Bucharaya Beyun, representante da Frente Polisario em
Espanha e primeiro-ministro da República Saharaui nos anos oitenta, deu uma
entrevista ao jornal “Heraldo” de Aragão, Saragoça.
Qual a relação com o
atual Governo de Espanha?
A relação é boa, mas necessita-se de um passo mais para
materializar a solução. A Espanha cabe-lhe atuar porque juridicamente é a
potência colonizadora e administrante do território. Deve defender ante a
Europa e as Nações Unidas que este conflito está pendente de uma solução e que
o povo saharaui tem direito a expressar-se livremente quanto ao seu futuro. Não
devem limitar-se a fazer declarações quando questionados, com isso não se
avança.
Recentemente grupos
solidários com a causa saharaui de Espanha denunciaram a venda de armas
espanholas a Marrocos…
Apesar da União Europeia proibir a venda de armas a países
que violam os direitos humanos, Espanha sempre o fez durante todos estes anos.
Essas armas são usadas pelas forças de repressão marroquinas para reprimir o
povo saharaui. Desde os capacetes aos uniformes que envergam, até às balas que
utilizam, tudo é espanhol. Espanha deve converter-se na referência europeia
neste conflito mas, lamentavelmente, nos últimos anos tem estado a reboque da
posição francesa, que é quem está a marcar o caminho. O direito internacional
deixa claro que Espanha continua a ser a responsável enquanto o processo de
descolonização não for concluído. Não pedimos que se ponha a favor da Frente
Polisario ou contra Marrocos; pedimos que se ponha do lado do respeito pelo
direito internacional.
A consciencialização
da sociedade espanhola é a adequada?
Sim. Contamos com cerca de 400 associações de apoio à causa
saharaui em Espanha. Existe uma Federação Espanhola de Associações que engloba
autarquias e instituições, uma Conferência de Intergrupos, a Associação de
Juristas, os atores, os cineastas…
(…)
Há um movimento solidário muito amplo; e é assim porque
muita gente se sente defraudada e responsável pelo mal levado a cabo pela
política de descolonização. A questão do Sahara Ocidental em Espanha não é uma
questão de política internacional, é uma questão de política interna enquanto o
processo de descolonização não for concluído. É distinto do Iraque ou da
Palestina.
Foi primeiro-ministro
da República Saharaui nos anos oitenta, quais as principais diferenças entre a
situação atual e a de então?
Nesse tempo estávamos em guerra e a situação prioritária era
a frente militar, sem esquecer o enorme trabalho social. Estávamos apostados em
criar a base governamental do país. Mas a guerra armada terminou quando se
aceitou o plano de paz e, agora, o tempo é de procura de uma solução pacífica e
democrática para a qual fizemos muitas concessões... Lamentavelmente, a
resposta internacional recebida não corresponde aos nossos esforços. Depois de
20 anos de presença das Nações Unidas no território para levar a cabo esse
plano de paz, o balanço é o fracasso. Nem fez o referendo que decretou para
1992 nem nada faz para que se respeitem os direitos humanos que constantemente
Marrocos viola, ou para pôr fim à brutal espoliação dos recursos naturais.
Somos levados a interpretar que a sua presença no território não passa de um instrumento
para legitimar a ocupação... Perdemos a esperança e a confiança na comunidade
internacional.
"Na juventude e no exército a paciência vai-se esgotando..." |
A paciência vai-se
esgotando apenas entre os dirigentes ou é um sentimento generalizado entre a
população?
Sobretudo nos setores mais jovens e no exército. Os
dirigentes sempre procuram impor mais paciência, mais esperança e arrastar todo
o processo para uma solução pacífica. Os jovens saharauis já não confiam na
ONU. Os dirigentes procuram convencê-los de que há que dar mais tempo a uma
solução pacífica, mas não conseguiremos manter essa situação por muito mais
tempo. Neste momento o processo de negociação está quebrado por parte de
Marrocos, que não quer negociar sob os auspícios do atual mediador
internacional, o americano Cristopher Ross, no qual a ONU continua a renovar a
sua confiança. Já foram bloqueados três processos de solução: Marrocos não quer
aceitar fazer um referendo porque o corpo eleitoral não lhe era favorável;
boicotou também o plano Baker (que previa cinco anos de autonomia antes se fazer
o referendo); e, em terceiro lugar, rompeu este último plano de negociações há
um mês porque não o beneficiava: Até quando vamos estar pendentes desta
negativa marroquina e da passividade da comunidade internacional?
Então, qual será a
possível solução para pôr termo ao conflito saharaui?
A solução definitiva deve ser a democrática, aquela em que
os saharauis decidam. Se não há referendo, o cessar-fogo perde o seu sentido. A
comunidade internacional interveio militarmente no Kosovo, na Bósnia, mas justificam
não o fazer no nosso conflito porque no Sahara não corre sangue. Estão a
incitar-nos a regressar à guerra para conseguir essa intervenção. Espanha tem a
responsabilidade de liderar essa luta pela via democrática. Não tem que ser
hoje, pois entendemos que a situação interna é muito complicada, mas terá que o
fazer em dois ou três anos.
A ajuda humanitária
está a ser afetada devido à crise económica?
A ajuda internacional foi sempre deficiente. A crise está a
atingir duramente Espanha e por esse lado está também a afetar fortemente os
saharauis. Este ano vimos reduzido em 48 % o apoio que recebemos de Espanha.
Além do aspeto económico, em 2012 só 5.600 crianças saharauis puderam vir a
Espanha passar férias com famílias de Espanha, em vez das 8.000 ou 9.000 que
eram acolhidas em anos anteriores. Outro claro exemplo: habitualmente saíam de
Espanha 12 voos charter em direção aos acampamentos saharauis na Semana Santa;
este ano foram apenas três.
Viu o documentário
“Filhos das Núvens” de Bardem?
Claro. Creio que reflete bastante bem a realidade do povo
saharaui e a má descolonização que fez a Espanha; mostra também o injusto apoio
incondicional que França presta a Marrocos e deixa clara a posição americana a
favor de que se respeitem as liberdades e os direitos humanos. O próprio Jorge
Moragas (atual chefe do gabinete do Presidente de Governo Mariano Rajoy)
defende a responsabilidade política de Espanha, responsável pelo conflito até
que este não termine.
HERALDO DE ARAGON, 22
julho 2012
Entrevista de Isabel Fredes
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