sexta-feira, 11 de maio de 2012

Mohamed Abdelaziz: «A nossa preocupação hoje é a independência, não a liderança da Polisario»




A independência está em primeiro, antes inclusive que a renovação da cúpula do Governo saharaui. Quem o afirma é o seu presidente, no poder desde 1976, neste entrevista ao ABC.

Mohamed Abdelaziz (1948) afirma também que existe um detido relacionado com o sequestro nos acampamentos de refugiados saharauis el em outubro passado de três cooperantes, os espanhóis Ainhoa Fernández e Enric Gonyalons e a italiana Rosella Urru. O líder da Polisario não teme a aproximação entre Rabat e Argel e espera que o Executivo do PP os apoie na senda pela independência, ainda que esteja consciente de que a atual crise possa impedir que haja novos pronunciamentos a curto prazo a este respeito.

-A primavera Árabe veio demonstrar a necessidade de mudança de líderes. A Frente Polisario, com a sua liderança desde 1976, é vista como uma organização imóvel.

-A representação e a liderança da Polisario nunca constituiu um problema para nós porque em cada congresso se presenta a oportunidade, garantida pelos estatutos, de a renovar. Atualmente a primeira preocupação de qualquer saharaui não é tanto o da liderança mas antes conseguir atingir aquele que é o nosso objetivo principal, que é a independência e retirar Marrocos da nossa pátria, que nos priva dos nossos principais direitos como o da habitação, a livre expressão e movimento. Isso não significa que não tenhamos que aprender com a história mundial da democracia ou dos direitos humanos. Dentro da Polisario praticamos esta democracia e a aceitação da maioria sobre a minoria. Os seus militantes querem que seja assim. A opinião da maioria deve ser respeitada.

-Acredita que a existência de diferentes partidos ou correntes poderia constituir um obstáculo para atingir a independência?

-Não temos um partido único, a Frente Polisario não é um partido mas sim um amplo movimento em el que todos os saharauis que querem a independência têm lugar, seja de direitas ou de esquerdas. A única condição para estar na Polisario é querer a liberdade da pátria. Uma vez libertada, e como há gente de todas as cores, cada um será livre fazer o que quiser.

-O que há por detrás do sequestro que teve lugar aqui em outubro de três cooperantes, dois espanhóis e uma italiana?

-Considero que os autores quiseram atingir e fazer mal à República Árabe Saharaui Democrática (RASD), à Frente Polisario e aos refugiados. A Polisario é um movimento democrático que defende a igualdade entre mulheres e homens, a livre expressão, um modelo de convivência moderno em consonância com as regras demandas internacionais. Isso aconteceu numa região em que existem grupos que querem atacar este modelo que estamos aqui a criar. Também pode ser para conseguir recursos financeiros ou para que se deem a conhecer novos grupos terroristas.

-Existem detidos relacionados com esse acontecimento? São saharauis?
-Temos um indivíduo de origem maliana muito envolvido no tráfico de drogas desde o Atlântico até ao Mar Vermelho. Forneceu informações aos sequestradores, meios e logística.

- O que lhe irá acontecer?

-Será apresentado aqui ante o tribunal.

-Mantêm contacto com as autoridades espanholas sobre as iniciativas que estão sendo levadas a cabo para a libertação dos sequestrados?

-Temos relações e contactos com o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Espanha e com os serviços especializados que têm relação com este assunto.

-Dentro de um ano cumpre-se o 40º aniversário da Polisario e o conflito continua bloqueado. Pensaram em alternativas?

-Para nós a única solução é a da expressão livre do povo saharaui. Estamos conscientes de que haverá que fazer sacrifícios para alcançar este objetivo, mas também estamos conscientes de que o vamos alcançar. O prolongamento do e tempo não fará desaparecer o direito à independência, nem o vai prescrever. Recentemente estive na África do Sul nas comemorações do centenário do Congresso Nacional Africano (CNA), que conseguiu o seu objetivo depois de 82 anos de combate.

-Nota que tenha havido uma mudança nas relações bilaterais com a chegada ao de um novo Governo a Madrid?

-É um pouco prematuro pedir a Espanha tomadas de posição em relação ao povo saharaui. Primeiro há que dar ao Governo tempo para ordenar as suas coisas em casa, que as tem e são muito complicadas. Não lhe pedimos gestos claros a curto prazo mas esperamos que o façam uma vez chegado o momento. Teremos que pedir-lhe resposta para algumas questões que dizem respeito a Espanha pelo seu papel histórico no conflito. Até agora temos indícios positivos em relação ao PP. Esperamos que reconheçam a responsabilidade histórica espanhola no conflito e que a solução deve passa pelo direito do povo saharaui à autodeterminação, algo que foi reconhecido pelo PP ainda recentemente.

-A aproximação entre Rabat e Argel põe em perigo o compromisso argelino para com os saharauis?

-Não. Não creio que seja uma ameaça. A posição da Argélia no conflito do Sahara tem por base o direito internacional e a defesa da autodeterminação. Não creio que essa aproximação vá em nosso detrimento, pois é Marrocos quem necessita da Argélia, das suas riquezas, das suas finanças, do seu petróleo e necessita-o para sair da sua situação de quase isolamento económico e político.

-Mas Rabat é muito apoiado por Paris ou Washington, não acha?

-Os países medem-se por indicadores económicos, pela sua capacidade de afrontar o terrorismo, pelas suas democracias mais abertas ou por aspetos sociais. E nestes indicadores Argélia supera Marrocos.

-Que consequências podem ter para vós um ascenso islamita nas eleições que vão ter lugar na Argélia?

-Até agora todos os argelinos sem exceção defendem os direitos do povo saharaui, independentemente da sua coloração política. Não nos preocupa que sejam os islamitas ou de outra tendência.

LUIS DE VEGA / ENVIADO ESPECIAL A RABUNI (ARGÉLIA) 10/05/2012

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