Fonte: Desde el Atlántico / Por Carlos Ruiz Miguel, Prof. de
Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela
O Conselho de Segurança aprovou a 28 de abril de 2015
a resolução 2218 sobre
o Sahara Ocidental. O texto da mesma é muito parecido (MAS NÃO IGUAL) ao da
resolução do ano passado (resolução 2152). Deixando de lado os matizes na
mudança da redacção (que, em minha opinião, não melhoram a posição marroquina),
quero centrar a atenção noutro facto, que, a meu ver, é muito importante. É que
ao contrário dos anos anteriores em que resolução foi aprovada em silêncio,
desta vez nove Estados (em nome de 12) tomaram a palavra no Conselho, composto
por 15 membros. O que pode significar isto?
I. ACABOU-SE O
SILÊNCIO DO CONSELHO DE SEGURANÇA
Tanto em 2013 como em 2014, as sessões do Conselho de
Segurança para debater o assunto do Sahara Ocidental terminavam em menos de 3
minutos. O presidente apresentava o tema, votava-se, e ninguém tomava a
palavra. Como titula um vídeo publicado na página do WSHRW, havia um “silêncio
mortal“.
Este ano não foi isso que se passou.
Em 2013 a sessão dedicada ao Sahara Ocidental no
Conselho de Segurança durou 2 minutos e meio; e, em
2014, a sessão não chegou a 3 minutos. Porém, a
sessão de 2015 prolongou-se por 29 minutos.
Porquê?
Porque nove Estados tomaram a palavra para explicar o
seu voto.
Esses Estados foram
– Três Estados membros permanentes do “grupo de
amigos”: Estados Unidos de América, Reino Unido, França
– Um Estado membro permanente que não faz parte do
“grupo de amigos”: China
– Um Estado membro não permanente que está no “grupo
de amigos”: Espanha
– Quatro outros membros não permanentes: Malásia,
Venezuela, Angola e Jordânia
Todos eles decidiram manifestar OFICIALMENTE uma explicação
do seu voto.
Em ocasiões anteriores, havia Estados que faziam declarações
sobre o seu voto FORA DA SESSÃO. O valor jurídico e político dessas declarações
não é, obviamente, igual.
II. O SENTIDO
DAS POSIÇÕES MANIFESTADAS PELOS DIFERENTES ESTADOS
Em primeiro lugar, e embora possa parecer óbvio,
todos os Estados falaram do “Sahara Ocidental” e do “povo do Sahara Ocidental”.
Nenhum falou nem do “Sahara marroquino” nem das “províncias do sul”. É evidente
que nenhum Estado quer passar pelo ridículo diplomático.
Mas se para Marrocos é um “grande triunfo” que se fale
do “Sahara Ocidental” e do “povo do Sahara Ocidental”, haverá que admitir que o
Reino de Marrocos volte outra vez a reconhecer a existência do “Sahara
Ocidental” e do “povo do Sahara Ocidental”, como JÁ O FEZ quando votou favoravelmente
as resoluções do Conselho de Segurança sobre este tema quando dele foi membro não
permanente.
1. Só a França e a Jordânia mostram um apoio claro, mas
não total, a Marrocos.
Podemos dizer que os dois únicos países que mostraram
um apoio, claro, mas não total, à posição marroquina foram França e Jordânia.
França na sua
declaração de voto disse duas coisas interessantes. Por um lado, o
representante da França na ONU reiterou o que — desde que François Hollande
está na presidência —,
a França já disse: que o plano de pseudo-autonomia marroquina é “uma” (mas não “a”,
como pretende Marrocos) base “séria e credível”.
No entanto, por outro lado, a diplomacia francesa, com
a sua característica habilidade, manifestou o seu desejo de mudar o sentido da
Missão das Nações Unidas para o REFERENDO no Sahara Ocidental. No vídeo da sessão,
a partir do minuto 6’20 o representante permanente da França diz que a MINURSO tem
TRÊS missões:
— vigiar o cessar-fogo
— contribuir para a desminagem
— apoio às medidas de confiança.
Repare-se como a França se “esquece” do Referendo.
A representante da Jordânia, na mesma linha da França,
também falou dessas “três” missões da MINURSO, além de “felicitar” Marrocos pelos
“progressos” em matéria de direito humanos.
2. Críticas ao processo de elaboração da resolução.
O que até agora eram comentários oficiosos ou de imprensa
sobre o processo de elaboração das resoluções do Conselho de Segurança tomou
agora, por fim, uma natureza oficial.
A União Africana foi humilhada e marginalizada neste
processo e o Conselho de Segurança já ultrapassou o nível do admissível.
Daí que tenham sido formuladas críticas a este processo.
Críticas que foram expostas não só por Angola (país africano que transmitiu a
opinião da UA), e não só pela Venezuela (Estado que reconhece a RASD), mas também
— e isto é o relevante… — pela Malásia (Estado asiático muçulmano)… e pela China!
3. China toma a palavra para criticar o processo de
tomada de decisões.
Se houvesse que destacar algo neste processo seria o
facto da China ter falado.
A China não quis, na altura, fazer parte do “Grupo de
Amigos do Sahara Ocidental”. A sua diplomacia manteve uma posição sempre
atenta, mas passiva neste assunto. Mas agora a China falou. E não o fez num sentido
favorável a Marrocos, mas para criticar o processo de elaboração da resolução que
devia ter contado com consultas mais amplas, o que parece uma clara alusão à
falta de participação da União Africana. Assim se depreende do texto da declaração
chinesa (a tradução
inglesa pode ser lida aqui).
Porquê?
Uma primeira explicação poderia ser que a diplomacia
chinesa devolveu a Mohamed VI a “bofetada diplomática” após o cancelamento à
última hora da viagem do tirano alauita à China. Algo
que foi oportunamente analisado neste blog.
No entanto, a posição da China pode ter mais
explicações de maior alcance, se considerarmos que a China é um aliado da
Arábia Saudita, país que tenta desestabilizar a China.
Embora tenham sido os EUA quem preparou esta resolução,
a sua declaração
de voto mostra críticas ligeiras à Frente Polisario e críticas muito mais agudas
a Marrocos.
Os EUA expressam a sua preocupação pela interrupção
das visitas familiares (causada por Marrocos, ainda que os EUA não o digam) e as
crescentes tensões nos acampamentos de refugiados.
Além disso, envia uma mensagem a Marrocos: “The loss
of valuable time and diplomatic engagement must not be repeated”, ou seja, “a perda
de tempo valioso e de compromisso com a diplomacia não se deve repetir”. Creio
que é uma clara censura ao obstrucionismo marroquino ao trabalho da ONU neste ano
que passou (intentos de bloquear ou vetar o Enviado Pessoal e a Representante
Especial da ONU).
Como já fosse pouco , os EUA reclamam que “as partes”
facilitem pleno acesso da MINURSO a todos os interlocutores, o que é uma nova
“mensagem” a Marrocos.
5. Venezuela e Angola criticam a posição ortodoxa das
Nações Unidas.
Venezuela e Angola proferiram declarações claras.
A posição de Angola, coordenada com os outros dois
Estados africanos membros do Conselho (Chade e Nigéria) foi feita em inglês (pode ser lida
aqui). Na sua posição, os três Estados africanos recordam expressamente a
necessidade de que as negociações consigam progressos para que se realize o REFERENDO
no Sahara Ocidental.
Quanto à Venezuela, a intervenção
do seu representante incluiu esta passagem importante:
“Preocupa-nos
que, enquanto não se realiza o referendo, prossiga o processo de colonização do
Sahara Ocidental, incluindo a deterioração dos Direitos Humanos do Povo Saharaui
e a exploração ilegal dos seus recursos naturais. Todo isso em detrimento da
estabilidade e a paz da região”
6. Espanha disse mais do que parece.
A primeira coisa que chama a atenção é que a página web da representação de Espanha na ONU
(…uma manifesta falta de memória, por certo) não inclui o texto da declaração de
voto de Espanha. Algo que contrasta com outros países, como os EUA ou a França,
por exemplo.
Dito isto, a intervenção do representante espanhol veiculou
algumas coisas relevantes. Além de recordar que a MINURSO é a Missão das Nações
Unidas para o REFERENDO no Sahara Ocidental, insistiu que no conflito do Sahara
Ocidental há DUAS partes e que essas partes são o Reino de Marrocos e a Frente
Polisario.
Além disso, o representante espanhol na ONU insistiu
na necessidade de aumentar a ajuda humanitária aos refugiados saharauis. Isso significa
em minha opinião uma desautorização às calúnias do Reino de Marrocos sobre o “desvio”
da ajuda humanitária. As posições de Marrocos a esse respeito foram ignoradas
por todos os Estados do Conselho, incluindo a França.
III. ALGUNS ESQUECIMENTOS
IMPERDOÁVEIS
Ainda que alguns países tenham feito alusão à necessidade
de respeitar os direitos humanos, pareceu-me muito dececionante que ninguém
tenha feito alusão a vários factos gravíssimos.
Em primeiro lugar, ninguém fez uma alusão expressa
aos presos políticos saharauis e, muito em especial, aos presos resultantes do iníquo
julgamento de Gdeim Izik.
Em segundo lugar, ninguém fez alusão ao processo da Audiência
Nacional [de Espanha] sobre o genocídio saharaui, que não só constitui um dado
que desmente a versão marroquina, como prova que Marrocos não tem nem vontade nem
capacidade de investigar e sancionar as violações graves dos direitos humanos.
Em terceiro lugar, também ninguém fez alusão ao assassinato
do preso saharaui
Hassana El Uali. E isso é especialmente grave porque a morte de Hassana El
Uali transcende a tragédia pessoal individual. Marrocos assassinou Hassana El
Uali por este precisamente ter dado informação sobre violações de direitos humanos
aos relatores das Nações Unidas que visitaram o território.
Em minha opinião isso significa que a representação
da Frente Polisario nas Nações Unidas ou tentou que isso fosse dito e não o
conseguiu, ou nem sequer o tentou. Em ambos os casos, creio que estamos ante
uma atuação que precisa ser melhorada.