Artigo
de Carlos Ruiz Miguel, Prof. Catedrático de Direito Constitucional
na Universidade de Santiago de Compostela
A
8 de fevereiro de 2019, a 5ª Câmara do Tribunal Geral da União
Europeia emitiu uma nova sentança relativa ao Sahara Ocidental. Esta
sentença resolve o apelo apresentado pela Frente Polisario em junho
de 2018 contra o mandato de negociação atribuído pelo Conselho à
Comissão da UE para negociar um novo acordo de pesca. Contra o que
foi afirmado por alguma imprensa digital marroquina, este sentença
reafirma a doutrina do Tribunal @ Desdelatlantico.
I.
A IMPORTANTE SENTENÇA DE 27 DE FEVEREIRO DE 2018 NEGANDO A APLICAÇÃO
DO ACORDO DE PESCA AO SAHARA OCIDENTAL
Em
27 de fevereiro de 2018, o mais alto órgão judicial da União
Europeia, a Grande Câmara do Tribunal de Justiça da União
Europeia, proferiu uma sentença muito importante na qual reafirmava
a doutrina previamente estabelecida em seu julgamento de 21 de
dezembro de 2016, declarando que o acordo de pesca e o protocolo
assinado entre a União Europeia e Marrocos não eram aplicáveis ao
Sahara Ocidental, que é um território que não faz parte de
Marrocos.
O
Makhzen e seu lobby tentaram, desesperadamente, que na sua segunda
sentença a Grande Câmara do Tribunal não reafirmasse a sua
doutrina. Fracassaram.
II.
A PRESSÃO PARA RENEGOCIAR UM NOVO ACORDO... VIOLANDO A SENTENÇA DO
TRIBUNAL
Pouco
depois do Tribunal de Justiça da União Européia ter reafirmado que
o Sahara Ocidental é uma "parte terceira" distinta de
Marrocos, de que não faz parte, o Conselho de Ministros da União
Europeia, por decisão de 16 de abril de 2018. , autorizou a Comissão
a encetar negociações, em nome da União Europeia, para a alteração
do Acordo de Associação no setor da pesca entre a Comunidade
Europeia e o Reino de Marrocos e para a celebração de um protocolo
com o Reino de Marrocos... incluindo as águas do Sahara Ocidental.
Como
é óbvio, esse mandato, outorgado à Comissão, contradizia
flagrantemente a doutrina do Tribunal de Justiça. A Frente Polisario
decidiu, preventivamente, recorrer.
III.
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA INADMITE, POR PREMATURO, O RECURSO DA FRENTE
POLISARIO…
Por
decisão de 8 de fevereiro de 2019, a 5ª Câmara do Tribunal Geral
da União Europeia decidiu inadmitir o apelo da Frente Polisario. O
Tribunal considera que o recurso é inadmissível porque a decisão
tomada só tem efeitos para a Comissão Europeia, de modo que a
Polisario, uma vez que não é DIRETAMENTE afetada (uma vez que os
efeitos da decisão abrangem SOMENTE a Comissão) não pode recorrer.
O cerne da argumentação do despacho do Tribunal (disponível apenas
em francês) encontra-se nos parágrafos 26 a 29:
26
Or, une décision, telle que la décision attaquée, adoptée sur le
fondement de l’article 218, paragraphes 3 et 4, TFUE, n’est pas
adressée au requérant, mais au négociateur qui y est désigné, à
savoir la Commission. Il s’ensuit que le recours à l’examen ne
peut être déclaré recevable que si le requérant est directement
et individuellement concerné par celle-ci.
27
S’agissant de l’affectation directe, cette condition requiert la
réunion de deux critères cumulatifs, à savoir que la mesure
contestée, en premier lieu, produise directement des effets sur la
situation juridique du particulier et, en second lieu, ne laisse
aucun pouvoir d’appréciation à ses destinataires qui sont chargés
de sa mise en œuvre, celle-ci ayant un caractère purement
automatique et découlant de la seule réglementation de l’Union,
sans application d’autres règles intermédiaires (arrêt du 13
octobre 2011, Deutsche Post et Allemagne/Commission, C‑463/10 P
et C‑475/10 P, EU:C:2011:656, point 66).
28
Toutefois, conformément à l’article 218, paragraphes 3 et 4,
TFUE, une décision telle que la décision attaquée n’a pour objet
que de désigner le négociateur et/ou le chef de l’équipe de
négociation de l’Union et d’adresser des directives à ceux-ci.
Il s’agit donc d’un acte ne produisant des effets juridiques que
dans les relations entre l’Union et ses États membres ainsi
qu’entre les institutions de l’Union (arrêt du 16 juillet 2015,
Commission/Conseil, C‑425/13, EU:C:2015:483, point 28 ; voir
également, en ce sens, arrêt du 4 septembre 2014,
Commission/Conseil, C‑114/12, EU:C:2014:2151, point 40).
29
Par conséquent, comme le fait valoir le Conseil, cet acte ne produit
pas d’effets sur la situation juridique du requérant, celui-ci ne
pouvant donc pas être considéré comme étant directement concerné
par la décision attaquée au sens de la jurisprudence rappelée au
point 27 ci-dessus.
IV.
... MAS REAFIRMA A SUA DOUTRINA SOBRE O SAHARA OCIDENTAL COMO
TERRITÓRIO ALHEIO A MARROCOS
Ante
esta decisão, algumas publicações digitais marroquinas
apressaram-se a dizer que esta era uma "derrota" da Frente
Polisario e que o Tribunal parecia "mudar" a sua opinião
... Falso. Ao contrário. Neste auto, o Tribunal aproveita a
oportunidade para REITERAR e CONSOLIDAR a sua doutrina, que pode ser
resumida em duas declarações básicas contidas no parágrafo 30 do
auto:
-
o povo saharaui goza de um direito à autodeterminação
-
O Sahara Ocidental é uma "terceira parte" no que diz
respeito à União Europeia e a Marrocos.
30
Les arguments du requérant pris de ce que la décision attaquée
produit de tels résultats en raison du fait que l’accord envisagé
a vocation à s’appliquer sur le territoire du Sahara occidental
et, par conséquent, affecter le peuple sahraoui, ne sauraient être
retenus. En effet, si, certes, le peuple sahraoui est à regarder
comme jouissant du droit à l’autodétermination et comme étant un
« tiers » au sens du principe de l’effet relatif des traités
(arrêt du 21 décembre 2016, Conseil/Front Polisario, C‑104/16
P, EU:C:2016:973, points 90 à 92 et 106), il n’en demeure pas
moins que toute affectation éventuelle de la situation juridique du
requérant est à apprécier au regard du contenu de l’accord sur
lequel déboucheront les négociations entamées en vertu de la
décision attaquée. En revanche, les effets que pourrait produire à
l’égard du requérant une décision telle que la décision
attaquée, ne faisant qu’autoriser, de la part de l’Union,
l’ouverture de négociations, consistent dans le fait que celui-ci
ne comptera pas parmi les acteurs politiques qui négocieront et
signeront ledit accord. Il s’ensuit que, comme le fait valoir le
Conseil, les effets en question sont de nature éminemment politique
et que, de ce fait, la décision attaquée ne saurait être
considérée comme affectant directement la situation juridique du
requérant au sens de l’article 263, quatrième alinéa, TFUE.
V.
CONCLUSÃO
O
Conselho e o Parlamento Europeu obstinaram-se na aprovação de um
novo acordo de pesca que afeta um terceiro, o Sahara Ocidental, em
cujas águas se encontram mais de 90% da pesca objeto desse acordo.
Esse acordo foi feito sem que o detentor das águas, o povo do Sahara
Ocidental, tenha dado o seu consentimento. Não só isso, como o
acordo tem como beneficiários os colonos marroquinos, e não os
nativos saharauis.
Parece
claro, na minha opinião, que os deputados que votaram a favor deste
acordo violaram deliberadamente a lei.
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