Publicado
de 27 janeiro, 2019 - Fonte e foto: Gara // Por Andoni Lubaki - Fatma
Mehdi, secretária-geral da União Nacional de Mulheres Saharauis,
que participou na primeira ronda de contactos [em Genrebra], assegura
que Marrocos se viu pressionado pelos acontecimentos políticos e a
mudança na perceção internacional da questão saharaui.
O
que mudou nestes seis anos sem conversações?
Desde
2012, o problema do Sahara já não é algo que diz apenas respeito
ao povo saharaui ou ao movimento de solidariedade, mas que ganhou
relevância internacional, no interesse da segurança e estabilidade
na região e não apenas nesta parte de África, mas também em todo
o mundo. Hoje vemos que existem outras partes que querem encontrar
uma solução rápida para este conflito. Também podemos ver que a
situação atual criou mudanças, outra atmosfera.
Essa
atmosfera é sentida também nas Nações Unidas?
Sem
dúvida existe outro ambiente. Os assessores do Secretário-Geral da
ONU sobre o Sahara também mudaram; antes a prioridade era mais dada
ao consenso fosse . Agora outras opiniões são encaradas, há
oposição a certas ideias. Há interesses por parte das grandes
potências, como os EUA e a Rússia, para agilizar a solução.
Também está ganhando força a ideia de que a MINURSO deve ser uma
missão como qualquer outra no mundo e que tem de realizar a missão
para a qual foi criada. Isso é pressão para o Marrocos.
Como
reagiu Rabat?
Nessa
reunião [de Genebra], que foi na verdade uma ronda de contatos para
preparar e facilitar as negociações diretas, Marrocos mostrou
disposição e vontade de colaborar com o enviado especial e a ONU e
para conseguir uma solução aceite por ambas as partes. É um gesto,
mas não é suficiente. Sim, falam de uma solução política aceite,
mas não há garantias para que se alcance uma solução duradoura e
apoiada pelo povo saharaui, que é o único que pode decidir sobre o
seu futuro.
Qual
é então a posição de Marrocos?
Há
momentos em que afirma que não é contra o direito de
autodeterminação, mas que não está preparado para realizar um
referendo. Outras vezes, garante que o referendo não é a única via
de conseguir a autodeterminação e argumenta como prova de que, de
24 casos de exigência de autodeterminação, somente em quatro houve
um referendo e muitos foram resolvidos por meio de negociações e
políticas diretas. Mas na prática não têm propostas claras e têm
uma posição muito confusa. Só apresentam e colocam em cima da mesa
o plano de autonomia quando não se trata de um plano fiável para
garantir a vontade do povo saharaui e quando todos sabem que o
referendo sempre foi e é a melhor maneira de garantir a
autodeterminação.
Se
lhe falo do nome de John Bolton, o que lhe sugere?
A
mensagem de John Bolton é nova neste conflito. É a posição atual
dos EUA., uma das potências mundiais. Nas suas declarações vejo um
nono interesse em solucionar o conflito. Essa pressão obrigou a que
Marrocos comece a falar de forma diferente. Levou a que Marrocos se
sente com a Polisario, já que durante anos argumentava que o
problema não era com a Polisario mas com a Argélia. Na última
reunião foi muito clara tanto a posição da Argélia como da
Mauritânia (país com o qual a Polisario também manteve uma
confrontação armada até ao ano de 1979, quando firmou a paz ao ser
derrotado pelas forças saharauis). São países vizinhos que têm
interesse em solucionar o problema para desenvolver a paz, a
economia, a estabilidade. É um problema que os afeta de forma muito
direta e que estão a colaborar de forma ativa para encontrar uma
solução.
O
que poderá acontecer se estes encontros não conseguirem a paz e a
independência?
Quando
iniciámos este projeto político não sabíamos quanto tempo ía
durar. O mais importante é continuar lutando para conseguir a
independência através de um referendo. Não creio que nem estas
reuniões nem umas eventuais negociações diretas possam trazer a
plena solução, mas há que continuar lutando.
Como
é um dia nas mesas redondas em Genebra?
O
mais importante é ver Marrocos sentado à mesma mesa com a Frente
Polisario. Há quem diga que algo mudou porque estão também a
Argélia e a Mauritânia, duas partes que até agora não tinham tido
uma presença tão clara nestas rondas. Mas não é verdade, Argélia
sempre esteve.
Não
é surpreendente que até agora Marrocos tenha enviado políticos de
segunda categoria para a ronda de contatos e que, de repente,
apresente Jali Hanna Uld Rachid (*)?
Isso
foi-me comentado por aqueles que têm mais experiência do que eu,
que estava participando dessas reuniões pela primeira vez. Rabat
sempre enviou os saharauis para as conversações (saharauis que são
a favor de Mohamed VI e da ocupação do Sahara Ocidental). Seu
objetivo é propagar a imagem de que há saharauis que são a favor
do regime e fazer parecer que é a Argélia que controla os campos
[de refugiados]. Mas insisto que esta foi uma ronda de contactos e
estou certo de que nas negociações que se realizarão no futuro,
não vão enviar sequer nenhum saharaui.
O
que a leva a pensar isso?
Porque
Marrocos não se fia nos saharauis, nem sequer nos que para ele
trabalham. Foi sempre assim. Se tivessem confiança neles teriam
aceite o referendo. No fundo sabem que há muitos que se fazem passar
por pro-regime mas que não são assim. Marrocos sabe que perderá o
referendo. Os que vão a este tipo de conversações têm um papel
secundário, vêm com o discurso feito, dizem-lhes o que que têm que
dizer e fazer. O mesmo quando regressam. Quem controla tudo não é
sequer o Parlamento, mas o Makhzen (termo utilizado em Marrocos para
definir o poder palaciano fora de qualquer controlo democrático.
Poder que está por cima de qualquer desígnio democrático ainda que
vá contra a vontade do povo).
Desta
vez apresentaram três saharauis alinhados com o regime e a ocupação,
saharauis que se estão enriquecendo com a atual situação. Mas é
pura pose, para não ficar mal ante a opinião pública
internacional. No fundo, nem sequer se fiam neles.
(*)
saharaui, presidente do CORCAS - Conselho Real Consultivo para os
Assuntos do Sahara, foi fundador do Partido da União Nacional
Saharaui em 1974-1975, organização conhecida por PUNS, tendo sido
um dos notáveis do Sahara colonizado por Espanha a prestar
fidelidade ao rei de Marrocos, país para onde fugiu com as finanças
do partido. Nota da tradução – AAPSO.
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