sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Estará o fim do conflito no Sahara Ocidental próximo? EUA e Rússia apoiam Horst Köhler





O fim do conflito no Sahara Ocidental está finalmente chegando? É algo que não se pode adivinhar. O que podemos saber é que os eventos se aceleraram desde a decisão europeia de 21 de dezembro de 2016. O novo enviado pessoal para o Sahara Ocidental, Horst Köhler, nomeado meses depois dessa sentença ter sido proferida, imprimiu uma nova dinâmica que desencadeou a pânico no Makhzen de Marrocos que vê, impotente, como está perdendo sucessivas batalhas diplomáticas na luta para se impor neste conflito. A última é ver como os EUA e a Rússia ignoram as ameaças marroquinas e apoiam a retomada das negociações diretas entre Marrocos e a Frente Polisario para acabar com o conflito. @ Desdelatlantico.

Artigo do Prof. Carlos Ruiz Miguel, Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela.


I. UMA NOVA DINÂMICA DESDE 21 DE DEZEMBRO DE 2016
Como escrevi neste blog no dia seguinte ao proferido, a sentença da Grande Câmara do Tribunal de Justiça de 21 de dezembro de 2016 foi uma "vitória judicial histórica para o Sahara Ocidental na União Europeia".

O motivo é muito simples. Após o ataque de 11-M de 2004, Marrocos conseguiu enterrar o "Plano Baker" e congelar o processo de paz da ONU. Em 2007, houve uma aparente tentativa de reativar o processo de paz por meio de negociações diretas, mas num contexto em que o objetivo real era fazer com que a Frente Polisario claudicasse. Neste contexto, realizaram-se conversações diretas entre Marrocos e a Frente Polisario em Manhasset (2007-2008).

Desde então, Marrocos negligenciou qualquer outra coisa que não fosse a anexação do território.
Esta política foi mortalmente ferida pela decisão do Tribunal da União Europeia, que afirmou claramente que Marrocos não tem soberania sobre o Sahara Ocidental e não pode concluir tratados que incluam este território.


II. KÖHLER, ENVIADO PESSOAL DA ONU PARA O SAHARA OCIDENTAL DESDE AGOSTO DE 2017 IMPRIME UMA NOVA DINÂMICA
Em agosto de 2017, Horst Köhler, ex-presidente da Alemanha, foi oficialmente nomeado como o novo enviado pessoal do Secretário Geral da ONU para o Sahara Ocidental. Ele substituiu o diplomata americano Christopher Ross, que se deparou com a total oposição de Marrocos ao seu trabalho, sem que o Conselho de Segurança apoiasse seus esforços com força suficiente.
Desde o primeiro momento, Köhler imprimiu a sua marca com duas iniciativas que Marrocos tentou, sem sucesso, contrapor. Essas duas iniciativas responderam a uma lógica realista:

1) a ocupação marroquina do Sahara Ocidental teve em vista a exploração económica do território para fazer negócios, principalmente com a União Europeia

2) Marrocos entrou (não "retornou") à União Africana em janeiro de 2017, aceitando a Carta da UA que obriga a respeitar a soberania dos Estados-Membros ... entre os quais a República Saharaui.


O REALISTA em política era, portanto, envolver a UE e a UA na gestão do conflito do Sahara Ocidental. E assim ele o fez. Embora Marrocos se opusesse a este tipo de iniciativa, Köhler manteve a sua política como o primeiro enviado pessoal a tratar com funcionários da UE e da UA sobre o tema.



III. A RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA DE ABRIL DE 2018 MUDA A TENDÊNCIA SEGUIDA DESDE 2008
A resolução 2414 do Conselho de Segurança, de 27 de abril de 2018, representou uma reviravolta na política seguida pelo Conselho desde 2008. Como disse neste blog, Marrocos fracassou ao tentar provocar uma tensão artificial para impedir que os propósitos da Köhler fossem por diante. Marrocos, longe de impedir um novo apelo a negociações diretas com a Frente Polisario, recebeu o impacto de uma resolução que exortava a que as negociações fossem aceleradas ao ver reduzida para metade (6 meses) a extensão do mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo do Sahara Ocidental (MINURSO).

Se desde 2008 o Conselho de Segurança, dominado pelos aliados da política do Makhzen, estendia o mandato da MINURSO um ano com apelos retóricos à negociação, em 2018 a extensão foi reduzida para 6 meses e com um aviso muito sério feito pelos EUA na explicação do seu voto, algo deveras importante quando foram eles os próprios redatores do texto final aprovado... o qual foi emendado de acordo com a Rússia.


IV. KÖHLER SE MOBILIZA E O MAKHZEN AMEAÇA... EM VÃO
Poucas semanas após a aprovação da resolução 2414, Köhler organizou uma viagem pela região viajando para Marrocos, Argélia, Mauritânia e Sahara Ocidental, território que visitou em junho deslocando-se a El Aaiún, Villa Cisneros (Dakhla) e Smara.

Para surpresa geral, na programação do Conselho de Segurança de agosto, a presidência britânica anunciou uma intervenção de Köhler, a 8 de agosto, solicitada pelo próprio enviado pessoal.

Dois dias antes, a 6 de agosto, o embaixador marroquino na ONU escreveu uma surpreendente carta ao presidente do Conselho de Segurança, na qual considerava que Köhler estava a precipitar-se e que ele estava fazendo uma leitura estranha dos "parâmetros" a que se deviam cingir as negociações exigidas pelo Conselho de Segurança. Vale a pena citar dois pontos da sua argumentação:

1) Dizia que a proposta marroquina apresentada por Marrocos em 2007 devia ter "preeminência" sobre a proposta da Frente Polisario apresentada na mesma data ;
2) Dizia que a Argélia devia ser "parte" nas negociações.

V. KÖHLER E O CONSELHO DE SEGURANÇA IGNORAM AS AMEAÇAS MARROQUINAS
A 8 de agosto, Köhler comparece perante o Conselho de Segurança. Mas como foi revelado por um digital marroquino, não sem antes se encontrar com John Bolton, o Conselheiro de Segurança Nacional do presidente Donald Trump. Parece haver pouca dúvida de que Köhler e Bolton coordenaram a sua atuação.

Como o presidente do Conselho revelou após a reunião, Köhler anunciou que iria enviar em Setembro convites formais às partes (Marrocos e Frente Polisario) e aos Estados observadores vizinhos (Argélia, Mauritânia, Espanha?) para encetar negociações diretas no final do ano. Isso significa que Köhler, apoiado pelos EUA, ignorou completamente as interpretações do embaixador marroquino sobre a legalidade internacional.

VI. E A RÚSSIA REMATA A OPERAÇÃO
Quando o Makhzen de Marrocos emergia ainda da sua comoção, talvez confundindo as estranhas leituras da legalidade internacional do seu embaixador com a realidade da legalidade internacional, a operação projetada por Köhler recebe um elogio definitivo.
Ontem, 15 de agosto, festa de Nossa Senhora da Assunção, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, assestou um golpe final. Numa declaração para a imprensa divulgada pela Sputnik, disse:

"Notamos com satisfação que o enviado do Secretário-Geral da ONU, o ex-presidente alemão Sr. [Horst] Köhler está ativando os esforços para promover o processo de paz relançando as negociações diretas sem pré-condições entre os dois protagonistas com a participação dos vizinhos Argélia e Mauritânia como observadores ".

VII. PERGUNTAS QUE SERÃO EM BREVE ESCLARECIDAS
1) Que posição assumirá a diplomacia do novo Presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez Pérez-Castejón?

2) A nova invasão de imigrantes permitida pelas autoridades marroquinas foi a tentativa de pressionar a Espanha a apoiar Marrocos neste novo cenário?

3) A França vai apoiar desta vez o Makhzen opondo-se aos EUA, Rússia ... e Alemanha (pátria de Köhler)?

4) Será que o Makhzen vai conseguir impedir a retomada das negociações diretas entre Marrocos e a Frente Polisario para resolver de uma vez por todas o conflito no Sahara Ocidental?




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