domingo, 17 de fevereiro de 2019

Nova decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia reafirma a sua doutrina sobre o Sahara Ocidental




Artigo de Carlos Ruiz Miguel, Prof. Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela

A 8 de fevereiro de 2019, a 5ª Câmara do Tribunal Geral da União Europeia emitiu uma nova sentança relativa ao Sahara Ocidental. Esta sentença resolve o apelo apresentado pela Frente Polisario em junho de 2018 contra o mandato de negociação atribuído pelo Conselho à Comissão da UE para negociar um novo acordo de pesca. Contra o que foi afirmado por alguma imprensa digital marroquina, este sentença reafirma a doutrina do Tribunal @ Desdelatlantico.


I. A IMPORTANTE SENTENÇA DE 27 DE FEVEREIRO DE 2018 NEGANDO A APLICAÇÃO DO ACORDO DE PESCA AO SAHARA OCIDENTAL
Em 27 de fevereiro de 2018, o mais alto órgão judicial da União Europeia, a Grande Câmara do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferiu uma sentença muito importante na qual reafirmava a doutrina previamente estabelecida em seu julgamento de 21 de dezembro de 2016, declarando que o acordo de pesca e o protocolo assinado entre a União Europeia e Marrocos não eram aplicáveis ao Sahara Ocidental, que é um território que não faz parte de Marrocos.
O Makhzen e seu lobby tentaram, desesperadamente, que na sua segunda sentença a Grande Câmara do Tribunal não reafirmasse a sua doutrina. Fracassaram.


II. A PRESSÃO PARA RENEGOCIAR UM NOVO ACORDO... VIOLANDO A SENTENÇA DO TRIBUNAL
Pouco depois do Tribunal de Justiça da União Européia ter reafirmado que o Sahara Ocidental é uma "parte terceira" distinta de Marrocos, de que não faz parte, o Conselho de Ministros da União Europeia, por decisão de 16 de abril de 2018. , autorizou a Comissão a encetar negociações, em nome da União Europeia, para a alteração do Acordo de Associação no setor da pesca entre a Comunidade Europeia e o Reino de Marrocos e para a celebração de um protocolo com o Reino de Marrocos... incluindo as águas do Sahara Ocidental.


Como é óbvio, esse mandato, outorgado à Comissão, contradizia flagrantemente a doutrina do Tribunal de Justiça. A Frente Polisario decidiu, preventivamente, recorrer.

III. O TRIBUNAL DE JUSTIÇA INADMITE, POR PREMATURO, O RECURSO DA FRENTE POLISARIO…
Por decisão de 8 de fevereiro de 2019, a 5ª Câmara do Tribunal Geral da União Europeia decidiu inadmitir o apelo da Frente Polisario. O Tribunal considera que o recurso é inadmissível porque a decisão tomada só tem efeitos para a Comissão Europeia, de modo que a Polisario, uma vez que não é DIRETAMENTE afetada (uma vez que os efeitos da decisão abrangem SOMENTE a Comissão) não pode recorrer. O cerne da argumentação do despacho do Tribunal (disponível apenas em francês) encontra-se nos parágrafos 26 a 29:

26 Or, une décision, telle que la décision attaquée, adoptée sur le fondement de l’article 218, paragraphes 3 et 4, TFUE, n’est pas adressée au requérant, mais au négociateur qui y est désigné, à savoir la Commission. Il s’ensuit que le recours à l’examen ne peut être déclaré recevable que si le requérant est directement et individuellement concerné par celle-ci.

27 S’agissant de l’affectation directe, cette condition requiert la réunion de deux critères cumulatifs, à savoir que la mesure contestée, en premier lieu, produise directement des effets sur la situation juridique du particulier et, en second lieu, ne laisse aucun pouvoir d’appréciation à ses destinataires qui sont chargés de sa mise en œuvre, celle-ci ayant un caractère purement automatique et découlant de la seule réglementation de l’Union, sans application d’autres règles intermédiaires (arrêt du 13 octobre 2011, Deutsche Post et Allemagne/Commission, C‑463/10 P et C‑475/10 P, EU:C:2011:656, point 66).

28 Toutefois, conformément à l’article 218, paragraphes 3 et 4, TFUE, une décision telle que la décision attaquée n’a pour objet que de désigner le négociateur et/ou le chef de l’équipe de négociation de l’Union et d’adresser des directives à ceux-ci. Il s’agit donc d’un acte ne produisant des effets juridiques que dans les relations entre l’Union et ses États membres ainsi qu’entre les institutions de l’Union (arrêt du 16 juillet 2015, Commission/Conseil, C‑425/13, EU:C:2015:483, point 28 ; voir également, en ce sens, arrêt du 4 septembre 2014, Commission/Conseil, C‑114/12, EU:C:2014:2151, point 40).

29 Par conséquent, comme le fait valoir le Conseil, cet acte ne produit pas d’effets sur la situation juridique du requérant, celui-ci ne pouvant donc pas être considéré comme étant directement concerné par la décision attaquée au sens de la jurisprudence rappelée au point 27 ci-dessus.


IV. ... MAS REAFIRMA A SUA DOUTRINA SOBRE O SAHARA OCIDENTAL COMO TERRITÓRIO ALHEIO A MARROCOS
Ante esta decisão, algumas publicações digitais marroquinas apressaram-se a dizer que esta era uma "derrota" da Frente Polisario e que o Tribunal parecia "mudar" a sua opinião ... Falso. Ao contrário. Neste auto, o Tribunal aproveita a oportunidade para REITERAR e CONSOLIDAR a sua doutrina, que pode ser resumida em duas declarações básicas contidas no parágrafo 30 do auto:
- o povo saharaui goza de um direito à autodeterminação
- O Sahara Ocidental é uma "terceira parte" no que diz respeito à União Europeia e a Marrocos.

30 Les arguments du requérant pris de ce que la décision attaquée produit de tels résultats en raison du fait que l’accord envisagé a vocation à s’appliquer sur le territoire du Sahara occidental et, par conséquent, affecter le peuple sahraoui, ne sauraient être retenus. En effet, si, certes, le peuple sahraoui est à regarder comme jouissant du droit à l’autodétermination et comme étant un « tiers » au sens du principe de l’effet relatif des traités (arrêt du 21 décembre 2016, Conseil/Front Polisario, C‑104/16 P, EU:C:2016:973, points 90 à 92 et 106), il n’en demeure pas moins que toute affectation éventuelle de la situation juridique du requérant est à apprécier au regard du contenu de l’accord sur lequel déboucheront les négociations entamées en vertu de la décision attaquée. En revanche, les effets que pourrait produire à l’égard du requérant une décision telle que la décision attaquée, ne faisant qu’autoriser, de la part de l’Union, l’ouverture de négociations, consistent dans le fait que celui-ci ne comptera pas parmi les acteurs politiques qui négocieront et signeront ledit accord. Il s’ensuit que, comme le fait valoir le Conseil, les effets en question sont de nature éminemment politique et que, de ce fait, la décision attaquée ne saurait être considérée comme affectant directement la situation juridique du requérant au sens de l’article 263, quatrième alinéa, TFUE.

V. CONCLUSÃO
O Conselho e o Parlamento Europeu obstinaram-se na aprovação de um novo acordo de pesca que afeta um terceiro, o Sahara Ocidental, em cujas águas se encontram mais de 90% da pesca objeto desse acordo. Esse acordo foi feito sem que o detentor das águas, o povo do Sahara Ocidental, tenha dado o seu consentimento. Não só isso, como o acordo tem como beneficiários os colonos marroquinos, e não os nativos saharauis.
Parece claro, na minha opinião, que os deputados que votaram a favor deste acordo violaram deliberadamente a lei.



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