O Sahara
Ocidental não faz parte de Marrocos. O Tribunal de Justiça da União Europeia
acaba de reconhecer esta obviedade… que muitos, no entanto, teimam em negar ou
ocultar. E precisamente porque não faz parte de Marrocos, os produtos agrícolas
ou pesqueiros faturados no Sahara Ocidental não podem ser considerados como
produtos de Marrocos. A consequência de tal constatação foi hoje — 10 de
dezembro de 2015 — plasmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia numa
histórica sentença. No dia internacional dos direitos humanos, quarenta anos
depois do parecer do Tribunal Internacional de Justiça sobre o Sahara Ocidental
em 1975, o povo saharaui volta a obter um reconhecimento da justiça à sua
causa. @Desdelatlantico.
*Catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Santiago de Compostela desde 2001.
I. AS HISTÓRICAS ACÇÕES DA FRENTE
POLISARIO CONTRA OS ACORDOS UE-MARROCOS
Neste blog, já
antes intitulei um artigo sobre a ação interposta pela Frente Polisario contra o
acordo UE-Marrocos de liberalização de produtos agrícolas e pesqueiros como “Histórica
iniciativa: Polisario coloca o Conselho ante o Tribunal da UE”. Não
era nada que fosse exagerado. Estávamos ante uma iniciativa histórica porque era a primeira vez que a
Frente Polisario comparecia ante um Tribunal internacional para defender os direitos
do povo saharaui.
II. VITÓRIA TOTAL DA FRENTE POLISARIO
NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
A
sentença de 10 de Dezembro de 2015 constitui uma decisão de importância
histórica. É a primeira vez que é ANULADO um acordo internacional da UE com Marrocos
por violar os direitos do povo saharaui.
A sentença
começa com uma excelente, documentadíssima e rigorosa exposição do estatuto
jurídico do Sahara Ocidental (parágrafos 1 a 16 da sentença), após o que refere
as circunstâncias do acordo impugnado.
São várias as
questões que foram discutidas no processo (a audiência teve lugar a 15 de junho
do corrente ano) e que o tribunal delibera.
1. A
Frente Polisario tem personalidade jurídica para recorrer deste acordo
O primeiro aspeto que foi discutido é se a Frente
Polisario era uma “pessoa moral” no sentido do artigo 263 do Tratado de
Funcionamento da União Europeia.
A resposta do
tribunal é clara: Sim. O parágrafo 60 da sentença (de momento apenas em francês)
diz:
60. Compte tenu de ces
circonstances fort particulières, il convient de conclure que le Front
Polisario doit être considéré comme une « personne morale », au sens de
l’article 263, quatrième alinéa, TFUE, et qu’il peut introduire un recours en
annulation devant le juge de l’Union, quand bien même il ne disposerait pas de
la personnalité juridique selon le droit d’un État membre ou d’un État tiers.
En effet, ainsi que cela a été relevé ci‑dessus, il ne
saurait disposer d’une telle personnalité que conformément au droit du Sahara
occidental qui n’est toutefois, à l’heure actuelle, pas un État reconnu par
l’Union et ses États membres et ne dispose pas de son propre droit.
2. A
Frente Polisario é direta e individualmente afetada por acordos da UE com
Marrocos que digam respeito ao Sahara Ocidental
Embora
admitindo que a Frente Polisário tinha personalidade jurídica, foi colocada a
questão se poderia recorrer contra este acordo. O artigo do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia exige que o recorrente seja afetado de forma direta
e individual pela norma de que recorre.
O tribunal, de
novo, responde de forma contundente que a Frente Polisario é afetada direta e
individualmente pelo acordo e pode, portanto, recorrer perante a Justiça Europeia:
113. Or, les circonstances
mentionnées au point 110 ci‑dessus constituent bien une
situation de fait qui caractérise le Front Polisario par rapport à toute autre personne
et lui confère une qualité particulière. En effet, le Front Polisario est le
seul autre interlocuteur qui participe aux négociations menées sous l’égide de
l’ONU, entre lui et le Royaume du Maroc, en vue de la détermination du statut
international définitif du Sahara occidental.
114 Il convient donc de
conclure que, dès lors que le Front Polisario est directement et
individuellement concerné par la décision attaquée, il n’existe de ce point de
vue aucun doute quant à la recevabilité du recours, contrairement à ce que font
valoir le Conseil et la Commission.
3. A UE tem
a obrigação de verificar que a exploração dos recursos económicos do Sahara
Ocidental não se efetue em detrimento da população saharaui
O tribunal
de Justiça da UE nesta sentença faz uma afirmação importantíssima, a saber, que
se a UE permite a importação de produtos obtidos num terceiro país violando os
direitos fundamentais estaria incentivando indiretamente essas violações de direitos.
Algo que é especialmente importante num caso como o do Sahara Ocidental, pois como
diz o tribunal não só nenhum Estado reconhece que o Sahara Ocidental faz parte
das fronteiras (soberania) marroquina, como NENHUMA instância internacional lhe
deu um mandato para ADMINISTRAR o Sahara Ocidental:
231. (…) si l’Union permet
l’exportation vers ses États membres de produits en provenance de cet autre
pays qui ont été fabriqués ou obtenus dans des conditions qui ne respectent pas
les droits fondamentaux de la population du territoire dont ils proviennent,
elle risque d’encourager indirectement de telles violations ou d’en profiter.
232. Cette considération est
d’autant plus importante dans le cas d’un territoire, comme le Sahara
occidental, qui est administré, dans les faits, par un État tiers, en
l’occurrence le Royaume du Maroc, tout en n’étant pas inclus dans les
frontières internationalement reconnues de cet État tiers.
233. Il convient également
de tenir compte du fait que le Royaume du Maroc ne dispose d’aucun mandat,
décerné par l’ONU ou par une autre instance internationale, pour
l’administration de ce territoire et qu’il est constant qu’il ne transmet pas à
l’ONU de renseignements relatifs à ce territoire, tels que ceux prévus par
l’article 73, sous e), de la charte des Nations unies.
O tribunal
afirma que o acordo de liberalização UE-Marrocos facilita a importação de
produtos do Sahara Ocidental, mas esse acordo não garante que essa atividade
económica vá beneficiar os saharauis:
238. (…) l’exportation vers
l’Union de produits en provenance, notamment, du Sahara occidental est
facilitée par l’accord en question. En effet, cela fait partie des objectifs
dudit accord. Par conséquent, s’il devait s’avérer que le Royaume du Maroc
exploitait les ressources du Sahara occidental au détriment de ses habitants,
cette exploitation pourrait être indirectement encouragée par la conclusion de
l’accord approuvé par la décision attaquée.
239. (…) il suffit de
relever que l’accord ne garantit pas davantage une exploitation des ressources
naturelles du Sahara occidental profitable à ses habitants.
O tribunal
rejeita que a verificação de determinar se a exploração dos recursos do Sahara
Ocidental beneficia ou não os saharauis seja feita apenas por Marrocos. Isto é:
o Conselho da União Europeia tem a obrigação de verificar esse ponto:
246. Les arguments du
Conseil, résumés aux points 230 et 236 ci‑dessus, montrent au
contraire qu’il considère
que la question de savoir si l’exploitation des ressources du Sahara occidental
se fait ou non au détriment de la population locale ne concerne que les
autorités marocaines. Or, pour les motifs exposés aux points 227 à 233 ci‑dessus, cette thèse ne
saurait être admise.
247 Il en résulte que le
Conseil a manqué à son obligation d’examiner, avant l’adoption de la décision
attaquée, tous les éléments du cas d’espèce. Par conséquent, il convient de
faire droit au recours et d’annuler la décision attaquée en ce qu’elle approuve
l’application de l’accord visé par elle au Sahara occidental.
A síntese da
doutrina do Tribunal de Justiça da UE está contido neste parágrafo, talvez, em
minha opinião, seja o MAIS IMPORTANTE de toda a sentença.
241. Or, compte tenu
notamment du fait que la souveraineté du Royaume du Maroc sur le Sahara
occidental n’est reconnue ni par l’Union et ses États membres ni, plus
généralement, par l’ONU, ainsi que de l’absence de tout mandat international
susceptible de justifier la présence marocaine sur ce territoire, le Conseil,
dans le cadre de l’examen de tous les éléments pertinents du cas d’espèce en
vue de l’exercice de son large pouvoir d’appréciation concernant la conclusion,
ou non, d’un accord avec le Royaume du Maroc susceptible de s’appliquer
également au Sahara occidental, devait s’assurer lui-même qu’il n’existait pas
d’indices d’une exploitation des ressources naturelles du territoire du Sahara
occidental sous contrôle marocain susceptible de se faire au détriment de ses
habitants et de porter atteinte à leurs droits fondamentaux. Il ne saurait se
limiter à considérer qu’il incombe au Royaume du Maroc d’assurer qu’aucune
exploitation de cette nature n’a lieu.
III. CONCLUSÃO: O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DA UE NÃO SE DEIXOU AMEDRONTAR PELAS AMEAÇAS DE MOHAMED VI
Este blog foi
o único meio que se fez eco das ameaças vertidas por Mohamed VI contra a UE no
seu discurso de aniversário da chamada Marcha “Verde” (mas negra na realidade).
Mohamed VI disse:
Marrocos enfrentará
qualquer tentativa de questionar o estatuto legal do Sahara marroquino e pretenda
desafiar os plenos plenos poderes no nosso país no seu território, tanto nas suas
províncias do Sul como do Norte
No dia 12 de
novembro escrevi neste blog algo que — após a sentença do Tribunal da União Europeia
— devo reiterar:
É evidente que Mohamed
VI se está referindo ao Supremo Tribunal de Inglaterra e ao Tribunal de Justiça
da União Europeia.
Possui informações ou suspeitas
de que o Tribunal de Justiça da União Europeia vai deliberar a favor da demanda
apresentada pela Frente Polisario?
As ameaças de Mohamed
VI, no entanto, não devem ser levadas a sério. Basta conhecer a quantidade ENORME
de dinheiro que a UE transfere para Marrocos assim como a dependência que tem a
economia marroquina da economia da UE para verificar que no caso, provável , de
que o Tribunal Europeu declare que os produtos do Sahara Ocidental NÃO podem
ser etiquetados como de “Marrocos” Mohamed VI terá que arrepender-se dessas
palavras que proferiu.
Não será a primeira, nem
certamente, a última vez que Mohamed VI, suposto representante de Alá, tem que
se desdizer.
Não restam dúvidas.
Mohamed VI terá que desdizer-se.
Uma vez mais.