segunda-feira, 14 de abril de 2025

Sahara Ocidental: O compromisso dolosamente falhado das Nações Unidas

 


O Conselho de da ONU reune hoje à porta fechada para discutir as questão do Sahara Ocidental - a última colónia de África. A reunião, programada desde Outubro passado, quando o CS reuniu uma vez mais para abordar a questão que se arrasta ao longo de décadas e sem que a Nações Unidas e a Comunidade Internacional que representa a resolva, tal como o prometeram ao povo desse território desde a longínqua décadas de sessenta do século passado, não deverá ter um final feliz. Muito provavelmenente o Representente Pessoal do SG da ONU para a questão, Staffan de Mistura, apresentará a sua demissão, tal como o fizeram muitos outros que o antecederam na missão. 

Eis o ponto da situação que hoje se pode ler na página do CS da ONU:

 

Ação esperada do Conselho

Em abril, os membros do Conselho de Segurança devem receber um briefing em consultas fechadas sobre a Missão da ONU para o Referendo no Saara Ocidental (MINURSO). O Representante Especial para o Sahara Ocidental e Chefe da MINURSO, Alexander Ivanko, e o Enviado Pessoal do Secretário-Geral, Staffan de Mistura, apresentarão os briefings esperados.

 

Principais desenvolvimentos recentes

O último relatório do Secretário-Geral sobre a MINURSO, publicado em 1º de outubro de 2024 e abrangendo os desenvolvimentos do ano anterior, destacou melhorias nos esforços de observação da missão, atribuindo-as ao melhor acesso às áreas próximas ao muro [que divide o território] e a garantias de segurança mais oportunas para seu deslocamento até locais de supostos incidentes de tiros e ataques aéreos. (A berma, um muro de terra com aproximadamente 2.700 quilómetros de extensão, separa a parte do Sahara Ocidental administrada por Marrocos do território controlado pela Frente Polisário — a entidade que representa o povo saharaui do Sahara Ocidental.) O relatório observou, no entanto, que a oeste da berma (ou seja, a área controlada pelo Marrocos), preocupações com a segurança às vezes dificultavam as atividades operacionais e de observação da missão em áreas com incidentes frequentes de tiros. Além disso, a falta de acesso da missão a interlocutores locais nessa região continuou a limitar severamente sua capacidade de coletar informações situacionais confiáveis, avaliar os desenvolvimentos e fornecer relatórios abrangentes em sua área de responsabilidade.

 

O relatório destacou progressos significativos no enfrentamento das restrições de abastecimento logístico no lado leste da berma. O destacamento da missão nessa área, contudo, permaneceu sujeito à autorização prévia da Frente Polisário, em caráter "provisório e excepcional". Pela primeira vez desde 2020, os comandantes das equipes da MINURSO realizaram reuniões de contato com os comandantes regionais militares adjuntos da Frente Polisário em suas respectivas equipes. No entanto, o comandante da força da MINURSO permaneceu impossibilitado de estabelecer contato direto com a liderança militar da Frente Polisário.

 


Durante as consultas encerradas dos membros do Conselho sobre a MINURSO, em 16 de outubro de 2024, De Mistura aparentemente apresentou uma ideia para a partilha do território do Sahara Ocidental entre Marrocos e a Frente Polisario. Segundo a Reuters, esse plano supostamente implicava a criação de "um Estado independente na parte sul e a integração do restante do território como parte de Marrocos, com sua soberania sobre ele reconhecida internacionalmente". De Mistura aparentemente pediu que o Secretário-Geral avaliasse a "utilidade" do cargo de enviado caso nenhum progresso fosse alcançado nos próximos seis meses.

 

Ambas as partes rejeitaram posteriormente o plano de De Mistura. Em um comunicado à imprensa de 17 de outubro de 2024 , o Secretário-Geral da Frente Polisario, Brahim Ghali, rejeitou a proposta, enfatizando que qualquer iniciativa deve garantir plenamente o direito do povo saharaui à autodeterminação. O Ministro das Relações Exteriores do Marrocos, Nasser Bourita, rejeitou a proposta durante uma coletiva de imprensa em 21 de outubro, reafirmando a soberania do Marrocos sobre o Sahara Ocidental.

 

Staffan de Mistura, representante pessoal
do SG da ONU para o Sahara Ocidental

Em 31 de outubro de 2024, o Conselho de Segurança adotou a resolução 2756, prorrogando o mandato da MINURSO por mais um ano. A resolução foi aprovada com 12 votos a favor e duas abstenções (Rússia e Moçambique, então membro do Conselho), enquanto a Argélia não participou da votação. A resolução também introduziu uma nova redação nos parágrafos preambulares, comemorando o recente impulso e instando a continuidade do progresso. (Para mais informações, veja nossa matéria "What’s in Blue" de 31 de outubro de 2024. )

 

A situação no terreno permanece tensa, caracterizada por hostilidades contínuas de baixa intensidade entre Marrocos e a Frente Polisário. Em 9 de novembro de 2024, a Frente Polisario teria lançado quatro mísseis em Mahbes, uma cidade controlada por Marrocos no Sahara Ocidental, perto da fronteira com a Argélia. Os mísseis caíram perto de uma reunião civil, embora não tenham sido relatadas vítimas. Em retaliação, o exército marroquino realizou ataques com drones contra posições da Polisário, o que aparentemente resultou em baixas, incluindo a morte de um comandante sênior. Em 26 de novembro de 2024, o primeiro-tenente-general marroquino Mohamed Berriz se encontrou com o comandante da força da MINURSO, tenente-general Fakhrul Ahsan, em Agadir, para abordar a situação de segurança.

 

Em janeiro, Marrocos teria realizado dois ataques com drones em território controlado pela Polisario. O primeiro ataque, realizado perto de Bir Lahlou em 11 de janeiro, resultou na morte de quatro pessoas, enquanto um segundo ataque, em 18 de janeiro, em Al Haouza, matou três oficiais superiores da Polisario.

 

Principais questões e opções

A questão fundamental para o Conselho é como facilitar uma resolução viável e duradoura para o impasse de longa data sobre o estatuto do Sahara Ocidental. A falta de progresso perpetua a instabilidade, deixando a MINURSO com capacidade limitada para cumprir o seu mandato e aumentando o risco de novas hostilidades na região. Enquanto isso, os membros do Conselho precisam lidar com os interesses conflituantes das principais partes interessadas no conflito.

 

Obstáculos significativos permanecem no processo de paz. A decisão da Frente Polisario, em novembro de 2020, de abandonar o cessar-fogo de 1991 levou a um aumento das hostilidades nos últimos anos. Ao mesmo tempo, Marrocos controla mais de três quartos do Sahara Ocidental e fez investimentos substanciais na região, incluindo um projeto portuário de US$ 1,2 mil milhões em Dakhla. Os colonos marroquinos representam quase dois terços dos cerca de meio milhão de habitantes do Sahara Ocidental. As tensões regionais também complicaram o processo. Desde que a Argélia rompeu relações diplomáticas com Marrocos em outubro de 2021, não houve progresso significativo no restabelecimento das relações.

 

Os desafios operacionais enfrentados pela missão, incluindo restrições de movimento, acesso limitado a áreas-chave e dificuldades de interação com interlocutores locais, também são um problema.

 

A situação dos direitos humanos no Sahara Ocidental também continua sendo motivo de preocupação para os membros do Conselho. Apesar dos múltiplos pedidos do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e do forte incentivo do Conselho de Segurança em suas resoluções da MINURSO, o acesso ao Sahara Ocidental não é concedido desde 2015. De acordo com o relatório do Secretário-Geral de 1º de outubro de 2024, o ACNUDH não pôde realizar nenhuma visita ao Sahara Ocidental pelo nono ano consecutivo. O relatório acrescentou que o ACNUDH continuou a receber relatos de impedimentos, intimidação e assédio contra ativistas saharauis que defendiam o direito à autodeterminação, todos indícios de um espaço cívico em declínio.

 

Os membros do Conselho poderiam considerar a realização de um diálogo interativo informal (DII) com as diversas partes interessadas no processo, a liderança da MINURSO, o Enviado Pessoal de Mistura e os Estados-membros e organizações regionais e sub-regionais interessados. (O DII é um formato fechado que, diferentemente das consultas fechadas, permite a participação de funcionários e informantes não pertencentes à ONU.)

 

Outra opção poderia ser emitir comunicados à imprensa após as consultas agendadas para abril para expressar apoio aos esforços de De Mistura e instar as partes relevantes a retomarem as negociações, mostrarem flexibilidade em seu engajamento com o Enviado Pessoal e entre si, e expandirem suas posições, na esperança de acabar com o impasse atual e alcançar progresso em direção a uma solução política.

 

Dinâmica do Conselho

Os membros do Conselho têm posições divergentes sobre o Sahara Ocidental. Os EUA, ‘penholder’(1) do Sahara Ocidental, reconheceram a soberania do Marrocos sobre a região em dezembro de 2020, durante o primeiro governo do presidente americano Donald Trump, e se comprometeram a abrir um consulado no território disputado, o que ainda não se concretizou. O Reino Unido apoia uma "solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável, baseada em compromisso, que garanta a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental".

 

A França recentemente apoiou integralmente o plano de autonomia do Marrocos como a "única base" para uma solução política e aprofundou os laços financeiros com Rabat, prometendo mais de 10 mil milhões de euros em investimentos durante a visita de Macron em outubro de 2024. Outro grande ponto de atrito nas relações Paris-Argel tem sido os esforços da França para deportar cidadãos argelinos. No entanto, nas últimas semanas, houve esforços para reatar os laços. O presidente argelino, Abdelmadjid Tebboune, em uma entrevista recente, descreveu Macron como o "único ponto de referência" para o restabelecimento das relações com a França, sinalizando a disposição de dialogar após um prolongado rompimento diplomático.

 

Os membros africanos do Conselho não têm uma posição comum. Serra Leoa reconhece a soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental e estabeleceu um consulado em Dakhla em agosto de 2021. A Argélia apoia firmemente o direito dos saharauis à autodeterminação e mantém relações diplomáticas com a República Árabe Saaraui Democrática (RASD). A Guiana, membro do grupo "A3 mais um", retirou seu reconhecimento da RASD, que datava de 1979, em novembro de 2020.

 

Entre os membros recém-eleitos do Conselho, a Dinamarca considera o Plano de Autonomia do Marrocos como "uma boa base para uma solução acordada entre todas as partes", enquanto a Grécia o considera uma abordagem "séria e credível". O Paquistão e a Somália mantêm relações cordiais com a Argélia e o Marrocos, mas nenhum dos dois países reconhece a RASD nem reconhece a soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental. Enquanto isso, em novembro de 2024, o Panamá suspendeu as relações diplomáticas com a RASD.

 

A dinâmica difícil do Conselho ficou evidente durante as negociações sobre a resolução 2756. A Argélia argumentou que suas opiniões não foram consideradas nem devidamente ponderadas, mas sim "deliberadamente ignoradas" pelo autor da proposta (os EUA). Antes da votação do projeto de resolução, de autoria dos EUA, a Argélia apresentou dois projetos de emendas ao texto, mas eles não obtiveram o número necessário de votos para serem adotados. Os EUA, por sua vez, reafirmaram seu apoio ao plano de autonomia do Marrocos, descrevendo-o como "sério, confiável e realista" e como uma abordagem potencial para atender às aspirações do povo do Sahara Ocidental.


(1) - No contexto do Conselho de Segurança da ONU, um 'penholder' refere-se ao Estado-Membro que lidera a redação e a negociação de resoluções, declarações presidenciais e outros documentos do Conselho sobre uma questão específica ou uma situação nacional. Normalmente, o penholder inicia e gere o processo de redação, organiza consultas com outros membros do Conselho e coordena o texto com as principais partes interessadas.

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