistas, sobretudo em Marrocos e nos EUA, afirmam que cabe apenas à Argélia e a Marrocos encontrar uma solução, passando por cima do povo saharaui. Isso não deve — e não pode — acontecer.

Terceiro, mesmo nesta fase inicial, deve pensar-se que tipo de garantias internacionais poderiam ser implementadas para qualquer acordo que venha a ser alcançado. Na ausência de confiança mútua, essas garantias serão cruciais para incentivar as partes a avançar e garantir que o acordo seja estável e duradouro.

Em suma, tanto o conflito do Sahara Ocidental como as más relações entre Marrocos e Argélia exigem uma gestão ativa para evitar que as tensões se transformem em ameaças graves à paz e à estabilidade. Pouco mais pode ser feito a curto prazo. Aqui, a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) tem um papel útil a desempenhar. Neste momento, porém, o Conselho — ao ter abraçado a proposta marroquina — não o tem.



Christopher Ross foi diplomata norte-americano durante mais de 20 anos, tendo servido em Tripoli, Fez e Argel. Foi Enviado Pessoal do Secretário-Geral das Nações Unidas para o Sahara Ocidental entre 2009 e 2017.

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