sábado, 6 de dezembro de 2025

Certificação GMP+ permite entrada de peixe capturado no Sahara Ocidental ocupado na cadeia europeia de alimentação aquícola

Peixe capturado por frotas marroquinas nas águas ocupadas do Sahara Ocidental pode estar a entrar legalmente na cadeia europeia de alimentação para aquacultura através de rações certificadas pela GMP+, um dos principais esquemas internacionais de garantia de segurança e sustentabilidade na produção de alimentos para animais. A organização, sediada nos Países Baixos, admite que não verifica nem considera as implicações legais e políticas da exploração de recursos num território que a ONU e múltiplas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) afirmam não pertencer a Marrocos.

Desde o início dos anos 2000, Marrocos desenvolveu no Sahara Ocidental uma vasta indústria de transformação de pequenos pelágicos em óleo e farinha de peixe destinados à exportação. O produto chega sobretudo à Europa e à Turquia, onde é utilizado na alimentação de peixe de viveiro. No porto de El Aaiún, uma dúzia de fábricas assegura uma atividade avaliada em milhões de euros por ano — sem consentimento do povo saharaui, legalmente reconhecido como titular dos recursos naturais do território.

O Tribunal de Justiça da UE tem reiterado, em dez acórdãos desde 2015, que o Sahara Ocidental é “separado e distinto” de Marrocos e que nenhum acordo comercial ou pesqueiro se pode aplicar ao território sem o consentimento do povo saharaui. A jurisprudência determina também que produtos provenientes do Sahara Ocidental não podem ser rotulados como marroquinos. Ainda assim, empresas marroquinas a operar no território continuam a receber certificação GMP+ e a ser listadas no registo oficial da organização como estando localizadas em Marrocos.

A GMP+ afirma que o seu âmbito se limita à segurança alimentar e a critérios internos de sustentabilidade, considerando que questões sobre autodeterminação, legalidade das licenças de pesca ou soberania territorial estão fora do seu mandato. Questionado pelo Western Sahara Resource Watch (WSRW)[Observatérios dos Recursos do Sahara Ocidental], a entidade argumentou que depende das informações fornecidas pelas próprias empresas e dos organismos de certificação contratados, alguns dos quais — como a TÜV Rheinland ou a Bureau Veritas — também declinam avaliar o enquadramento jurídico do território.

A falta de verificação tem permitido que empresas registadas em Marrocos, mas que operam no Sahara Ocidental ou utilizam matéria-prima capturada nas suas águas, sejam certificadas sem correção das informações sobre a origem geográfica. O WSRW identificou 15 instalações a operar no território ocupado registadas na base de dados da GMP+ como sediadas em Marrocos, incluindo novas certificações atribuídas já após acórdãos do TJUE de 2024 que reforçaram a obrigatoriedade de rotulagem correta.

A preocupação aumenta porque o próprio esquema da GMP+ prevê mecanismos de controlo contra fraude alimentar e declara explicitamente que falsas indicações de origem constituem risco grave. Ainda assim, a organização não clarifica que legislação considera aplicável ao caso — a marroquina ou a reconhecida pelo direito internacional — nem que medidas de supervisão aplica às cadeias de abastecimento que incluem matéria-prima do Sahara Ocidental.




A decisão recente do Aquaculture Stewardship Council (ASC), que anunciou a suspensão de certificações no Sahara Ocidental até à conclusão do processo de autodeterminação ou até poder realizar verificações de direitos humanos, contrasta com a posição da GMP+. Várias empresas certificadas pela GMP+ não responderam às solicitações doa WSRW, aumentando dúvidas sobre transparência e conformidade legal.

Enquanto toneladas de óleo e farinha de peixe são exportadas para alimentar a aquacultura europeia, organizações humanitárias da ONU continuam a alertar para a desnutrição crescente nos campos de refugiados saharauis. Para o WSRW, a certificação GMP+ no território ocupado permite que produtos resultantes de pescarias consideradas ilegais pelo TJUE circulem na Europa com o selo de “segurança” e “responsabilidade” — apesar de violarem o direito internacional e de poderem constituir rotulagem enganosa.

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