quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Aminatou Haidar: "No Sahara Ocidental, a guerra é vista como a única saída"

Aminatou Haidar. — © Right Livelihood Foundation

 

O conflito no Sahara Ocidental reacendeu-se após décadas de uma calmaria precária. A ativista Aminatou Haidar alerta para o desespero dos saharauis que vêm a independência a esvair-se.

 

“No preciso momento em que lhe falo, um carro preto está estacionado à frente da minha casa. A polícia marroquina tem-me seguido por toda parte há semanas”. Ao telefone, Aminatou Haidar tem a voz cansada de uma ativista que passou os últimos trinta anos defendendo a sua gente. Os saharauis desesperam por conquistar a independência de Marrocos, que controla três quartos do Sahara Ocidental. Nos últimos dois anos, cerca de uma dezena de países abriram consulados no território disputado, reconhecendo assim a soberania do Marrocos.

Assoreado no esquecimento há quase três décadas, o conflito entre o Marrocos e a Frente Polisario acaba de se reacender. Em 13 de novembro, o exército marroquino entrou na zona tampão de Guerguerat entre o Sahara Ocidental e a Mauritânia. Os soldados expulsaram os manifestantes saharauis que bloqueavam a passagem da fronteira desta estrada que permite a Marrocos chegar aos países da África Ocidental.

Desde então, as tropas marroquinas empenham-se em proteger este eixo estratégico. Pretendem estender até a fronteira com a Mauritânia o paredão de areia de 2.700 quilómetros que construíram na década de 1980 para evitar as incursões da Polisario. Marrocos justificou a sua operação pela presença de viaturas militares Polisario entre os militantes na fronteira com a Mauritânia.

 

"Ataque à soberania nacional"

Por sua vez, a Polisario denunciou a violação do acordo de cessar-fogo concluído em 1991 e anunciou o recomeço da guerra contra Marrocos. Dada a vastidão do teatro de operações, é impossível verificar como essas declarações de guerra estão sendo efetivadas no terreno. “Marrocos reforçou a sua presença militar e policial”, testemunha Aminatou Haidar, desde Laâyoune (El Aiún), principal cidade do Sahara Ocidental.

A ativista viu, mais uma vez, o laço se apertar em seu redor. O detonador foi a criação, no final de setembro, de uma nova ONG, "a Instância Saharaui contra a Ocupação Marroquina" (ASCOM) [a que preside]. Em 29 de setembro, a procuradoria marroquina anunciou a abertura de uma investigação sobre o "ataque à soberania nacional". “Mas nenhum fundador da ONG foi convocado ou ouvido”, afirma surpresa Aminatou Haidar. Na semana passada, ela foi impedida de embarcar num avião para se afastar um pouco para as Ilhas Canárias. "Fui o único passageiro que teve de passar por um teste covid-19 e, por coincidência, deu positivo, embora eu não tenha quaisquer sintomas." A imprensa marroquina, por sua vez, vilipendiou a pretensa irresponsabilidade do saharaui, que poderia ter contaminado um avião inteiro.

Qual ligação entre o tratamento dado à ativista e os acontecimentos recentes na fronteira com a Mauritânia? "O ponto comum é o desespero dos saharauis", responde Aminatou Haidar. “Os saharauis não veem outra saída senão a guerra. Não tenho palavras para dissuadir os jovens de pegar em armas ”, lamenta a ativista, apelidada de Gandhi Saharaui pela sua luta incansável e não violenta. Em 2019, recebeu o prémio Right Livelihood Foundation, considerado o Prémio Nobel da Paz Alternativo.

 

Quatro anos em segredo

Em 1987, Aminatou Haidar tinha 20 anos, quando foi encarcerada no maior segredo por Marrocos, juntamente com dezenas de outros activistas saharauis. “Minha família não sabia se eu estava viva ou morta. Ninguém se atrevia a fazer a pergunta, diz ela. Esses quatro anos de inferno e sofrimento abriram os meus olhos para o destino do Sahara Ocidental. Jamais desistirei de reivindicar os nossos direitos, devo isso aos meus companheiros que morreram na prisão ”.

Em 1991, Marrocos e a Polisario chegaram a um acordo de cessar-fogo e foi criada uma força da ONU, com a missão de realizar um referendo sobre a autodeterminação. Aminatou Haidar é então libertada e o momento é de otimismo. Quase trinta anos depois, o referendo ainda não se realizou. A sua realização esbarra na questão crucial de quem pode participar, uma vez que muitos marroquinos já se estabeleceram no Sahara Ocidental. “É uma questão de vontade política”, argumenta Aminatou Haidar. O Conselho de Segurança da ONU está paralisado pela França, que apoia o Marrocos. " A ameaça do reatamento do conflito fará mudar as posições?

 

Artigo publicado no Le Temps, diário suíço publicado em Lausane, Suíça

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