A 26 de junho de 2014 realizou-se em
Malabo (antiga Santa Isabel) a 23ª Assembleia de Chefes de Estado da União
Africana (UA), a que assistiram milhares de delegados de todo o mundo e
especialmente do continente africano. Mas de todos os assistentes chama
especialmente a atenção três: o chefe de governo espanhol, o presidente guinéu-equatoriano
e o presidente saharaui. Este encontro, em minha opinião, inédito na história da
diplomacia, indica o rumo que deveria seguir uma política exterior séria.
I. ESPANHA, A HERANÇA DE UMA
DESASTROSA DESCOLONIZAÇÃO AFRICANA
O contexto para a compreensão da
questão é lembrar o processo de descolonização espanhola em África. Espanha
tinha várias colónias em África: Ifni, o Protetorado "norte" de
Marrocos, o chamado protetorado "sul" de "Marrocos, o Sahara
Ocidental, Fernando Pó (hoje Bioko) e Rio Muni.
a) Três dessas colónias pertenciam a
Marrocos; b) Duas formaram a Guiné Equatorial; c) A terceira é a nossa causa por
resolver.
a) Ao Protetorado "norte"
de Marrocos foi dada a independência em abril de 1956. O chamado protetorado
"sul" de "Marrocos", que é um território que NUNCA foi de
Marrocos, foi entregue àquele país em abril de 1958. E, por último, Ifni, foi
entregue a Marrocos (para desgraça de Ifni, que desde então vive marginalizado
pelo majzen) em janeiro de 1969.
b) Fernando Pó e Rio Muni constituíram
a Guiné Equatorial, independente desde 12 de outubro de 1968.
c) E o Sahara Ocidental continua a
aguardar a conclusão da sua descolonização.
Marrocos, como é notório, desde a
independência, defendeu um política externa expansionista e agressiva para com
os seus vizinhos. Todos os seus vizinhos (Espanha, Argélia e Sahara Ocidental)
sofreram ataques armados por parte da dinastia alauíta. É, portanto, impossível
manter uma relação de "amizade" com esse país enquanto este não
renunciar à sua política expansionista.
A Guiné Equatorial teve a
infelicidade de ter um tirano como Francisco Macías Nguema, que iniciou uma
política tão brutal contra os seus concidadãos como contra a Espanha. Foi
deposto num golpe de Estado liderado pelo seu sobrinho, Teodoro Obiang Nguema.
No entanto, as relações com Espanha, com inúmeros altos e baixos, nunca se chegaram
a normalizar.
O Sahara Ocidental foi ilegalmente
abandonado por Espanha, na sequência do qual se proclamou a República Saharaui.
Espanha não só não reconheceu esta filha como, desgraçadamente, tem tido governos
que se conluiem com quem a viola.
II. A POSSÍVEL E DESEJÁVEL POLÍTICA
EXTERIOR AFRICANA DE ESPANHA
Guiné Equatorial e o Sahara Ocidental
são os dois únicos países africanos que têm o espanhol como língua oficial. No
caso da Guiné Equatorial, além disso, também a religião aproxima esse país de Espanha.
Ainda que a Guiné Equatorial tenha
reconhecido a República Saharaui a 3 novembro de 1978, em maio de 1980 cancelou
o referido reconhecimento.
É evidente que a Guiné Equatorial,
como ex-colónia espanhola em África constitui uma voz especialmente autorizada no
continente africano para denunciar a colonização do Sahara Ocidental. E, por isso
mesmo, os esforços do majzen e de
quem apoia o majzen foram no sentido
de, a qualquer preço, neutralizar a Guiné Equatorial como advogado da causa
saharaui.
Chama, nesse sentido, a atenção que tanto
o makhzen como o seu principal
padrinho europeu tenham iniciado uma política (em todas as frentes, inclusive as
ilegais) para sacar a Guiné Equatorial da órbita hispânico e castrar a sua política
externa que, privada da causa saharaui, fica reduzida a um papel muito menor em
África. Isto é assim porque, a Guiné Equatorial sem o Sahara Ocidental vê diminuída
sua força em África ... e vice-versa. E repito: foi precisamente por isso, que os
esforços do makhzen e do seu
principal padrinho foram direcionados para anular essa relação entre as duas
ex-colónias espanholas.
Uma possível e desejável política
externa em África podia, e devia, apoiar- se no Sahara Ocidental e na Guiné Equatorial
para potenciar as relações económicas com estes dois países (rico em fosfatos e
pesca, um; rico em petróleo, o outro) e obter um peso geopolítico singular.
Naturalmente, os servos em Espanha do
majzen e do seu principal padrinho
europeu fizeram todo o possível para privar Espanha das vantagens económicas,
culturais e geopolíticas da associação de países hispânicos em África. Ventagens
com um evidente efeito multiplicador se os países hispano-africanos se
relacionam com os da África portuguesa.
Malabo-Rabat: a deterioração das relações levaram o presidente da Guiné-Equatorial a "despedir" a guarda presidencial que Marrocos «generosamente» lhe havia cedido... |
III. A CIMEIRA DE MALABO E O ENCONTRO
HISPANO-GUINEANO-SAHARAUI: POSSIBILIDADES, INTERROGAÇÕES e TENTATIVAS DE
ABORTAR O DESEJÁVEL PROJETO
A cimeira de Malabo constitui, segundo
me parece, a primeira ocasião na história em que se encontram os máximos
responsáveis políticos de Espanha, Guiné Equatorial e do Sahara Ocidental.
O significado em si mesmo deste facto
é importantíssimo. Mas nas imagens difundidas pela agência oficial guineo-equatoriana
vê-se que a organização do anfitrião teve especial cuidado para que o chefe do
governo espanhol, Mariano Rajoy Brey, estivesse ao lado do presidente saharaui,
Mohamed Abdelaziz.
Porque é agora possível este encontro?
O encontro não só foi possível porque
a Guiné Equatorial foi o anfitrião da 23ª Assembleia de Chefes de Estado da União
Africana.
Também foi possível porque as relações
da Guiné Equatorial com Marrocos e com o seu principal padrinho europeu se deterioraram
gravemente. Ao ponto da guarda pessoal do presidente Obiang, que
"generosamente" foi cedida por Marrocos, foi despedida por este ante o
temor, muito sério, de que pudesse chegar a atentar contra ele, sendo substituída
por uma guarda israelita.
Neste contexto, a política LÓGICA da
Guiné Equatorial era a de se acercar de Espanha. E a resposta lógica da Guiné
Equatorial, face aos golpes que lhe infligiu o makhzen, não poderia ser outra que a aproximação à República
Saharaui.
A situação objetivamente é ideal
Mas ... algo assim não pode deixar de
preocupar o makhzen e o seu principal
padrinho europeu.
É essa a VERDADEIRA (entendo que a
que dá a imprensa não passa de um ecrã) explicação para que dois nefastos personagens
que chegaram ao poder com a ajuda inestimável de makhzen e do seu principal padrinho europeu tenha corrido para
Malabo?
Autor: Carlos Ruiz Miguel, professor
de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela
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