quarta-feira, 23 de abril de 2014

O drama de um “súbdito” sob suspeita


Mohamed Radi Ellili. foto: Rafa Avero



Os direitos humanos não são respeitados em Marrocos. Muito menos nos territórios ocupados à força do Sahara Ocidental. Rabat teme os saharauis. Ainda que possam beijar a mão do rei. Quem o afirma é Mohamed Radi Ellili, jornalista saharaui, que viu truncada a sua carreira profissional, porque disse que foi demitido e impedido de ter acesso à sede da Sociedade Nacional de Rádio e Televisão de Marrocos, a televisão pública marroquina, onde apresentava o noticiário do horário nobre.

Artigo de Rafa Avero l 21 abril, 2014

Mohamed Radi é, tecnicamente, espanhol. Nasceu em El Aaiún em agosto de 1975, na então província espanhola, e capital do Sahara Ocidental posteriormente ocupada por Marrocos, cuja soberania não é reconhecida pelas Nações Unidas. Mohamed Radi sente-se marroquino.

Em 1999, acabados os estudos de jornalismo radiofónico, começa a trabalhar, sem contrato, para a Televisão Nacional em Rabat. Ganhando muito menos que os seus homólogos de origem marroquina. “Pagavam-me um salário de subsistência, sem descontos para a segurança social e sem cobertura sanitária, apesar de fazer o mesmo trabalho que os meus companheiros”, relata na sede da Asociación Noun de Saharauis Marroquíes, em Tenerife, grupo que o apoiou durante o início da ronda internacional que empreendeu para recolher apoios para a sua causa.

No início, foi correspondente da televisão saudita MBC e apresentador da cadeia iraniana de televisão Al Alam, em Teerão. No ano de 2006, ao licenciar-se simultaneamente em jornalismo televisivo e sociologia, é finalmente contratado pela Sociedade Nacional de Radiodifusão e Televisão de Marrocos (a cadeia pública marroquina), mas sem que lhe tivesse sido reconhecido a sua antiguidade laboral.

É um bom profissional, está formado, e sai-se muito bem por detrás das câmaras. Além disso é originário do Sahara Ocidental, das “províncias do Sul”, como o designa Rabat, no seu ímpeto colonizador, e ele próprio. Um diamante em bruto para a realeza alauita, que o utiliza para dar uma imagem de normalidade, de igualdade de oportunidades e de espelho onde se possam olhar os jovens saharauis que vivem nos territórios ocupados.

Mohamed Radi sabe-o, e presta-se a isso. Quer, segundo nos conta, “ser o laço de união entre todos os saharauis, os que vivem no norte, no sul e os exiliados”. Quer, com o seu exemplo, convencer, sobretudo, os que vivem nos acampamentos de refugiados de Tindouf, de que é possível viver bem, e em paz, sob o regime de Mohamed VI. Depressa, porém, descobriria que não é assim tão fácil.
 
Mohamed Radi Ellili. foto: Rafa Avero


Corre o ano de 2004 e trabalha sem contrato. É um saharaui preparado academicamente, que trabalha para a sua cadeia de TV apresentando os informativos em El Aaiún.  Dois anos depois contratam-no; recorda: "Promovem-me e colocam-me em Rabat, onde após a apresentação de telejornais em diferentes horários atribuem-me o telediário de maior audiência." Bate recordes no horário nobre. "O meu telejornal era, de longe, o mais visto, em comparação com os de outras cadeias. O estudo registado pela empresa Maroc Metri atribui-me os melhores registos de audiência: com um share de 40% ", afirma com orgulho.

O jornalista trabalha sob as ordens de três diferentes diretores informação, mas sua posição era inamovível. É a imagem da informação televisiva, o único apresentador saharaui, a face visível de um processo normalizador de integração de saharauis na vida marroquina, como interessa mostrar o regime reinante. A sua empresa patrocina-lhe, inclusive, vários cursos de especialização em França e na BBC, em Londres.

É enviado especial a diferentes partes do mundo, confiando-lhe também a cobertura das cinco rondas de negociações entre Marrocos e a Frente Polisario. A sua vida profissional e pessoal sorriem-lhe. Até ao momento em que — relata —, Fátima Barudi desembarca na direção dos serviços de informação.

“Esta senhora não se fia em mim dada as minhas origens do Sahara — lamenta-se — concede-me um tratamento vexatório. Nunca me chama pelo meu nome, refere-se a mim como o “saharaui da jaima”. Não me deixam apresentar resultados de eleições e proíbem-me de viajar para cobrir diferentes eventos de interesse. Nos últimos três anos só me deixaram viajar uma única vez. Proíbem-me de escrever e titular as notícias que devo apresentar”.

Mohamed Radi assegura que começou então a morder o pó. Esta diretora dos noticiários remete uma informação escrita aos seus superiores afirmando que tinha “perdido a confiança” no seu apresentador estrela, culpando-o de uma falta profissional. Castigam-no com uma suspensão de emprego e deixam de lhe pagar salário durante oito meses. Uma vez reintegrado no seu posto de trabalho sucedem-se os episódios de perseguição laboral. Pede uma semana de folga e ao regressar à sede do seu posto de trabalho, no dia 17 de junho de 2013, o segurança proíbe-lhe a entrada, segundo diz, acatando ordens dos seus superiores, mas sem identificar ninguém. É oralmente demitido sem quaisquer documentos que comprovem isso.

O apresentador estrela dirige-se então aos tribunais penal e de trabalho, onde interpõe as correspondentes ações para que lhe sejam restituídos os seus direitos. Assegura que é apoiado por mais de 30 diferentes associações de advogados, de direitos humanos e por distintos setores da sociedade civil de Marrocos, onde realizou uma viagem por 17 cidades denunciando o seu caso. Escreveu a todos os partidos políticos de Marrocos e “embora a nível pessoal me afirmem o seu apoio e solidariedade — entre eles 39 deputados —, nenhum partido me respondeu”.

A sensação que tem Mohamed Radi é que é insultado por ser saharaui, e rotulado de "suspeito de dar informações privilegiadas e confidenciais à Frente Polisario." O facto de ter dois primos — Mahjoub Salek, líder da FP, e o líder histórico Ahmed Mohamed Lamin, que chegou a ser primeiro-ministro da República Árabe Saharaui Democrática —, reforça as acusações dos diretores do organismo público. "Não tenho nenhuma relação com os meus primos e não compartilho os seus pontos de vista sobre o conflito do Sahara, como é sabido," defende-se Radi, que afirma perentório: "São desculpas para esconder as suas verdadeiras razões. Têm inveja profissional e são racistas".
 
Mohamed Radi Ellili apresentando o telediário


Racismo marroquino para com o povo do Sahara Ocidental. O mesmo racismo que, diz Mohamed Radi, “só ouvia falar nos meus tempos na universidade, em Rabat, e agora coube-me a mim também sofrer. Muitas pessoas do Norte pensam que nós saharauis somos preguiçosos, que não temos formação, não temos nível intelectual. Quando apresentava os noticiários perguntavam-me se eu era realmente saharaui, diziam que pela minha imagem e aparência não parecia. A minha própria diretora, (e há 19 anos que vivo em Rabat), dizia-me que aquele não era o meu lugar, e devia voltar para o sul. O meu sucesso profissional, sendo saharaui, incomodava-os. "

Considera que a expulsão de um jornalista saharaui do organismo público, sem qualquer justificação, pode influenciar negativamente a opinião dos saharauis sobre a televisão estatal de Marrocos. Ainda assim, reconhecendo o poder que exerce a “entourage” real, muito mais do que o próprio Governo, confia que "o rei Mohamed VI não permita que o meu problema possa afetar o conflito Sahara. Não há nenhuma razão para a minha demissão, e o Saharauis podem pensar que eles poderiam passar pelo mesmo. O problema é que o marido de Fátima Barudi [ a sua ex-diretora] é Doudi Mohamed, chefe do Gabinete de Informação da Casa Real".

Assegura que "a Administração não tem fundamentos que motivem a minha demissão, por isso, quiseram politizar a questão acusando-me de ser um agente secreto infiltrado."


O seu problema é ser saharaui ou a falta de liberdade de imprensa em Marrocos?

As duas coisas. Querem-me afastar para que os saharauis não tenham pessoas que os representem nos Órgão de Comunicação Social.

Conhece Ali Anuzla, o jornalistas detido em Rabat que se manifestou a favor da ampliação de competências da Missão das Nações Unidas para o Sahara Ocidental, MINURSO, no âmbito da vigilância do cumprimento dos direitos humanos no Sahara Ocidental?

Conheço o seu caso, é saharaui, mas não o conheço pessoalmente, e recomendaram-me até que não o faça, para não converter o nosso problema num conflito político saharaui.

No Sahara Ocidental a população saharaui queixa-se de falta de oportunidades, de ser maltratada pela polícia marroquina…

É possível que isso seja verdade em cinquenta por cento. Os próprios saharauis facilitam essa conduta, que a Administração marroquina não os respeite. Os marroquinos creem que a população saharaui que se manifesta fiel ao monarca fá-lo por puro interesse. Eu poderia ter conseguido um subsídio para viver no Sahara e não fazer nada, como fazem muitos saharauis. Estou fazendo história porque através de mim se estão dando a conhecer problemas latentes. E quem o faz é um jornalista saharaui, coisa que não nenhum jornalista do norte, de Casablanca ou de Tânger. Não tenho nada a temer. Poderia trabalhar em qualquer país árabe, mas quero fazê-lo na televisão de Marrocos. Para já ganhei a batalha da comunicação, da defesa dos direitos humanos.

A propósito. Durante este mês vai-se discutir na sede das Nações Unidas a ampliação das competências da MINURSO em relação aos direitos humanos no Sahara Ocidental. Está a favor?

O meu caso é a prova evidente de que não se respeitam os direitos humanos. O meu pai, que vive em França, está muito preocupado. Nasceu em El Aaiún e emigrou para Paris em 1970.






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