Ver os anteriores antigos:
Diego Camacho López-Escobar, o autor do artigo, é coronel do
Exército espanhol, diplomado em Operações Especiais, licenciado em Ciências
Políticas e membro da Comissão Diretiva da APPA (Asociación para el Progreso de
los Pueblos de África).
Realizou diversas missões de Inteligência e Cooperação na
Guiné Equatorial, Costa Rica, Marrocos e França. É co-autor com Fernando J.
Muniesa do livro: “La España otorgada” (Anroart Ediciones, 2005). Pertenceu à
direção do Centro Superior de Información de la Defensa (CESID) (Serviços
Secretos do Estado espanhol). Ver
entrevista neste blog.
Fonte: Espacios
Europeos
A estratégia de Kissinger, adotada pelo Presidente Gerald
Ford, com o passar do tempo, revelou-se errada em relação a Marrocos. As
previsões sobre a hegemonia alauita no Magrebe falharam graças ao espírito de
resistência demonstrado pelos homens do deserto. A guerra tornou-se um bloco de
chumbo para o desenvolvimento do país, uma vez que o país teve de dedicar uma
grande quantidade de recursos para manter a ocupação militar, sem que tenha conseguido
o controlo de todo o território. A Frente Polisário conta com uma parte do
território libertado da ocupação marroquina, o que lhe concede um estatuto internacional
importante face à manutenção do seu direito.
O sultão, por seu lado, explora os recursos económicos do
território sem que seja notado que isso reverta para o bem-estar do povo
saharaui e teve que construir um muro, testemunho da sua ilegal conquista. O muro
é a mais clara demonstração do fracasso da invasão marroquina e das políticas
de integração subsequentes.
J.F.K. disse, durante sua visita a Berlim em 1963,
referindo-se ao muro construído na RDA, "Eu sou um berlinense ... é uma
ofensa não só à história, mas a toda a humanidade; porque separa famílias,
divide maridos e esposas, irmãos e irmãs; e divide um povo que deseja reunificar-se".
A existência desse muro torna ainda mais ridícula a proposta
do Sultanato de conceder algo que não lhe pertence, uma «ampla» autonomia a um
povo que se viu privado do seu direito pela força. Se Kennedy viajasse hoje ao
Sahara também teria que dizer "eu sou um saharaui".
Em 1975, os norte-americanos também pensaram que uma pequena
população nómada, territorialmente absorvida por Marrocos, com a mesma religião
e cultura, seria integrada no reino sem maiores problemas, se não na primeira
geração, pelo menos na segunda. Hoje, podemos afirmar que tanto as políticas de
colonização como as de integração, formuladas por Hassan II, falharam e
tornaram-se em meras políticas de repressão política e tortura. A razão é muito
simples, os marroquinos nunca tiveram em mente a geminação com seus vizinhos do
sul, mas apenas a posse do seu território e o seu domínio. Essa cegueira étnica
de Rabat terá sido uma das principais causas de resistência dos saharauis ao
sultão. Por isso a proposta marroquina de conceder ao Sahara uma ampla
soberania não é credível, ao ser ditada pelas circunstâncias e ser, além disso,
incompatível com o sistema de poder absoluto de que desfruta o nosso vizinho.
Mas, acima de tudo, a sua concessão é inviável porque nem Mohamed
VI nem o seu país têm soberania sobre o Sahara e qualquer um de nós pode
entender que não se pode dar aquilo que não é seu, no máximo, pode apoderar-se com
o argumento da força, mas nada mais.
Controlada pelo lobby marroquino, uma vez mais, a política
externa espanhola torna-se patética, empenhando-se em apadrinhar uma solução
que só seria possível se os saharauis livremente a desejassem, mas não a troco
de não celebração do referendo de autodeterminação.
Hassan II e os Reis de Espanha |
As razões geoestratégicas que, em boa medida, aconselharam a
"Marcha Verde" também desapareceram: em primeiro lugar, a hipótese que
parecia mais perigosa, que tinha a ver com a instabilidade política em Espanha
e Portugal não ocorreu; os dois países concluíram a sua transição política com
a sua entrada na CEE e a sua incorporação nas organizações de defesa europeias.
Em segundo lugar, o fim da Guerra Fria deixa sem sentido beneficiar militarmente
um país do Magrebe, em detrimento dos seus vizinhos, em vez de se buscar o
equilíbrio regional através do entendimento político, a cooperação económica e o
livre acesso às matérias-primas existentes. Finalmente, hoje, o cenário mais
perigoso não reside num país ou noutro tornar-se hegemónico na região, mas no ascenso
e fortalecimento do integrismo fundamentalista islâmico e, este não aparece por
geração espontânea, mas pelo fracasso das políticas económicas e sociais implementadas
pelos diferentes regimes do Magrebe. Só uma modernização estrutural nestes
países pode permitir uma distribuição mais justa da riqueza que permita desenvolver
reformas políticas e sociais tendentes a uma maior participação dos cidadãos e que
permita estabelecer um horizonte de esperança vital e sustentável. Caso
contrário, o integrismo fundamentalista torna-se a única opção que resta a uma
grande massa de pessoas que vivem no norte do Sahara.
A situação atual recomenda ajuda à modernização do Magrebe por
parte dos países desenvolvidos num quadro de cooperação regional e não de confrontação
bilateral. Colocar a ênfase na democratização desses países, como um imperativo
categórico, é um erro já que o Alcorão é, além de uma doutrina, um guia de
comportamento social; razão pela qual, neste momento histórico, a democracia
não é viável na maioria dos países do Norte de África. Cada nação deve ser
capaz de encontrar o seu próprio caminho seguindo as pautas da partilha, da
solidariedade e da cooperação, mas sem impedir as crenças religiosas de
ninguém.
Se a política auspiciada pelos EUA se baseava na defesa dos
seus interesses no Mediterrâneo e, em última instância, em assegurar o apoio
militar e logístico a Israel. A política externa francesa tinha por objetivo preservar
a sua influência no Magrebe através da sua ação externa em Marrocos, Tunísia e
Mauritânia. O primeiro desses três países era o único que tinha condições
geográficas para deter as aspirações argelinas de acesso ao Atlântico. A manutenção
da sua influência, uma vez as aspirações da Argélia frustradas, consistia em ver
o seu papel de árbitro reconhecido na região, facto que era possível se retirasse
as decisões sobre a descolonização do Sahara à última potência administrante:
Espanha. E graças, também, à sua qualidade de membro permanente do Conselho de
Segurança da ONU.
Em 1975, Espanha viu-se apanhada no meio de uma tenaz. Por
um lado, a sua situação política interna não a tornavam um aliado confiável
para preservar os interesses dos EUA no Médio Oriente; por outro lado, o nosso
vizinho do norte não equacionava a possibilidade de pôr em perigo a sua
influência regional a ponto de reforçar o nosso Estado e a nossa reputação internacional.
A nossa debilidade externa,
ao contrario, beneficiava-o.
A abdicação das responsabilidades de descolonização por
parte do último governo da ditadura, tinha uma causa moral profunda e era o
resultado da cobardia de uma classe dirigente insegura do seu futuro e incapaz
de fazer valer a legitimidade conferida pelo cumprimento do Direito
Internacional, onde residia a sua força e o seu maior ativo para negociar com
os EUA, com a França e também com a ONU.
O Presidente de Portugal na cerimónia do 10º aniversário da independência de Timor-Leste |
É interessante comparar o caso do Sahara com outro coincidente
no tempo, o de Timor-Leste. A Indonésia, com uma população de cerca de 100
milhões de pessoas e o principal aliado dos EUA no Sudeste Asiático, tenta apoderar-se
da colónia portuguesa que estava ainda por descolonizar. Portugal, localizado a
vários milhares de quilómetros, com uma transição política muito delicada e uma
situação económica precária, foi capaz de garantir a independência de Timor e impedir
a ambição territorial do novo aspirante a colonizador, preservar o Direito internacional
e pôr a salvo a sua reputação internacional.
A abdicação de responsabilidades políticas pelos mais altos
cargos na organização do Estado espanhol, independentemente das suas ideologias,
foi generosamente recompensada pelo sultão de Marrocos na forma de dinheiro,
poder, ou ambas ao mesmo tempo. À custa, é claro, do prestígio internacional da
nossa nação e, do que é mais importante, da vida de vários milhares de nómadas.
A classe política emergente não foi melhor, apesar da posição inicial do PSOE a
favor da autodeterminação dos saharauis, a diplomacia espanhola foi gradualmente
se distanciando destes e assumindo, com o patrocínio francês, não só as teses favoráveis
a Rabat mas, por vezes, condescendendo com as violações dos direitos humanos,
como quando permitiu a entrada em Espanha de Aminetu Haidar, a quem havia sido
proibida a entrada em El Aaiún, depois de lhe ter sido retirado ilegalmente o seu
passaporte. Mas a nossa diplomacia não só sabe desculpar e dar cobertura às violações
dos direitos humanos, também sabe desviar o olhar quando provocada, como quando
concedeu com o “placet” (autorização) para ser embaixador em Madrid um saharaui
desertor da Polisário, para quem os encantos do Sultão foram tão irrestíveis
como para tantos personagens de nossa elite política.
Se se procura uma explicação para o facto de o governo
espanhol estar a agir contra os interesses nacionais, quando a situação
internacional mudou substancialmente…? Podem haver várias razões, mas a
principal é que Marrocos conseguiu estabelecer em Espanha um lobby em que
militam os políticos mais influentes da Casa Real, o governo e os partidos
políticos. Nesta área, o trabalho desenvolvido por Hassan II e Mohamed VI revelou-se
um sucesso.
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