quarta-feira, 25 de julho de 2012

“O Sahara Ocidental é um assunto de política interna espanhola”



Bucharaya Beyun, representante da Frente Polisario em Espanha e primeiro-ministro da República Saharaui nos anos oitenta, deu uma entrevista ao jornal “Heraldo” de Aragão, Saragoça. 

Qual a relação com o atual Governo de Espanha?

A relação é boa, mas necessita-se de um passo mais para materializar a solução. A Espanha cabe-lhe atuar porque juridicamente é a potência colonizadora e administrante do território. Deve defender ante a Europa e as Nações Unidas que este conflito está pendente de uma solução e que o povo saharaui tem direito a expressar-se livremente quanto ao seu futuro. Não devem limitar-se a fazer declarações quando questionados, com isso não se avança.

Recentemente grupos solidários com a causa saharaui de Espanha denunciaram a venda de armas espanholas a Marrocos…

Apesar da União Europeia proibir a venda de armas a países que violam os direitos humanos, Espanha sempre o fez durante todos estes anos. Essas armas são usadas pelas forças de repressão marroquinas para reprimir o povo saharaui. Desde os capacetes aos uniformes que envergam, até às balas que utilizam, tudo é espanhol. Espanha deve converter-se na referência europeia neste conflito mas, lamentavelmente, nos últimos anos tem estado a reboque da posição francesa, que é quem está a marcar o caminho. O direito internacional deixa claro que Espanha continua a ser a responsável enquanto o processo de descolonização não for concluído. Não pedimos que se ponha a favor da Frente Polisario ou contra Marrocos; pedimos que se ponha do lado do respeito pelo direito internacional.

A consciencialização da sociedade espanhola é a adequada?

Sim. Contamos com cerca de 400 associações de apoio à causa saharaui em Espanha. Existe uma Federação Espanhola de Associações que engloba autarquias e instituições, uma Conferência de Intergrupos, a Associação de Juristas, os atores, os cineastas…
(…)
Há um movimento solidário muito amplo; e é assim porque muita gente se sente defraudada e responsável pelo mal levado a cabo pela política de descolonização. A questão do Sahara Ocidental em Espanha não é uma questão de política internacional, é uma questão de política interna enquanto o processo de descolonização não for concluído. É distinto do Iraque ou da Palestina.

Foi primeiro-ministro da República Saharaui nos anos oitenta, quais as principais diferenças entre a situação atual e a de então?

Nesse tempo estávamos em guerra e a situação prioritária era a frente militar, sem esquecer o enorme trabalho social. Estávamos apostados em criar a base governamental do país. Mas a guerra armada terminou quando se aceitou o plano de paz e, agora, o tempo é de procura de uma solução pacífica e democrática para a qual fizemos muitas concessões... Lamentavelmente, a resposta internacional recebida não corresponde aos nossos esforços. Depois de 20 anos de presença das Nações Unidas no território para levar a cabo esse plano de paz, o balanço é o fracasso. Nem fez o referendo que decretou para 1992 nem nada faz para que se respeitem os direitos humanos que constantemente Marrocos viola, ou para pôr fim à brutal espoliação dos recursos naturais. Somos levados a interpretar que a sua presença no território não passa de um instrumento para legitimar a ocupação... Perdemos a esperança e a confiança na comunidade internacional.

"Na juventude e no exército
a paciência vai-se esgotando..."

A paciência vai-se esgotando apenas entre os dirigentes ou é um sentimento generalizado entre a população?

Sobretudo nos setores mais jovens e no exército. Os dirigentes sempre procuram impor mais paciência, mais esperança e arrastar todo o processo para uma solução pacífica. Os jovens saharauis já não confiam na ONU. Os dirigentes procuram convencê-los de que há que dar mais tempo a uma solução pacífica, mas não conseguiremos manter essa situação por muito mais tempo. Neste momento o processo de negociação está quebrado por parte de Marrocos, que não quer negociar sob os auspícios do atual mediador internacional, o americano Cristopher Ross, no qual a ONU continua a renovar a sua confiança. Já foram bloqueados três processos de solução: Marrocos não quer aceitar fazer um referendo porque o corpo eleitoral não lhe era favorável; boicotou também o plano Baker (que previa cinco anos de autonomia antes se fazer o referendo); e, em terceiro lugar, rompeu este último plano de negociações há um mês porque não o beneficiava: Até quando vamos estar pendentes desta negativa marroquina e da passividade da comunidade internacional?

Então, qual será a possível solução para pôr termo ao conflito saharaui?

A solução definitiva deve ser a democrática, aquela em que os saharauis decidam. Se não há referendo, o cessar-fogo perde o seu sentido. A comunidade internacional interveio militarmente no Kosovo, na Bósnia, mas justificam não o fazer no nosso conflito porque no Sahara não corre sangue. Estão a incitar-nos a regressar à guerra para conseguir essa intervenção. Espanha tem a responsabilidade de liderar essa luta pela via democrática. Não tem que ser hoje, pois entendemos que a situação interna é muito complicada, mas terá que o fazer em dois ou três anos.

A ajuda humanitária está a ser afetada devido à crise económica?

A ajuda internacional foi sempre deficiente. A crise está a atingir duramente Espanha e por esse lado está também a afetar fortemente os saharauis. Este ano vimos reduzido em 48 % o apoio que recebemos de Espanha. Além do aspeto económico, em 2012 só 5.600 crianças saharauis puderam vir a Espanha passar férias com famílias de Espanha, em vez das 8.000 ou 9.000 que eram acolhidas em anos anteriores. Outro claro exemplo: habitualmente saíam de Espanha 12 voos charter em direção aos acampamentos saharauis na Semana Santa; este ano foram apenas três.

Viu o documentário “Filhos das Núvens” de Bardem?

Claro. Creio que reflete bastante bem a realidade do povo saharaui e a má descolonização que fez a Espanha; mostra também o injusto apoio incondicional que França presta a Marrocos e deixa clara a posição americana a favor de que se respeitem as liberdades e os direitos humanos. O próprio Jorge Moragas (atual chefe do gabinete do Presidente de Governo Mariano Rajoy) defende a responsabilidade política de Espanha, responsável pelo conflito até que este não termine.

HERALDO DE ARAGON,  22 julho 2012
Entrevista de Isabel Fredes

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