A mais recente resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o Sahara Ocidental representa um retrocesso no processo de paz, alerta o ex-Enviado Pessoal do SG das Nações Unidas Christopher Ross num artigo publicado no sítio do "International Centre for Dialogue Initiatives» . Segundo o diplomata norte-americano, o texto impulsionado pelos Estados Unidos favorece a posição de Marrocos e ameaça minar décadas de esforços pela autodeterminação saharaui.
Ross, que mediou o dossier entre 2009 e 2017, considera que a resolução de 31 de outubro, inspirada no reconhecimento de Donald Trump da soberania marroquina sobre o território, rompe o equilíbrio tradicional da ONU e enfraquece o papel da MINURSO. O ex-enviado alerta que, sem pressão internacional equilibrada e sem envolvimento direto do povo saharaui, o impasse político e o risco de instabilidade entre Marrocos e Argélia tenderão a agravar-se.
7 de novembro de
2025
Christopher Ross
A resolução que o Conselho de
Segurança das Nações Unidas adotou em 31 de outubro sobre o
conflito do Sahara Ocidental, que já dura há 50 anos, representa um
retrocesso, apesar das alegações em contrário dos seus
defensores.
Desde 2007, em todas as resoluções, o
Conselho tem apelado ao Secretário-Geral e ao seu Enviado Pessoal
para que “ajudem as partes a alcançar uma solução política
justa, duradoura e mutuamente aceitável, que preveja a
autodeterminação do povo do Sahara Ocidental”. No entanto, para
além de exortar as partes a negociarem de boa-fé e sem condições
prévias, o Conselho nunca forneceu orientações concretas. Essas
têm sido deixadas ao critério das partes, sob a égide do
Secretário-Geral e do seu Enviado Pessoal.
Ambiguidade
sobre a soberania marroquina e a autodeterminação saharaui
Desta
vez, os Estados Unidos, enquanto penholder (isto é, líder das
negociações) sobre o Sahara Ocidental, decidiram tentar usar esta
nova resolução para forçar progressos em linha com o
reconhecimento, por Donald Trump, em dezembro de 2020, da soberania
de Marrocos sobre o território. Assim, no seu primeiro esboço,
apelavam às partes para negociarem a partir da proposta marroquina
de abril de 2007 — que previa uma autonomia sob soberania
marroquina —, qualificando-a como “a solução mais
viável”.
Contudo, o texto não chegou a afirmar
explicitamente que Marrocos tem soberania sobre o território e, tal
como todas as resoluções anteriores (que reafirmava no preâmbulo),
manteve a exigência de autodeterminação. Ainda assim, em nenhum
momento mencionou a proposta simultânea da Frente POLISARIO, que
previa a realização de um referendo incluindo a opção da
independência e de relações próximas com Marrocos caso essa opção
fosse escolhida.
Este projeto de resolução desencadeou
intensas divergências entre os membros do Conselho. A Rússia
opôs-se à tentativa dos EUA de usar o texto para apoiar a sua
posição nacional sobre o conflito, e vários membros criticaram o
seu caráter fortemente desequilibrado. Muitos também se opuseram à
proposta de reduzir o mandato da MINURSO de um ano para seis meses.
Rejeitaram o argumento americano de que tal aumento de pressão
facilitaria um acordo e insistiram na importância de preservar a
capacidade da MINURSO de monitorizar o cessar-fogo e a situação no
terreno em nome do Conselho.
A Argélia, dentro do
Conselho, e a Frente POLISARIO, fora dele, condenaram a omissão de
qualquer referência à proposta da POLISARIO.
Durante as
negociações, os EUA introduziram várias revisões, sendo a mais
importante a reformulação da referência à proposta marroquina —
que passou a ser “uma das soluções mais viáveis” (a most
feasible solution), em vez de “a mais viável” (the most
feasible) —, bem como a extensão do mandato da MINURSO por mais um
ano. Estas e outras pequenas alterações bastaram para evitar um
veto.
A resolução acabou por ser adotada, apesar do seu
desequilíbrio, com os votos favoráveis dos EUA, França, Reino
Unido e oito membros não permanentes, e as abstenções da Rússia,
China e Paquistão. A Argélia não votou. O representante permanente
da Rússia, ao explicar a abstenção, comentou ironicamente esperar
que a “carga de cowboys” americana, ao impulsionar a proposta
marroquina de autonomia, não levasse a um aumento das tensões
regionais.
Uma oportunidade inédita para a paz
duradoura no Sahara Ocidental?
Para onde nos leva então
esta resolução? Ela saúda “a iniciativa do Enviado Pessoal de
reunir as partes para aproveitar o momento e esta oportunidade sem
precedentes para uma paz duradoura” (sic) e expressa “apreço aos
Estados Unidos pela sua disponibilidade em acolher
negociações”.
Será instrutivo observar como reagirão
a POLISARIO e a Argélia a um apelo a novas reuniões presenciais
nestas circunstâncias. É provável que participem, especialmente se
Marrocos aliviar a pressão para que a Argélia seja o seu único
interlocutor neste dossier e se os EUA acolherem as
conversações.
Dito isto, os respetivos papéis do
Enviado Pessoal e dos EUA em qualquer reunião futura permanecem por
esclarecer. Seja como for, as posições das partes continuarão
inflexíveis.
O que poderão fazer os membros individuais
do Conselho — e outros, como a Espanha — para ajudar o Enviado
Pessoal a romper este impasse? E o que poderá ele fazer para
organizar verdadeiras negociações sem pré-condições, quando
Marrocos insiste em limitar as discussões à sua proposta de
autonomia como condição prévia, agora com a bênção do
Conselho?
A resposta simples, em ambos os casos, é: muito
pouco.
Sem forte pressão externa (ou uma mudança para o
Capítulo VII da Carta da ONU — hipótese que, quando a sugeri em
tom de brincadeira, levou os membros do Conselho a “explodirem”),
o impasse que tem paralisado este dossier continuará
indefinidamente. Ambas as partes são inflexíveis e contam com
apoios sólidos.
A pressão seletiva em favor de Marrocos,
como tenta esta resolução, não ajudará. Apenas levará as partes
a endurecerem ainda mais. Marrocos procurará obter ainda mais apoios
internacionais, enquanto a POLISARIO e a Argélia reforçarão a sua
oposição.
Num contexto em que não existe respeito ou
confiança mútuos, nenhuma das partes tem motivação para trabalhar
em prol de uma solução. Se os EUA acabarem por acolher negociações
e tentarem mediar um “acordo de compromisso” para somar à sua
lista de conflitos resolvidos, os seus esforços cairão em ouvidos
surdos.
Ambas as partes (ou três, se contarmos a Argélia,
como Marrocos pretende) acreditam que as suas interpretações
históricas, documentais e diplomáticas servem os seus interesses e
sustentam as suas posições.
Marrocos continua a defender
a sua “causa nacional” perante a sua população, cria factos no
terreno, explora os recursos do território, incentiva a chegada de
colonos e mostra-se desinteressado em negociações genuínas sem
pré-condições — embora participe em reuniões formais que, como
no passado, nunca conduzem a verdadeiras conversações.
A
Frente POLISARIO, por seu lado, orgulha-se do reconhecimento, por
parte de tribunais como o Tribunal Internacional de Justiça e a
União Europeia, de que o Sahara Ocidental é uma entidade distinta
de Marrocos, e acredita poder autogovernar-se e prosperar com base
nos seus recursos — fosfatos, pesca, metais preciosos e turismo.
Sem pressão da Argélia, a POLISARIO e os seus apoiantes entre o
povo saharaui, que anseiam por decidir o seu próprio futuro, não
têm qualquer incentivo para aceitar a proposta marroquina. Como um
estudante refugiado me disse uma vez: “Por mais dura que seja a
vida neste campo no deserto, é melhor do que beijar a mão do
Rei.”
A Argélia, por sua vez, tem razões próprias
para apoiar firmemente a busca da POLISARIO por um referendo e pela
independência. Isso está em consonância com o seu próprio caminho
para a independência — conquistada após anos de luta contra a
França — e com o seu apoio histórico aos princípios universais
de libertação nacional e autodeterminação.
Mais
concretamente, apoiar um Sahara Ocidental independente ajuda a
contrabalançar a retórica de certos setores da classe política
marroquina que reivindicam o “Sahara Oriental”, ou seja, partes
do deserto que historicamente pertenciam ao sultão, mas que foram
atribuídas à Argélia pelos colonizadores franceses em 1934. A
Argélia também pode querer manter Marrocos sob pressão na sua
rivalidade pela supremacia regional e continental. Como o falecido
presidente Boumediene terá dito: “Farei do Sahara uma pedra no
sapato de Marrocos.”
A presença aberta de Israel em
apoio a Marrocos nos últimos anos apenas reforça a determinação
argelina.
O Conselho de Segurança, nesta conjuntura, tem
pouca utilidade. Está demasiado dividido para fazer mais do que
expressar apoio aos esforços do Enviado Pessoal. Alguns membros
podem acreditar que a POLISARIO e a Argélia podem ser pressionadas a
aceitar a proposta marroquina e que esta última resolução é um
primeiro passo nesse sentido. A menos que já exista — ou venha a
existir — algum acordo com a Argélia, tal é muito improvável. A
Argélia não é conhecida por ceder a pressões nem por praticar uma
diplomacia transacional.
Algumas sugestões sobre o
caminho a seguir num dos conflitos mais longos do mundo
Não
me atrevo a recomendar cursos de ação ao Enviado Pessoal, já que
deixei este dossier há nove anos e ele conhece melhor do que eu o
que é ou não possível hoje. No entanto, deixo três reflexões
gerais:
Primeiro, aqueles que hoje chamamos de
“influenciadores” deveriam trabalhar para envolver as gerações
mais jovens dos três povos — do Sahara Ocidental, de Marrocos e da
Argélia — na construção de pontes de compreensão e respeito
mútuo, através de intercâmbios que recuperem a fluidez de
comunicação que existia entre marroquinos e argelinos nos tempos do
rei Hassan e que entretanto desapareceu. A previsão de Steve Witkoff
de que Argélia e Marrocos normalizariam as suas relações em
sessenta dias é, receio, uma fantasia. Este objetivo deve ser
abordado com sensibilidade e paciência.
Segundo, as
partes devem ser encorajadas, mesmo nesta fase inicial, a refletir
sobre como as duas metades da população saharaui — nos campos de
refugiados e no território — podem participar na definição do
seu futuro. Sem a sua participação ativa, nenhum acordo poderá ser
estável, duradouro e justo. Com demasiada frequência, analistas,
sobretudo em Marrocos e nos EUA, afirmam que cabe apenas à Argélia
e a Marrocos encontrar uma solução, passando por cima do povo
saharaui. Isso não deve — e não pode — acontecer.
Terceiro,
mesmo nesta fase inicial, deve pensar-se que tipo de garantias
internacionais poderiam ser implementadas para qualquer acordo que
venha a ser alcançado. Na ausência de confiança mútua, essas
garantias serão cruciais para incentivar as partes a avançar e
garantir que o acordo seja estável e duradouro.
Em suma,
tanto o conflito do Sahara Ocidental como as más relações entre
Marrocos e Argélia exigem uma gestão ativa para evitar que as
tensões se transformem em ameaças graves à paz e à estabilidade.
Pouco mais pode ser feito a curto prazo. Aqui, a Missão das Nações
Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) tem um papel
útil a desempenhar. Neste momento, porém, o Conselho — ao ter
abraçado a proposta marroquina — não o tem.
Christopher
Ross foi diplomata norte-americano durante mais de 20 anos, tendo
servido em Tripoli, Fez e Argel. Foi Enviado Pessoal do
Secretário-Geral das Nações Unidas para o Sahara Ocidental entre
2009 e 2017.


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