sexta-feira, 4 de maio de 2012

Javier G Lachica do WSRW: “Marrocos obtém grandes lucros dos recursos naturais do povo saharaui”



O Sahara Ocidental conta com amplos recursos naturais de que se está enriquecendo Marrocos. Organizações civis lutam para que a UE denuncie e não participe no espólio.

Javier García Lachica é engenheiro e ativista do Observatório para os Recursos Saharauis, Western Sahara Resource Watch (WSRW), organização criada para sensibilizar, vigiar e denunciar a espoliação dos recursos naturais do Sahara Ocidental que Marrocos explora num atentado contra aquilo que é a legalidade internacional.

DIAGONAL: Que recursos existem nos territórios saharauis ocupados por Marrocos?

JAVIER GARCÍA LACHICA: A maioria das riquezas do Sahara Ocidental encontram-se no território ocupado por Marrocos. O território libertado pela Polisario é uma zona muito desértica, ainda que possua uma riqueza muito importante: o sol.
Nos territórios ocupados encontra-se o banco de pesca saharaui, que é um dos mais ricos de toda a África. Além disso, existe uma grande reserva de fosfatos. Uma mina de fosfatos a céu aberto que é a mais importante do mundo. As rochas fosfáticas têm uma grande pureza e podem ser utilizadas para muitos fins, ainda que a sua utilização mais comum seja a produção de fertilizantes a partir delas. O fosfato também se emprega para usos dentais, e inclusive para a elaboração da cerveja...
Javier García Lachica  
Marrocos está também a explorar a areia saharaui…
J.G.L.: Sim. A areia do Sahara está sendo explorada por companhias canadianas graças a um acordo firmado por estas com Marrocos. A areia é vendida também a empresas canárias para a construção e para ampliar o areal de praias desassoreadas ou desprovidas de areia. Provém de zonas de dunas muito próximas de El Aaiún, onde foi construída uma grande infraestrutura de recolha para poder embarcar grandes quantidades através do porto.
Marrocos saca muito dinheiro dos recursos naturais que pertencem ao povo saharaui: a areia saharaui, os fosfatos, etc., mas a soma mais importante provém do acordo pesqueiro com a União Europeia, que custa aos europeus 36 milhões de euros por ano. Além disso, Marrocos tem também contratos pesqueiros com a China e Rússia.

D.: O que pensa do Tratado Agrícola da UE e Marrocos, que, segundo denunciam vários eurodeputados, como o francês José Bove, beneficia diretamente o rei Mohamed VI?

J.G.L.: No Sahara Ocidental, na região do sul, em Dajla, existe um dos recursos mais importantes nesta zona desértica: a água. Existem grandes aquíferos, são muitas as bolsas de água no subsolo, mas não são mananciais que se regenerem. Estas águas subterrâneas estão aí há milhares de anos, como poços de petróleo, e por isso Marrocos escolheu este território para instalar imensas explorações agrícolas. Regam-se grandes produções agrícolas com essa água do subsolo que se destinam à exportação. Além disso, a sobre-exploração da água está a afetar a população. Os aquíferos estão muito perto da costa e ao baixar o nível de água nesses poços se estão a produzir infiltrações de água salgada, afetando o consumo humano.
Outro recurso de que se enriquece Marrocos é o sal . Nos territórios ao norte de El Aaiún, perto do sul de Marrocos, existem muitas salinas de grande pureza que também estão a ser exploradas.

D.: Fala-se também da possível existência de petróleo.

J.G.L.: Sim, o petróleo é uma espada de Damocles. Existem muitos países e multinacionais que têm os olhos postos no Sahara Ocidental, inclusive a espanhola Repsol. Agora são empresas irlandesas, principalmente, que celebraram contratos de exploração dos poços petrolíferos no Sahara, tanto no mar como no interior. O pior neste momento era que se descobrisse petróleo no Sahara. Seria um maleficio, se já assim é complicado solucionar o problema saharaui, com petróleo...

D.: Porque suspendeu a UE o acordo pesqueiro com Marrocos?

J.G.L.: No acordo pesqueiro estabelecem-se condições e o que se renova todos os quatro anos é a execução do mesmo. Em 2006 foi renovado e Marrocos ratificou-o um ano depois. De novo havia que o renovar em 2011. Mas devido ao trabalho realizado por muitos parlamentares que estão contra a inclusão do Sahara Ocidental no Tratado de Pesca com Marrocos e ao trabalho de várias plataformas de solidariedade com o Sahara e de organizações como a nossa, o Western Sahara Resource Watch, conseguiu-se criar uma consciência dentro do Parlamento Europeu. O protocolo não se pode renovar tal como está. E, além disso, o Parlamento, num relatório de 2010, reconhece que o acordo pesqueiro está contra de a legalidade internacional.
Há duas opções: não pescar no Sahara ou deixar de implementar o acordo. As pressões de Espanha e de França conseguiram a sua prorrogação por un ano, enquanto pediam a Marrocos um relatório de que o acordo está de acordo com a legalidade internacional, o mesmo é dizer, que a população desses territórios estava de acordo e que beneficia do mesmo. E aí entra o jogo político de Marrocos. Para eles a população é a marroquina. A tudo isto veio juntar-se um relatório independente da UE que conclui que os lucros da pesca não beneficiam a população e  que o acordo não é rentável para a UE. Entre as medidas de pressão foi apresentada também uma moção do deputado Raúl Romeva, de Iniciativa per Catalunya Verds, para levar o acordo ao Tribunal de Justiça. Em dezembro, o pleno da UE achou por bem não renovar o tratado pesqueiro. Uma decisão justa e que era aguardada.

D.: A luta das organizações de direitos humanos e outras, como o WSRW, estão a dar os seus frutos?

J.G.L.: Sim. No Western Sahara Resource Watch somos uma rede organizada em vários países através da internet. Temos um duplo objetivo: divulgar e denunciar a espoliação de recursos naturais por parte das multinacionais nos países em que estamos organizados: Reino Unido, Austrália, Espanha, Portugal... e chamar a atenção sobre as atividades ilegais da UE, como o acordo de pesca, o tratado de livre comércio agrícola, e de boa vizinhança com Marrocos, etc. Porque Marrocos não tem soberania sobre o Sahara Ocidental.

D.: Esse trabalho não seria necessário se se reconhecesse de facto a autodeterminação do povo saharaui…

J.G.L.: De facto. A missão da ONU no Sahara, a Minurso, que vigia o cessar-fogo na zona, deve vigiar a violação dos direitos humanos nos territórios ocupados e também a espoliação dos recursos. Bruxelas tomou uma decisão em conformidade com a lei, enquanto o Governo espanhol não quer atender a essa legalidade. Se o problema é a pesca, a alternativa é reconhecer a República Árabe Saharaui Democrática (RASD) e firmar acordos de pesca com ela, em condições justas que respeitem o meio ambiente.

Diagonal – 13-02-2012.  N.º 167

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