domingo, 6 de outubro de 2024

As decisões do TJUE e o comentário das chancelarias

 

Ursula von der Leyen e Josep Borrell

Esta sexta-feira, 04 de outubro, o Tribunal de Justiça da UE decidiu que os acordos de comércio e pesca UE-Marrocos não podem ser aplicados no Sahara Ocidental. Isso marca o fim de uma batalha jurídica de 13 anos entre as instituições da UE, de um lado, e o povo saharaui, de outro. A UE tem insistido ao longo dos anos em fazer parceria com Marrocos, aplicando acordos de comércio e pesca no território que Marrocos ocupa, em violação ao direito internacional. 


Comissão Europeia

Na tarde da própria sexta-feira, a Comissão da UE emitiu um press release comentando a derrota jurídica e política. O texto poderia ter declarado inequivocamente que a UE deseja cumprir o direito internacional e as decisões de seu próprio tribunal. Mas isso não aconteceu.

Em vez disso, a declaração indica que “Em estreita cooperação com Marrocos, a UE pretende firmemente preservar e continuar a fortalecer relações estreitas com Marrocos em todas as áreas da Parceria Marrocos-UE, em conformidade com o princípio pacta sunt servanda” - o princípio de que os acordos devem ser mantidos.

'Pacta sunt servanda' é uma expressão legal que se refere a acordos que são vinculativos para as partes que os celebraram. Com isso, a UE está sugerindo que a UE considera que a estrutura atual do acordo deve ser continuada “em todas as áreas”.

Segundo a organização Wester Sahara Resources Watch (WSRW) a "Sua referência a 'pacta sunt servanda' só pode ser entendida como uma aceitação tácita da Comissão de que ela é obrigada a excluir o Sahara Ocidental de seus acordos assinados com o Marrocos. A alternativa significaria que a Comissão está escolhendo fechar os olhos ao direito internacional no Sahara Ocidental, ignorando descaradamente seus próprios tribunais", declarou Sara Eyckmans, da Western Sahara Resource Watch.

O comunicado de imprensa da Comissão Europeia surge intitulado como: “Declaração conjunta da Presidente von der Leyen e do Alto Representante/Vice-Presidente Borrell sobre os acórdãos do Tribunal de Justiça Europeu relativos a Marrocos”.

Leia o Comunicado AQUI


Paulo Rangel, MNE de Portugal

Portugal

O comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, publicado no dia seguinte à divulgação do acordão do TJUE é quase é um «copy paste» do press-realese da Comissão da UE. Nele se refere que “Portugal considera a parceria entre a União Europeia e Marrocos essencial e trabalhará, com os parceiros europeus e com as Instituições europeias, no sentido do seu aprofundamento em todos os domínios”.

 

Emmanuel Macron, Presidente francês

França

O mesmo se pode dizer da tomada de posição do Quay d’Orsay francês. Mas a cínica posição da diplomacia francesa vai mais longe e acrescenta: “Como escreveu o Presidente da República Francesa a Sua Majestade no dia do trono, a França continua particularmente determinada a apoiar os esforços de Marrocos para promover o desenvolvimento económico e social do Sahara Ocidental em benefício da população local”.

 

José Manuel Albares, MNE de Espanha

Espanha

O Governo de Espanha disse, pela boca do ministro de Assuntos Exteriores, respeitar todas as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)”, garantindo que continuará a apostar na "associação estratégica" com o Reino de Marrocos.

"Respeitamos as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia", disse o ministro espanhol, Jose Manuel Albares, numa audição parlamentar, em Madrid.

Albares garantiu apoio ao setor pesqueiro espanhol e defendeu "a associação estratégica" com Marrocos, que considerou benéfica para os dois países e para a União Europeia (UE).

"A nossa aposta e o nosso compromisso com a estabilidade da relação com Marrocos é firme e não se vai alterar", afirmou Albares, que garantiu que o Governo espanhol vai continuar "a trabalhar com a União Europeia e com Marrocos para preservar e continuar a desenvolver esta relação, dentro do quadro do ordenamento jurídico, naturalmente".

O ministro de Assuntos Exteriores destacou os benefícios dos entendimentos e das boas relações com Marrocos a nível económico e comercial, mas também na defesa de fronteiras, realçando o caso das cidades de Ceuta e Melilla, dois enclaves espanhóis no norte de África que são as únicas fronteiras terrestres da UE com o continente africano.

Albares deve, porém, estar mais preocupado com o que se poderá passar na sessão plenária do Senado na próxima terça-feira, 08 de outubro, onde irá ser debatida uma moção promovida pelo grupo parlamentar do Partido Popular (Partido Popular) que pede a reprovação do Ministro dos Negócios Estrangeiros, União Europeia e Cooperação, José Manuel Albares, “pela sua gestão da política externa de Espanha”.

 

Nasser Bourita, MNE de Marrocos

Marrocos

O Reino de Marrocos, por sua vez, diz que “não se considera de forma alguma afetado pela decisão de sexta-feira do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre os acordos agrícolas e de pesca”. “O Reino não esteve envolvido em nenhuma fase do processo” - diz o MNE marroquino no comunicado.

Mas não deixa de demonstrar a sua enorme azia e frustação com a decisão do TJUE ao acrescentar: “No entanto, o conteúdo desta decisão contém erros legais óbvios e erros suspeitos de fato, o que denota, na melhor das hipóteses, uma total ignorância das realidades do caso, se não um viés político flagrante”. Acrescentando: “O Tribunal até se permitiu tomar o lugar dos órgãos competentes da ONU, contradizendo suas posições e abordagens bem estabelecidas. Além disso, o Tribunal Superior Britânico, em um caso completamente semelhante, demonstrou mais discernimento, imparcialidade e maestria jurídica”.

Exigindo e reclamando “que o Conselho, a Comissão Europeia e os Estados-Membros da UE tomem as medidas necessárias para respeitar seus compromissos internacionais, preservar as conquistas da parceria e fornecer ao Reino a segurança jurídica a que ele tem legitimamente direito, como parceiro da UE em várias questões estratégicas”.

 

Ahmed Attaf, MNE da Argélia

Argélia

A Argélia “congratulou-se com os acórdãos tornados públicos na sexta-feira, 4 de outubro, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia”, afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros em comunicado de imprensa.

Para a Argélia, a decisão do TJUE confirma “a ilegalidade dos acordos comerciais concluídos com o Reino de Marrocos, em violação dos direitos inalienáveis do povo saharaui sobre os recursos naturais do território não autónomo do Sahara Ocidental”.

A Argélia acrescenta que estas decisões “confirmam a doutrina das Nações Unidas, que consagra a soberania dos povos dos territórios não autónomos sobre os seus recursos naturais” e “o imperativo de assegurar a proteção destes recursos contra qualquer pilhagem ou predação de que possam ser vítimas, como o caso do Sahara Ocidental amplamente demonstra”.

A nível geral, refere a nota do MNE argelino, a decisão do TJUE recorda as “verdades inegáveis inerentes à causa saharaui, incluindo, em particular, o estatuto jurídico deste território, o estatuto jurídico da Frente Polisário e o direito inalienável e imprescritível do povo saharaui à autodeterminação”.

“Estas verdades irrefutáveis - adianta o texto do comunicado - não podem ser alteradas pela vontade manifesta de certos países europeus de apoiar o facto consumado colonial no Sahara Ocidental”, sublinha, referindo-se à Espanha e à França, que se alinharam com a posição marroquina sobre os territórios saharauis ocupados.

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