domingo, 30 de novembro de 2025

ENTREVISTA | Oubbi Buchraya, assessor especial do secretário-geral da Frente Polisario para os recursos naturais e assuntos jurídicos



“Ninguém entende a insistência do PSOE em ceder à chantagem de Marrocos, contra os interesses dos agricultores espanhóis”


El Independiente 30-11-2025 | Foi um dos arquitetos da ação judicial que, há um ano, levou o Tribunal de Justiça da União Europeia a anular os acordos pesqueiro e agrícola celebrados entre Bruxelas e Marrocos envolvendo o Sahara Ocidental, a antiga província espanhola. Oubbi Buchraya, um dos diplomatas saharauis mais reconhecidos, lidera agora a nova batalha judicial do Frente Polisario contra a Comissão Europeia e o seu esforço para continuar a negociar e pactuar acordos comerciais que incluam o território saharaui com o regime de Mohamed VI.

“A Polisario apresentará em dezembro um novo recurso contra este acordo no Tribunal Geral da UE, que é a primeira instância”, anuncia Buchraya em entrevista ao El Independiente, na qual se mostra especialmente crítico para com o PSOE, numa semana marcada pela votação no Parlamento Europeu que, por apenas um voto, não travou o polémico regulamento que permite etiquetar produtos saharauis como marroquinos, contrariando decisões da justiça europeia.

Os socialistas espanhóis foram decisivos para aprovar um regulamento celebrado pelo ministro Luis Planas, mas criticado por organizações agrícolas. À frente desse voto favorável aos interesses de Rabat esteve o ex-ministro Juan Fernando López Aguilar, já célebre pela frase com que resumiu a sua posição em 2023: “É preciso relacionarmo-nos com Marrocos com respeito mútuo; engolindo sapos, se necessário.”

Na próxima semana, Madrid acolhe a Reunião de Alto Nível entre Marrocos e Espanha.


Pergunta – Por apenas um voto o Parlamento Europeu não rejeitou o regulamento do novo etiquetado dos produtos provenientes do Sahara Ocidental negociado pela Comissão com Marrocos. Esperava um resultado assim?

Resposta – Ficámos a um só voto de derrubar esta parte do acordo, que é o etiquetado. Um ponto que toca o cerne da jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE, o de que Marrocos e o Sahara Ocidental são dois territórios distintos e separados. A partir da votação de 26 de novembro abre-se uma dinâmica mais favorável para travar o acordo sem necessidade de voltar aos tribunais. Tecnicamente perdemos por pouco, mas politicamente ganhámos: houve uma maioria ampla e transversal que quebra a lógica tradicional do apoio com que conta o povo do Sahara Ocidental — antes, sobretudo a esquerda, os verdes e parte dos socialistas. Agora o impulso veio do próprio PPE, apoiado também por parte da extrema-direita e por setores dos Social-Democratas (S&D). À partida, tinha tudo para passar, já que os grandes grupos PPE e S&D o haviam apoiado.


P. – Houve pressões de Rabat, como no escândalo “MoroccoGate”?

R.- A sombra do Morocogate estará sempre presente no Parlamento Europeu e em todas as instituições europeias, e não apenas na Europa, mas em todas as partes do mundo. Mas em novembro de 2018, quando o acordo anterior foi submetido à Comissão da Agricultura, foi aplaudido e apoiado por uma maioria absoluta desta comissão e, em janeiro de 2019, foi aprovado por uma maioria de 444 votos. Agora, a balança mudou completamente. Na mesma Comissão da Agricultura, em 20 de novembro, todos os membros rejeitaram por unanimidade a rotulagem e a Comissão não encontrou nenhum argumento para convencer os parlamentares. Em 26 de novembro, 359 votos foram a favor, o que representa a maioria. Agora, a balança pende a nosso favor. Isto reflete uma dinâmica positiva ascendente, resultado de uma tomada de consciência por parte de grande parte dos eurodeputados sobre o perigo de continuar neste limbo jurídico. Também interpretamos isto como um aumento da compreensão em relação à  argumentação da parte saharaui, dos juízes e, posteriormente, da legalidade internacional.


«As pressões políticas são exercidas a partir das capitais e têm influenciado diretamente o voto...»


As pressões políticas são exercidas a partir das capitais e influenciaram diretamente a votação. De Paris sobre o grupo LFI, mas a prova mais clara disso é que o PSOE rompeu com a disciplina de voto, porque o S&D tinha ordenado a todos os seus deputados que votassem a favor, enquanto o Partido Socialista Espanhol foi quase o único partido deste grupo político que rompeu com a disciplina. Como o irão explicar aos seus colegas europeus da mesma formação, não sei!


P.- Na sexta-feira, o ministro da Agricultura espanhol, Luis Planas, reconheceu: «Fico contente por esta objeção apresentada por uma parte do Parlamento Europeu não ter sido aprovada, porque não corresponde à realidade; foi uma campanha política»...

R – Creio que não há nada a comemorar. Comemorar que se tenha votado contra o bom senso e a opinião do grupo político e da maioria da Câmara reflete um certo grau de obsessão que vai além de uma posição sensata. Nem os eurodeputados com quem nos reunimos, nem nós próprios compreendemos o motivo desta insistência do PSOE em abdicar do que deveria ser a sua política nacional para Marrocos, cedendo permanentemente à sua chantagem no quadro europeu, que é um contexto totalmente diferente.


P – Os agricultores espanhóis também não entendem. Porque razão o Governo apoia um regulamento contra os interesses dos seus próprios produtores?

R – Essa resposta deve ser dada pelo ministro e pelos deputados que votaram contra. O novo acordo com Marrocos é uma violação flagrante, tanto no procedimento como no fundo. Os eurodeputados estão a tornar-se aliados objetivos do povo saharaui nesta batalha, mas também os agricultores e os sindicatos agrícolas em Espanha e em França, principalmente. E se realmente os agricultores espanhóis e europeus tinham muitos problemas e sofriam para poder comercializar os seus produtos no mercado europeu por incapacidade de competir com os produtos marroquinos, que têm um custo de produção menor e são comercializados sem pagar quaisquer tarifas e taxas, com o novo acordo, este problema vai quadruplicar devido à promessa da Comissão Europeia de fazer investimentos maciços no Sahara Ocidental em termos de água, irrigação e energia.

Isso daria realmente a Marrocos a possibilidade de ampliar os campos de cultivo desses produtos nas zonas ocupadas do Sahara Ocidental. E se o volume de exportação já era elevado, agora multiplica-se realmente por 10 ou por 20, o que complica muito mais as coisas. A questão aqui é como é possível que uma formação política coloque os interesses de terceiros, neste caso Marrocos, acima dos seus próprios agricultores e dos seus próprios cidadãos.


«Se o volume de exportação de Marrocos já era elevado, agora multiplica-se por 10 ou por 20, o que complica muito mais as coisas...»


P.- Acha que o efeito deste novo acordo poderá ser uma avalanche de produtos marroquinos falsificados...

R.- A longo prazo, sim. Porque se a Comissão Europeia se comprometer a ajudar Marrocos a desenvolver o sistema de água, irrigação e energia, Rabat, que enfrentava dificuldades para desenvolver a agricultura nessas zonas com escassez de água, teria mais possibilidades de produzir mais e, consequentemente, exportar mais para o mercado comunitário. A concorrência entre os agricultores europeus e marroquinos passa simplesmente de desleal a impossível.


P.- Há esperança de que o regulamento de rotulagem possa ser revogado pelo próprio Parlamento Europeu? Haverá mais votações?

R.- Esperamos que este acordo possa ser revogado sem que os juízes tenham de se pronunciar novamente. Agora inicia-se outro processo no Parlamento Europeu e na sua comissão de Comércio Internacional para solicitar um parecer consultivo ao Tribunal de Justiça da União Europeia sobre se este acordo, na sua nova forma, respeita ou não as sentenças de 4 de outubro de 2024. Estamos perante uma violação clara e flagrante das sentenças do TJUE. A outra oportunidade é quando chegarmos à segunda fase deste processo, porque agora foi assinado como aplicação provisória, mas o Parlamento tem de o ratificar. Será outra oportunidade para o derrubar. Depende do calendário, mas, a priori, a votação tem de ocorrer durante os primeiros três meses do próximo ano.


P. – O Frente Polisario vai recorrer o acordo?

R.- Independentemente do resultado no Parlamento Europeu, a Polisario apresentará um novo recurso contra este acordo em dezembro perante o Tribunal Geral da UE, que é a primeira instância. Vamos recorrer da assinatura do acordo na sua forma de aplicação provisória. E quando o acordo for concluído, mediante a ratificação e o voto dos Estados e o voto dos parlamentares, recorreremos do novo acordo na sua forma final concluída. De acordo com os procedimentos do tribunal, se o novo acordo formalmente concluído e ratificado pelo Parlamento for recorrido, o primeiro recurso caduca e o tribunal examinará apenas o novo, que se baseia no acordo final concluído.


«Ninguém consegue realmente compreender como é possível negociar um acordo de tal magnitude, de tal dimensão, com todas as implicações que tem, tanto políticas, diplomáticas, económicas e legais, em apenas cinco dias.»


P.- Com base na experiência anterior, o resultado dessas ações judiciais poderia ser uma nova anulação?

R.- Claramente. Primeiro, o acordo, independentemente de ter sido violado na forma ao negociar com Marrocos durante alguns meses sem qualquer autorização formal por parte do Conselho, a Comissão obteve a aprovação para iniciar as negociações com Marrocos a 10 de setembro e confirmou o acordo a 15 de setembro. Ninguém consegue realmente entender como é possível negociar um acordo de tal magnitude, de tal dimensão, com todas as implicações que tem, tanto políticas, diplomáticas, económicas e legais, em apenas cinco dias. Especialmente quando sabemos que o acordo anterior demorou quase nove meses a ser concluído. Isto confirma a suspeita de que a Comissão tem vindo a negociar com Marrocos, desde alguns meses antes de outubro de 2024, nas costas dos países membros. E depois, quando quiseram obter as autorizações para a assinatura do acordo, escolheram a via expressa, que é a votação por escrito dos países membros, sem qualquer possibilidade de abrir o debate sobre o acordo. Também é questionável a aplicação provisória, que exclui o Parlamento de ter qualquer palavra sobre uma negociação às costas do povo do Sahara Ocidental, que é o titular do direito à autodeterminação e que tem de dar o seu consentimento.

A Comissão baseou-se na janela excepcionalmente aberta pelo Tribunal de Justiça, que é o consentimento implícito. Para entender que houve tal consentimento, o tribunal blindou a noção de benefício ou criação de direitos com uma série de condições (concreto, substancial, verificável e proporcional à exploração dos recursos naturais). O que foi feito, em vez de interpretar esta janela no contexto da jurisprudência do tribunal, foi que as duas partes se apressaram a fazer uma interpretação abusiva que, em vez de adaptar a realidade que rodeia o acordo ao direito, optaram por adaptar o direito à realidade da ocupação. Assim, violaram o espírito da decisão do Tribunal. Violaram-no porque o Tribunal afirma que qualquer acordo assinado com Marrocos e que envolva os recursos naturais do Sahara Ocidental não pode criar qualquer obrigação para o povo do Sahara Ocidental, sendo este uma terceira parte no acordo. Se a comissão adotar a denominação administrativa que Marrocos utiliza para se referir às duas zonas ocupadas do Sahara Ocidental — «El Aaiún-Sakia El Hamra» ou «Dajla-Ued Eddahab» —, estará a adotar exatamente o léxico administrativo da ocupação marroquina.


«O que a Comissão Europeia faz é precisamente adotar o léxico administrativo da ocupação marroquina.»


Isto reflete realmente um certo reconhecimento da soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental e viola o que foi decidido pelo Tribunal quando solicitou que os produtos ostentassem a etiqueta do Sahara Ocidental como país de origem com o código internacional reconhecido para este território, que é EH. Desde o início, cria-se uma obrigação para o povo saharaui, e o acordo cairá talvez sem necessidade de argumentar a questão dos direitos – benefícios.


P.- O novo acordo comercial negociado em segredo pela CE inclui investimentos em projetos de infraestrutura no território ocupado e um aumento da ajuda humanitária da UE aos campos de refugiados saharauis...

R. – Se entrarmos nos detalhes desses benefícios, a verdade é que o acordo beneficia apenas o país ocupante e não o povo do Sahara Ocidental. A Comissão compromete-se a fazer investimentos nos setores de dessalinização da água, irrigação e energia, entre outros. Mas estes são investimentos que ajudam Marrocos a consolidar a sua ocupação económica do território e em nenhum momento criam direitos ou benefícios concretos, substanciais, verificáveis e proporcionais para o povo do Sahara Ocidental na parte ocupada do território. O Tribunal faz uma distinção clara entre o que é o povo, titular do direito à autodeterminação, e a população que reside hoje no território do Sahara Ocidental, composta na sua maioria por colonos marroquinos. E quando tentam beneficiar a parte do povo do Sahara Ocidental refugiada, a Comissão diz que se compromete a intensificar a ajuda humanitária ao povo do Sahara Ocidental. Mas a ajuda humanitária é caridade. Não se pode fazer caridade a uma pessoa com os seus próprios bens, com os seus próprios meios, com as suas próprias propriedades. A UE contribui há muitos anos para o esforço internacional de ajuda humanitária, mas isso não tem nada a ver com o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia.


P. – A Comissão tem luz verde para negociar um novo acordo de pesca com Marrocos. O que fará a Frente Polisario?

R. – O acordo de pesca seria ainda mais flagrante do que o acordo comercial, porque o Tribunal de Justiça o anulou com efeito imediato. Em segundo lugar, no que diz respeito ao acordo de pesca, a exploração é feita diretamente pela União Europeia. É um acordo que beneficia Marrocos ao consolidar a sua ocupação económica do território, mas ainda mais perigoso é consolidar a sua política de colonização demográfica do território. Porque o acordo de pesca está dividido em três partes, a primeira das quais é o apoio setorial, que representa mais ou menos um terço do volume deste acordo, para apoiar os assentamentos das pequenas aldeias de pescadores marroquinos que estão instaladas na costa saharaui, de norte a sul. E isso realmente apoia o que é a colonização demográfica do território no Sahara Ocidental. Nós também vamos recorrer. Não creio que a Comissão tenha a possibilidade de avançar para uma aplicação provisória, porque o acordo foi anulado sem qualquer possibilidade de prorrogação de um ano em vigor, como foi feito com o acordo comercial. Tem necessariamente de passar pelo Parlamento Europeu.

Oubbi Buchraya

Não somos contra os interesses dos pescadores, sobretudo espanhóis. Estamos dispostos a oferecer e a contribuir para que os pescadores europeus continuem a pescar no Sahara Ocidental, mas em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça da UE. E se a Comissão quiser sentar-se com o representante legítimo do povo do Sahara Ocidental para negociar isso, estamos mais do que dispostos a fazê-lo.


P.- Durante este último ano desde a sentença, a Comissão entrou em contacto com a Polisario em algum momento?

R.- Não. Isso deve ser perguntado à Comissão, mas entendo que houve um veto por parte de Marrocos: «Se falarem com a Polisario, nós estamos fora disso».


«Estamos a trabalhar com algumas empresas para denunciar a sua atividade no Saara Ocidental.»


P.- Que medidas irá a Polisario tomar contra as empresas europeias - incluindo espanholas - que estão a investir nos territórios ocupados? O que enfrentam as empresas europeias que estão neste momento a pensar investir no Sahara?

R.- Para nós, as empresas de direito europeu, desde a decisão do TJUE, perderam o enquadramento jurídico para continuar a fazer negócios no Sahara Ocidental ocupado. Estamos a trabalhar com algumas empresas para denunciar a sua atividade no Sahara Ocidental e temos toda a esperança de que isso possa prosperar. O comissário dos Transportes e Turismo já afirmou, relativamente à atividade da Ryanair e ao seu voo entre Madrid e Dakhla, que o acordo de aviação entre a União Europeia e Marrocos não abrange, em caso algum, o espaço aéreo do Sahara Ocidental e que qualquer companhia que opere voos a partir de uma cidade europeia para uma cidade ocupada do Sahara Ocidental estaria a violar o direito europeu e o direito internacional. E essa é realmente a interpretação correta das decisões do TJUE. Por conseguinte, privilegiamos a comunicação política com as empresas para as convencer a retirarem-se do território. Mas se não nos quiserem ouvir ou não corrigirem a sua atitude, somos obrigados a denunciar esta situação nos diferentes países europeus. Marrocos falhou em impor o facto consumado através da ocupação militar e falhou em impor o facto consumado através da colonização demográfica.

Agora está a tentar impor o facto consumado através da ocupação económica do território e envolvendo atores estrangeiros para lhe conferir legitimidade e gerar uma certa dependência do comércio europeu. Sabemos qual é o objetivo de Marrocos e temos de o impedir. Temos os instrumentos legais suficientes para o fazer.


P.- A recente resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas encorajou Marrocos. Receia que a utilizem para justificar a exploração dos recursos naturais do Sahara?

R.- Marrocos aproveita-se de tudo, até das suas próprias ilusões, para lançar este tipo de ações. Em França, fizeram-no através da Agência Económica Oficial de Desenvolvimento, apelando às empresas francesas para que se instalassem no Sahara Ocidental e fizessem negócios. É a grande aposta de Marrocos e dos seus aliados. E certamente Marrocos utilizará esta pequena preferência incluída na última resolução do Conselho de Segurança, exatamente para elaborar o seu discurso e as suas narrativas e tentar convencer os investidores internacionais. E é aí que temos a obrigação de frustrar isso através de ações concretas.


«Estima-se que os dois acordos da União Europeia com Marrocos representem cerca de 800 milhões de euros anuais em perdas para os saharauis devido à pilhagem dos seus recursos.»


P.- Qual é o valor económico estimado da pilhagem dos recursos naturais do Sahara nos últimos anos?

R.- Estima-se que os dois acordos da União Europeia com Marrocos representem cerca de 800 milhões de euros por ano. Depois, há os investimentos diretos das empresas europeias e a pilhagem por parte de outros atores fora da União Europeia. A verdade é que Marrocos não teria conseguido sustentar a sua ocupação militar do território do Sahara Ocidental se não fosse a possibilidade de a financiar através da pilhagem dos recursos naturais deste território. São valores realmente muito elevados e nós, claro, tencionamos reclamar indemnizações à União Europeia. A Comissão está instalada nesta lógica de desafio contínuo à palavra dos juízes e aos direitos do povo do Sahara Ocidental, sem qualquer limite.

Estamos dispostos a dialogar com a Comissão, já o expressámos várias vezes. Poderíamos ter evitado todos estes litígios e este limbo jurídico se a UE tivesse tido uma atitude diferente connosco. Com a Palestina, este desgaste judicial não existe porque tanto a Comissão como o Conselho discutem sempre e abertamente com a OLP e a Autoridade Palestiniana. Não é o caso connosco. É lamentável. Lamentável e triste, sabendo que a Frente Polisario fez uma aposta estratégica, desde os anos 90, na possibilidade de recuperar os nossos direitos por via legal e pacífica, sem necessidade de recorrer à luta armada. Infelizmente, a comunidade internacional no seu conjunto e, muito especialmente, a UE desapontaram-nos. E se hoje há guerra no Sahara Ocidental, é precisamente por isso.


sábado, 29 de novembro de 2025

A ofensiva marítima de Marrocos e a ameaça sobre as águas das Canárias

Barco de pesca no Porto de El Aaiún, Sahara Ocidental ocupado

Em artigo no El Independiente, o jornalista Francisco Carrión  afirma que Marrocos tem reforçado a sua estratégia de expansão marítima no Atlântico, pressionando Espanha a aceitar delimitações que incluam as águas do Sahara Ocidental — território que Rabat ocupa desde 1975, mas cuja soberania não é reconhecida pela ONU. A ofensiva, impulsionada pela recente resolução do Conselho de Segurança sobre o Sahara, coloca no centro do conflito as águas entre as Canárias e o território saharaui, ricas em pesca, minerais estratégicos e potencial energético.

Segundo especialistas citados, trata-se de um conflito em três dimensões: legal, porque Marrocos delimitou unilateralmente a sua Zona Económica Exclusiva (ZEE) incluindo águas saharauis; política, porque essas águas pertencem a um território não autónomo; e estratégica, devido a recursos valiosos como o telúrio no Monte Tropic. O Monte Tropic é um vulcão submarino localizado no Atlântico Oriental, perto das Canárias e relativamente próximo do Sahara Ocidental. Tornou-se conhecido não apenas pelo seu interesse geológico, mas sobretudo pelo enorme valor estratégico e económico dos minerais presentes nos seus fundos marinhos.

Rabat tem intensificado a pressão diplomática e promovido a ideia de oferecer a Espanha “segurança jurídica reforçada para as Canárias”, em troca de cedências que implicariam reconhecer soberania marroquina sobre o Sahara — algo incompatível com o direito internacional. Juristas citados rejeitam a narrativa marroquina e sublinham que qualquer acordo sobre águas saharauis é nulo sem o consentimento do povo do território.

O Governo espanhol, preso entre obrigações históricas e a dependência política de Rabat, mantém uma posição ambígua. Especialistas alertam que Espanha continua a ser, de acordo com o direito internacional, a potência administrante “de jure” do Sahara, não podendo negociar em nome de Marrocos.

O litígio envolve ainda o acesso a recursos pesqueiros, corredores logísticos, potenciais energéticos e projectos de mineração submarina, tornando o Atlântico oriental um espaço crucial de influência. A tensão aumenta à medida que Marrocos tenta consolidar “factos consumados” no mar, replicando a estratégia seguida em terra no Sahara Ocidental.

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Agricultores franceses protestam contra tomates Azura rotulados como “Marrocos” mas provenientes do Sahara Ocidental

 


Perpignan, França — A Confédération Paysanne realizou esta quarta-feira uma ação de protesto contra a comercialização de tomates da marca Azura rotulados como “Marrocos”, mas que, segundo o sindicato, têm origem no Sahara Ocidental, território considerado pela ONU como não autónomo e ainda por descolonizar.
Cerca de cinquenta manifestantes participaram na iniciativa, que começou com uma tentativa de entrada num entreposto da Azura, grupo franco-marroquino. Os agricultores foram impedidos de aceder às instalações, mas seguiram para um supermercado Carrefour, onde encheram carrinhos com tomates alegadamente produzidos no território ocupado, levando-os para o exterior para denunciar a prática.
A porta-voz do sindicato, Fanny Métrat, afirmou que a ação visa simultaneamente defender “o direito à autodeterminação do povo saharaui” e proteger “um rendimento justo para os agricultores franceses”, criticando a concorrência de produtos vendidos a preços muito inferiores.
Jean Thévenot, também porta-voz, comparou a situação à rotulagem de produtos “como israelitas quando são produzidos em territórios palestinianos”.
A Confédération Paysanne acusa a União Europeia de ignorar a decisão do Tribunal de Justiça da UE, de outubro de 2024, que obriga a identificar o Sahara Ocidental como país de origem nos produtos agrícolas exportados pelo Marrocos a partir daquele território.



Primeiro-ministro saharaui pede a França que corrija posição sobre o Sahara Ocidental

 

Bachraya Hamudi Bayún

Na véspera da 49.ª Conferência Internacional de Apoio ao Povo Saharaui (EUCOCO), o primeiro-ministro da República Árabe Saharaui Democrática (RASD), Bachraya Hamudi Bayún, apelou esta sexta-feira, em Paris, a uma mudança de posição do Governo francês sobre o Sahara Ocidental.
Em conferência de imprensa com órgãos de comunicação internacionais, Bayún afirmou que França deve “corrigir urgentemente o seu rumo” e alinhar-se com o direito internacional, que reconhece o direito do povo saharaui à autodeterminação. O dirigente pediu coerência com os princípios que o país proclama — “Liberté, Égalité, Fraternité” — e o abandono do apoio às posições defendidas por Marrocos.
O responsável saharaui dirigiu também uma mensagem à opinião pública europeia, sobretudo à francesa, instando os cidadãos a exigirem aos seus governos o respeito pelo direito internacional e a rejeição de políticas que, na sua opinião, alimentam a ocupação marroquina do território.
Bayún agradeceu ainda o papel do movimento solidário francês que contribuiu para que a conferência decorra em Paris, cidade que, sublinhou, desempenha um papel central nas dinâmicas políticas que envolvem o conflito.
O primeiro-ministro criticou igualmente França e Espanha pelo “papel negativo” nas instituições europeias, acusando ambos os países de tentarem contornar as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia que declararam ilegais os acordos comerciais UE–Marrocos aplicados ao Sahara Ocidental ocupado.
Bachraya Hamudi Bayún terminou reafirmando que o povo saharaui manterá a sua luta “por todos os meios legítimos” até que seja concluído o processo de descolonização do que considera ser a última colónia em África. A conferência no Parlamento francês decorrerá este sábado, reunindo especialistas e organizações de apoio ao povo saharaui.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

A aplicação provisória do Acordo UE-Marrocos de 3 de outubro de 2025 viola gravemente o Direito Internacional, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE e o direito inalienável à autodeterminação do povo saharaui – Comunicado da AFAPREDESA



A AFAPREDESA — organização com estatuto de observador na Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e reconhecida pelo seu trabalho na defesa das vítimas de desaparecimento forçado e repressão no Sahara Ocidental — denuncia perante a comunidade internacional a grave violação do Direito Internacional cometida pela União Europeia ao aplicar provisoriamente o acordo comercial assinado com Marrocos em 3 de outubro de 2025.

O pacto, que altera os Protocolos 1 e 4 do Acordo de Associação UE-Marrocos, estende de forma fraudulenta as preferências pautais a produtos provenientes do Sahara Ocidental ocupado, recorrendo à manipulação administrativa de os apresentar como parte de “regiões” marroquinas — Laâyoune-Sakia El Hamra e Dakhla-Oued Eddahab — apesar de as Nações Unidas reconhecerem explicitamente o Sahara Ocidental como Território Não Autónomo por descolonizar.


Um ato contrário à jurisprudência internacional

A violação não é apenas política: é juridicamente insustentável.

Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)

A sentença de 4 de outubro de 2024 (C-778/21 P e C-798/21 P), confirmada em 15 de janeiro de 2025, reiterou princípios firmados em decisões anteriores:

  • O Sahara Ocidental é um território “distinto e separado” de Marrocos.

  • Nenhum acordo internacional pode ser aplicado ao território sem o consentimento do povo saharaui, representado exclusivamente pela Frente Polisário.

  • Supostos benefícios económicos não substituem o consentimento, e devem ser concretos, verificáveis e sujeitos a controlos independentes.

  • A população colona marroquina representa cerca de três quartos da população total dos territórios ocupados, segundo dados utilizados pela própria Comissão Europeia e citados no ponto 157 da sentença de 4 de outubro de 2024. Essa população, transferida ilegalmente pela potência ocupante em violação do artigo 49º da IV Convenção de Genebra, não pode substituir o povo saharaui, titular legítimo do direito à autodeterminação. O ponto 156 da mesma sentença reconhece que a maioria dos saharauis vive fora dos territórios ocupados — nos campos de refugiados na Argélia ou na diáspora.

O acordo de 3 de outubro de 2025 viola todos estes princípios e contraria abertamente a jurisprudência consolidada do TJUE.

Nações Unidas

A União Europeia viola ainda:

  • A Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral, que consagra o direito à autodeterminação dos povos coloniais.

  • As Resoluções 34/37 (1979) e 35/19 (1980), que qualificam Marrocos como potência ocupante.

  • Pareceres jurídicos da ONU, nomeadamente o de Hans Corell (2002): “Qualquer exploração de recursos naturais sem o consentimento do povo saharaui é ilegal.”

  • A Resolução 2797 (2025) do Conselho de Segurança, que reafirma a natureza do conflito, o direito à autodeterminação e a necessidade de uma solução conforme ao Direito Internacional.

O acordo agora aplicado pela UE ignora deliberadamente estas bases jurídicas, apoiando de facto a ocupação e legitimando a expansão económica marroquina.


Um pacto que legitima o saque e alimenta a repressão

O acordo de 3 de outubro:

  • Foi assinado sem o consentimento do povo saharaui, representado pela Frente Polisário, que o rejeita e prepara novas ações legais.

  • Não gera benefícios reais para a população saharaui, favorecendo empresas marroquinas e redes ligadas à ocupação militar.

  • Não prevê mecanismos independentes de controlo: a certificação de origem fica nas mãos da potência ocupante.

  • Utiliza rotulagem opaca e enganosa, escondendo ao consumidor europeu a verdadeira origem dos produtos: um território marcado por tortura, julgamentos militares, desaparecimentos e repressão sistemática.

O acordo não é técnico nem neutro: é um ato de cumplicidade económica e política com as violações de direitos humanos cometidas diariamente por Marrocos nos territórios ocupados.

Enquanto a UE abre as portas a tomates, melões ou peixe do Sahara Ocidental, os saharauis continuam a ser presos, torturados ou desaparecidos por exigirem algo tão básico quanto o direito internacionalmente reconhecido à autodeterminação e à independência.


AFAPREDESA EXIGE:

  1. Suspensão imediata da aplicação provisória do acordo de 3 de outubro por violar o Direito Internacional e as sentenças do TJUE.

  2. Que o Parlamento Europeu rejeite definitivamente este pacto ilegal.

  3. Que a Comissão Europeia estabeleça um processo de consulta real com o único representante legítimo do povo saharaui: a Frente Polisário.

  4. Que os Estados-Membros, especialmente Espanha enquanto potência administrante de jure, assumam as suas responsabilidades jurídicas e históricas na descolonização do território.

  5. Que a UE deixe de financiar indiretamente a ocupação e passe a defender ativamente o Direito Internacional.


Uma mensagem clara: o povo saharaui não cederá

O povo saharaui não aceitará novas traições disfarçadas de pragmatismo. Continuará a lutar — nos tribunais, nas instituições e no terreno — com a força da justiça, da legitimidade histórica e do Direito Internacional.

Não ao saque!
Sim à autodeterminação!

Wilaya Chahid El Hafed, 26 de novembro de 2025

Por um voto, Parlamento Europeu deixa passar manobra da Comissão para ocultar origem dos produtos originários do Sahara Ocidental


 

O Parlamento Europeu falhou por apenas um voto a oportunidade de bloquear a controversa proposta da Comissão Europeia que permite mascarar a verdadeira origem dos produtos agrícolas provenientes do Sahara Ocidental ocupado. A objeção apresentada — que visava impedir que frutas e hortícolas saharauis fossem reetiquetadas como oriundas de “regiões administrativas” de Marrocos — reuniu 360 votos, quando eram necessários 361.

Apesar do impasse formal, o resultado expõe de forma inequívoca a profundidade da contestação política à manobra de Bruxelas. Uma clara maioria do plenário pediu à Comissão que não deixe o regulamento entrar em vigor devido ao seu caráter abertamente enganoso. No entanto, o requisito de maioria absoluta acabou por salvar, por um triz, uma proposta amplamente vista como juridicamente insustentável e politicamente tóxica.

No cerne da polémica está a insistência da Comissão em contornar sucessivas sentenças do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que têm reiterado que Marrocos não tem soberania sobre o Sahara Ocidental e não pode incluir o território em acordos comerciais sem o consentimento do povo saharaui. Ao permitir a substituição do país de origem por designações administrativas marroquinas, Bruxelas tenta normalizar uma ocupação ilegal e importar para o mercado europeu os interesses geopolíticos de Rabat.

O debate que antecedeu a votação foi marcado por críticas sem precedentes. Eurodeputados de vários grupos acusaram a Comissão de estar a promover um autêntico “rebranding” de um território não autónomo, enganando consumidores, prejudicando produtores europeus e violando abertamente o direito internacional. O estreitamento por um único voto da barreira que impediu o chumbo definitivo deixa clara a erosão do apoio à estratégia de Bruxelas.

A derrota da objeção não encerra o processo. O regulamento seguirá agora para um procedimento completo de codecisão entre Parlamento e Conselho, onde o escrutínio político será ainda mais intenso. O episódio mostra que a Comissão enfrenta resistência crescente dentro das próprias instituições europeias e que a tentativa de legitimar a ocupação marroquina está longe de reunir o consenso que pretende projetar.

Se para sustentar esta iniciativa a Comissão precisa de uma margem de um voto, a fragilidade da sua narrativa fica exposta. E confirma-se que, na questão do Sahara Ocidental, o problema já não é apenas a ocupação por Marrocos — é a complacência de Bruxelas perante ela.

Como votaram os 21 deputados portugueses:



04 – votaram CONTRA a proposta que visava bloquear a iniciativa da Comissão Europeia que permite mascarar a verdadeira origem dos produtos agrícolas provenientes do Sahara Ocidental ocupado. Foram eles: Sebastião Bugalho, Paulo Cunha, Lídia Pereira e Hélder Sousa Silva (todos do Partido Popular Europeu e eleitos pelo PSD).



08 – votaram a FAVOR da proposta que visava bloquear a iniciativa da CE: Isilda Gomes, Sérgio Gonçalves, Ana Catarina Mendes, André Rodrigues, Carla Tavares, Marta Temido (todos do Grupo Socialistas e Democratas – S&D e eleitos pelo PS), João Oliveira (do Grupo The Left eleito pelo PCP) e Ana Vasconcelos (do Grupo Renew eleita pela IL).


05 – optaram pela ABSTENÇÃO. Paulo do Nascimento Cabral, Sérgio Humberto (ambos do Partido Popular Europeu e eleitos pelo PSD) , Ana Miguel Pedro (do Grupo PPE e eleita pelo CDS nas listas da Aliança Democrática), Bruno Gonçalves (do Grupo S&D, eleito pelo PS) e António Tânger Corrêa (do Grupo PfE eleito pelo Chega).



04 - AUSENTES - o socialista Francisco Assis, o liberal João Cotrim de Figueiredo, Catarina Martins do Bloco de Esquerda e Tiago Moreira de Sá, do Chega.


segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Presidente da RASD alerta UA e UE: “Sahara Ocidental continua por descolonizar”


O presidente da República Árabe Saharaui Democrática (RASD) lembrou hoje, na 7.ª Cimeira União Africana–União Europeia, em Luanda, que a questão do Sahara Ocidental permanece “pendente de descolonização”, classificando o território como “a última colónia de África”.

Dirigindo-se aos chefes de Estado e líderes europeus e africanos, o responsável saharaui sublinhou que “ainda existe um povo africano — o povo saharaui — que luta com paciência e perseverança”, aguardando que a comunidade internacional permita o exercício do seu “direito legítimo, inalienável e imprescritível” à autodeterminação e à independência.




No seu discurso, o presidente da RASD apelou a que a União Europeia desempenhe um papel mais eficaz na promoção da paz no continente e no fim dos conflitos armados. Reforçou ainda o pedido para que a UE cumpra e faça cumprir o direito internacional, o direito humanitário e o próprio direito europeu, garantindo o respeito pela autodeterminação e pela soberania dos povos sobre os seus recursos naturais.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Deputados do PP das Canárias reafirmam apoio ao povo saharaui

 


Canárias (Espanha), 21 de novembro de 2025 (SPS) – Vários deputados do Partido Popular (PP) das Canárias, tanto do Congresso como do Senado, renovaram o seu apoio ao direito à autodeterminação do povo saharaui numa reunião realizada ontem na sede do Conselho Provincial de Gran Canaria, com representantes da Frente Polisario no arquipélago.
O encontro contou também com a presença de destacadas figuras políticas locais e dos presidentes das associações de amizade canárias com o povo saharaui, reconhecidas pelo seu apoio histórico à causa.
Em nome da delegação parlamentar do PP, o deputado Carmelo Barrio sublinhou que “a legitimidade internacional e as resoluções das Nações Unidas constituem a base incontestável da causa saharaui”, reiterando que o PP mantém uma posição clara: defender que o povo saharaui deve decidir livremente o seu futuro através de um referendo justo e transparente.



Barrio criticou duramente a mudança de posição do Governo espanhol, acusando-o de alinhar com o plano expansionista de Marrocos. Segundo o deputado, o Executivo deve “explicar as razões ocultas” que estão por detrás desta viragem, que “contraria as resoluções internacionais que reconhecem o Sahara Ocidental como um território ainda não autodeterminado”.

No âmbito da XI Legislatura do Parlamento de Canarias, que é constituído por 70 deputados, o Partido Popular de Canarias detém 15 deputados, o que o coloca como a terceira força parlamentar da região.

Polisario nega negociações imediatas com Marrocos

 


O El Independiente, em artigo assinado pelo jornalista FranciscoCarrión, revela que a Frente Polisario nega a existência de qualquer calendário imediato para negociações com Marrocos, apesar do discurso triunfalista difundido por Rabat após a aprovação da Resolução 2797 do Conselho de Segurança da ONU. Fontes próximas ao movimento saharaui afirmam que não há datas nem avanços concretos, sublinhando que Marrocos ainda não detalhou a sua proposta de autonomia.
Segundo o jornal espanhol, a Polisario considera que a autonomia é rejeitada pela população saharaui e representaria também um desafio interno para Marrocos, cuja estrutura centralizada poderia enfrentar pressões de outras regiões. As fontes citadas afirmam ainda que Rabat nunca apresentou um projeto real de autonomia, usando-o sobretudo para adiar o referendo de autodeterminação.
Num memorando enviado esta semana à ONU, a Frente Polisario destaca que Marrocos não conseguiu alcançar três objetivos-chave: o reconhecimento da sua soberania sobre o Sahara Ocidental, a imposição da sua proposta como única base de negociação e a reorientação do mandato da MINURSO. A organização insiste que a resolução final não reconhece a soberania marroquina nem limita o processo ao plano de autonomia.
O movimento reafirma estar disponível para negociações diretas, sem condições prévias, no quadro da autodeterminação previsto pela ONU, e alerta que aceitar o enquadramento marroquino seria “predeterminar o resultado” e legitimar uma ocupação considerada ilegal.
O jornal acrescenta que Washington e Paris deverão pressionar Polisario e Argélia para retomarem o diálogo em 2026, enquanto o enviado da ONU, Staffan de Mistura, tenta restaurar o processo de paz e pôr fim à guerra de baixa intensidade que vigora desde 2020. Contudo, o El Independiente conclui que, apesar da narrativa oficial marroquina, o processo continua sem datas, sem conteúdos definidos e sem sinais de convergência real entre as partes.



Parlamento Europeu: Comissão Europeia sob fogo por tentar alterar rotulagem de produtos do Sahara Ocidental

 


O Parlamento Europeu confrontou ontem duramente a Comissão Europeia por ter proposto uma alteração às regras de rotulagem de origem para produtos provenientes do Sahara Ocidental, permitindo que frutas e legumes cultivados em território ocupado sejam etiquetados com nomes de “regiões” administradas por Marrocos, e não como “Sahara Ocidental”, como determina o Tribunal de Justiça da UE (TJUE).
A Comissão admitiu que introduziu uma “derrogação” às regras normais da UE e que a solução resultou de negociações com Marrocos, o que gerou críticas imediatas de eurodeputados de todos os grupos políticos — do PPE aos Verdes, passando pela Esquerda e Patriots for Europe — que consideram a proposta ilegal, enganosa para os consumidores e contrária às decisões do TJUE e ao direito internacional.
Os eurodeputados acusaram a Comissão de ceder a pressões de Marrocos, contornar a jurisprudência e prejudicar agricultores europeus e saharauis. Ninguém defendeu a proposta. Foi apresentada uma objeção formal ao novo regulamento, que será votada no plenário de 26 de novembro.
A controvérsia expõe tensões institucionais entre Parlamento e Comissão e reacende o debate sobre o papel da UE no conflito do Sahara Ocidental.

Fonte: WSRW

Coordenadora Europeia Via Campesina denuncia novo acordo comercial UE-Marrocos



A Coordenadora Europeia Via Campesina (ECVC) - confederação de sindicatos e organizações de camponeses, pequenos e médios agricultores, e trabalhadores agrícolas em toda a Europa - criticou o novo acordo comercial entre a União Europeia e Marrocos, alegando que o pacto viola a decisão do Tribunal de Justiça da UE (TJUE) e ignora o direito à autodeterminação do povo saharauí. A organização acusa a Comissão Europeia e o Governo marroquino de tentarem “salvar os interesses de uma minoria de multinacionais” à custa dos agricultores europeus e marroquinos, defendendo que o Parlamento Europeu deve recusar a ratificação do acordo.
A ECVC recorda que, em 2024, o TJUE anulou os anteriores acordos de pesca e agricultura por falta de consentimento do povo saharaui e práticas de rotulagem consideradas enganosas, que mascaravam a origem real de produtos provenientes do Sahara Ocidental. A organização denuncia ainda concorrência desleal, más condições laborais nas estufas marroquinas e falta de controlo aduaneiro.
Segundo a ECVC, o novo acordo tenta contornar a decisão judicial, propondo ajudas financeiras, investimentos em infraestruturas e a criação de regiões fictícias (“Grand Sud marocains”) para evitar que os produtos do Sahara Ocidental sejam corretamente identificados. A organização sublinha também que os agricultores marroquinos sofrem com a exploração dos recursos naturais, que, afirma, favorece o modelo agroexportador.
A ECVC apela a que a UE respeite o direito internacional, a transparência e a soberania alimentar, e defende a construção de um novo modelo comercial baseado na solidariedade, conforme proposto pelo movimento internacional La Via Campesina.

A confederação de sindicatos e organizações de camponeses, pequenos e médios agricultores atualmente é composta por 28 organizações agrícolas nacionais e regionais de 20 países europeus.

Nouvel accord commercial UE-Maroc : ECVC dénonce un accord contraire à la décision de la CJUE et défendra les droits des paysans Européens et Marocains en solidarité avec les intérêts du peuple Sahraoui - Via Campesina

domingo, 16 de novembro de 2025

"Timor-Leste continua a posicionar-se firmemente ao lado do povo saharaui, apoiando o seu direito à autodeterminação e à plena soberania sobre o seu território" (Primeiro-Ministro de Timor-Leste)

 


Díli (Timor-Leste), 16 de novembro de 2025 – O Primeiro-Ministro da República Democrática de Timor-Leste, Kay Rala Xanana Gusmão, reafirmou o firme compromisso do seu país ao lado do povo saharaui, apoiando o seu direito à autodeterminação e à plena soberania sobre o seu território.

A declaração foi feita numa carta datada de 4 de novembro de 2025, enviada pelo Primeiro-Ministro timorense ao Presidente da República e Secretário-Geral da Frente Polisario, Brahim Ghali.
"Timor-Leste continua a posicionar-se firmemente ao lado do povo saharaui, apoiando o seu direito à autodeterminação e à plena soberania sobre a sua terra.

E reconhecemos, pela nossa própria experiência, o profundo significado dessas aspirações e o dever moral que recai sobre os Estados para as apoiar.

A coragem e a resiliência do povo saharaui continuam a ser uma fonte de inspiração para todos os que acreditam na liberdade e na dignidade humana", escreveu o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão na sua mensagem ao Presidente Brahim Ghali.(SPS)

50.º aniversário do Tratado Tripartido de Madrid: o protesto saiu à rua em Madrid


Milhares de espanhóis e saharauis desceram à rua em Madrid, tal como o fazem todos os anos, para protestarem e denunciarem esse ignóbil ato que foi o Tratado Tripartido de Madrid, pelo qual Espanha, em 14 de novembro de 1975, repartiu o território da sua antiga colónia do Sahara Ocidental por Marrocos e Mauritânia, abandonando o seu povo à sorte dos invasores.


Bilbau acolhe jornada sobre vítimas saharauis do franquismo e pós-franquismo


No próximo dia 19 de novembro, Bilbau acolhe a jornada “Contra o Esquecimento. Vítimas do franquismo e o Sahara Ocidental”, uma iniciativa que procura envolver organizações sociais, academia, instituições e partidos políticos no aprofundamento da verdade histórica e na defesa da justiça para o povo saharaui.

O encontro é organizado pelo Instituto Hegoa (Universidade do País Basco), Euskal Fondoa e a Delegação Saharaui no País Basco, com o apoio da Câmara Municipal de Bilbao, e integra a 10.ª edição dos Dias Europeus de Solidariedade Local, promovidos pela União Europeia através da plataforma PLATFORMA.

A jornada decorrerá entre as 09h30 e as 17h30, no Itsasmuseum Bilbao, reunindo representantes de organizações saharauis — como a AFAPREDESA (associação de familiares de presos e desaparecidos), e a AFAB, que representa familiares e amigos de Basiri (Mohamed Sidi Brahim Basir, líder nacionalista saharaui morto em 1970 pelas autoridades coloniais espanholas na sequência do levantamento de Zemla no Sahara Ocidental) — bem como juristas, investigadores, jornalistas e dirigentes políticos. Estarão também presentes associações de vítimas do franquismo, como a Martxoak 3 Elkartea.




Nova investigação sobre a responsabilidade do Estado espanhol

O encontro terá como eixo central a apresentação do estudo “Saharauis: as outras vítimas do franquismo e pós-franquismo. Memória, desmemória e responsabilidades do Estado espanhol”, realizado por Abdeslam Aomar Lahsen, presidente da AFAPREDESA.

A investigação analisa a relação entre Espanha e o Sahara Ocidental sob a perspectiva do colonialismo e das violações de direitos humanos sofridas pela população saharaui durante a ditadura franquista e nos anos posteriores. O trabalho enquadra-se nos princípios da justiça transicional e na Lei de Memória Democrática de 2022, defendendo o reconhecimento do povo saharaui como vítima direta do regime franquista.

Com esta jornada, os organizadores pretendem reforçar a visibilidade destas violações históricas e impulsionar mecanismos institucionais de memória, reparação e responsabilidade.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Jornalistas saharauis discutem dossiê do Sahara Ocidental no Parlamento Europeu


 

Uma delegação da Liga de Periodistas y Escritores Saharauis en Europa (Lpese), composta por cerca de vinte membros, realizou uma visita de trabalho ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, para discutir a situação do Sahara Ocidental com vários eurodeputados.
Segundo relata o Periodistas en Español, os jornalistas saharauis alertaram para as tentativas da Comissão Europeia de contornar a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que anulou acordos UE-Marrocos por incluírem o território do Sahara Ocidental sem o consentimento do seu povo. A delegação recordou que “não há solução possível para o conflito sem o respeito pela vontade do povo saharauí” e reiterou que a exploração de recursos naturais só pode ocorrer com o aval do Frente Polisario.
Durante a visita, foi também sublinhada a importância de reforçar a “diplomacia mediática” para combater a desinformação e dar maior visibilidade à causa saharaui nos fóruns internacionais.
O encontro decorreu semanas depois da criação, no Parlamento Europeu, do grupo de amizade Paz para o Povo Saharaui e num contexto marcado por novas resoluções da ONU e pelo 50.º aniversário dos Acordos de Madrid, que dividiram o território.
A Lpese destacou ainda os atuais desafios enfrentados pela República Árabe Saharaui Democrática (RASD) e a necessidade de garantir o cumprimento do Direito Internacional e das resoluções das Nações Unidas

Fonte: Periodistas em Español



quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Pedro Sánchez volta a evitar o tema do Sahara Ocidental no Congresso e enfrenta críticas de vários partidos

 

Pedro Sanchez. Foto La Moncloa


No debate parlamentar de 12 de novembro, o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez voltou a não mencionar o Sahara Ocidental, apesar das perguntas de Sumar, EH Bildu, Podemos e BNG, que exigiram um reposicionamento do Governo sobre o território ocupado por Marrocos.
A deputada Verónica Martínez Barbero (Sumar) criticou o chefe do Governo por ignorar um tema que considerou “uma questão de justiça e de decência política”. Contestou ainda o apoio implícito de Espanha à mais recente resolução do Conselho de Segurança da ONU, que privilegia o plano marroquino de autonomia, e lembrou que o Tribunal de Justiça da UE já determinou que o Sahara Ocidental não faz parte de Marrocos.
Sumar questionou também porque continua bloqueada no Parlamento a proposta de lei para conceder nacionalidade espanhola aos saharauis. Sánchez, na resposta, não fez qualquer referência ao território, limitando-se a advertir os seus parceiros de Governo sobre críticas internas.
EH Bildu, Podemos e BNG alinharam nas críticas, pedindo o abandono do apoio espanhol ao plano marroquino e a reposição da defesa do direito à autodeterminação do povo saharaui.
A porta-voz de EH Bildu, Mertxe Aizpurua, alertou para o risco de Espanha legitimar a “impunidade” de Marrocos. Ione Belarra (Podemos) afirmou que a maioria da sociedade espanhola quer uma mudança de posição e o respeito pelos direitos saharauis. Néstor Rego (BNG) associou o caso ao da Palestina, pedindo “liberdade para todos os povos”.
O Governo espanhol mantém, desde 2022, o apoio ao plano de autonomia marroquino — uma mudança histórica que continua a gerar forte contestação no Parlamento. Mudança política que surgiu após o telemóvel do chefe de Governo espanhol e de vários dos seus ministros terem sido alvo da espionagem marroquina-israelita através do programa Pegasus.



Documentário sobre Aminetu Haidar expõe papel de Espanha e Marrocos na crise do Sahara Ocidental



A ativista saharaui Aminetu Haidar, conhecida como a “Gandhi saharaui”, regressa ao centro do debate político com o documentário Aminetu, realizado por Lucía Muñoz Lucena e produzido pela EntreFronteras, que estreou no Festival Internacional de Cinema do Sahara (FiSahara), em Madrid. O filme revive os 32 dias de greve de fome que, em 2009, colocaram sob pressão o governo de José Luis Rodríguez Zapatero e expuseram as fragilidades da política espanhola em relação ao Sahara Ocidental.




A obra, descrita como um “docuthriller”, combina jornalismo de investigação e narrativa política para reconstruir o episódio em que Haidar, impedida de regressar a El Aaiún, recusou aceitar a nacionalidade marroquina e manteve o protesto até ser autorizada a voltar ao território ocupado. O caso abriu uma crise diplomática entre Madrid e Rabat e revelou divisões internas no executivo espanhol.

O documentário inclui testemunhos de figuras como o juiz Baltasar Garzón, a advogada canária Inés Miranda, a mulher de José Saramago, Pilar del Río, e o actor espanhol Pepe Viyuela, bem como antigos responsáveis políticos — entre eles Agustín Santos Maraver, então chefe de gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, e Luis Planas, atual ministro da Agricultura e ex-embaixador em Marrocos, que defende a proposta marroquina de autonomia como a solução “mais realista” para o conflito.

Zapatero, Miguel Ángel Moratinos e José María Aznar recusaram participar no filme, que denuncia o “apagão político” de 2009 e a persistente “dívida histórica” de Espanha desde o abandono da colónia em 1975.




Durante a apresentação, Haidar — vencedora do Prémio Right Livelihood, conhecido como o “Nobel Alternativo da Paz” — alertou para o crescente desespero entre os jovens saharauis e para o risco de um regresso da violência, num contexto em que o Conselho de Segurança da ONU voltou a favorecer a proposta de autonomia marroquina.

“Não sou o centro da história, o centro é o meu povo”, disse Haidar, que continua a ser um dos rostos mais persistentes da resistência pacífica saharaui.

Fonte: El Independiente (Francisco Carrión, 12/11/2025)


AMINETU

Realização: Lucía Muñoz Lucena

País: Espanha

Ano: 2025

Duração: 1h 30min