O movimento nacionalista
saharaui tem uma origem pacífica, liderado pelo carismático Mohamed
Basiri. O seu desaparecimento em circunstâncias até hoje não esclarecidas e
a recusa das autoridades coloniais em escutar a voz do povo saharaui motivaram
a criação da Frente Popular do Saguia el Hamra e Rio de Ouro (Frenre POLISARIO),
a 10 de maio de 1973, liderada pelo mítico El Uali Mustafa Sayed. Pouco dias
após a sua constituição, forças da Frente Polisario lançam o seu primeiro
ataque armado, a 20 de maio de 1973, contra o posto de Janguet Quesat.
O exemplo das lutas anticoloniais
em África, o exemplo da Revolução Argelina, assim como os ensinamentos da
revolução de Nasser no Egipto ou do então jovem coronel Ghaddafi na Líbia, eram
fontes de inspiração para os jovens nacionalistas saharauis. A via pacífica
estava esgotada, o trágico destino de Basiri, a possibilidade certa de cair nas
mãos do rei de Marrocos levou os saharauis a optar por uma saída radical como o
haviam feito milhares dos seus irmãos africanos: pegar em armas.
Ao contrário de outros movimentos,
a Frente Polisario não teve o apoio de uma superpotência, tendo os apoios vindo
apenas da solidariedade das revoluções argelina e líbia. Isso permitiu contar com
certo apoio político para a luta que se avizinhava. A Frente Polisario é consequência
do esforço dos militantes que a integravam. Uma demografia escassa, apoios
políticos limitados, recursos escassos eram indícios que o novo movimento
nacionalista naufragaria e não passaria de um arremedo de história. Porém, a
determinação dos seus homens e de uma sociedade que os apoiará sem quebras
permitirá que a Frente sobreviva à “Nakba” — a Catástrofe — que sofreram os
saharauis com a assinatura dos sinistros Acordos de Madrid.
1975: manifestações em El Aaiún de apoio à Frente POLISARIO. "o povo
saharaui não queria fazer parte de Marrocos e a
ideia de unidade nacional ganhava força..."
Espanha recusa-se a abandonar a sua
possessão colonial, fazendo orelhas moucas às resoluções das Nações Unidas e à
vontade do povo saharaui. Naqueles dias, a questão do Sahara levou o governo
liderado pelo almirante Carrero Blanco a uma crise. As divergências entre os
que defendiam a tese integracionista, que o Sahara continuasse a ser uma
província espanhola, e aqueles que, liderados pelo ministro dos Negócios
Estrangeiros, Castiella, advogavam um referendo e criação um Estado saharaui
amigo. Na memória estava, seguramente, a descolonização da Guiné Equatorial, Estado
em que a Espanha não conseguiu manter qualquer tipo de influência. Finalmente,
em 1969 a tese integracionista prevalece e Castiella é substituído por López
Bravo. Este erro político, será explorado por Marrocos que mantém uma pressão
constante no plano diplomático. A isso junta-se a evacuação por parte de
Espanha de Sidi Ifni, de grande valor estratégico para a defesa das Ilhas
Canárias.
A pressão marroquina é dirigida
em duas direções: o Sahara Ocidental e as cidades de Ceuta e Melilla. A este
panorama junta-se um novo ator nesta tragédia: a Mauritânia que também reivindica
o Sahara Ocidental. A diplomacia marroquina deixará de lado a oposição que Marrocos
tinha, desde de 1960, à existência da Mauritânia, que reclamava como seu
próprio território, para se tornar num aliado do regime de Ould Daddah na
reivindicação sobre o Sahara. O futuro dos saharauis é agora incerto. No obstante
isso, os saharauis através de meios pacíficos, fazem saber às autoridades
espanholas qual a sua vontade. Em 1970 deram-se protestos da população saharaui
em El Aaiún contra as pretensões do rei Hassan II de Marrocos sobre o então Sahara
espanhol.
Estes protestos deixam claras
duas coisas: que o povo saharaui não queria fazer parte de Marrocos e que a ideia
de unidade nacional ganhava força. As velhas divisões tribais ficavam de lado.
Curiosamente, apesar dos esforços do poder colonial em manter estas divisões através
de um sistema de representação na Djemaa (assembleia de notáveis), as mudanças
sociais decorrentes da urbanização e do desenvolvimento económico tiveram um
profundo impacto sobre o povo saharaui.
Os acontecimentos do bairro de Jatarrambla,
que culminaram com o desaparecimento de Basiri, no auge de uma dura repressão
das autoridades espanholas contra o movimento nacionalista nascente, terá
consequências no plano político. As tentativas para ter algum tipo de diálogo
com o poder colonial apresentam-se infrutíferas. A opção é seguir o caminho da
maior parte dos movimentos anticoloniais: a luta armada.
As autoridades
coloniais espanholas não tiveram tato político para dialogar com o movimento
nacionalista de Basiri, que denunciava a corrupção dos “chuij” (líderes
tribais) e exigia maior autonomia do Sahara, assim como censurava a
incapacidade espanhola para defender os territórios saharaui, especialmente com
cedência de Cabo Juby a Marrocos, território saharaui desde os tempos imemoriais
sobre o qual Rabat nunca tivera direitos.
Circunstâncias
graves levam os nacionalistas saharauis a criar a Frente Polisario e a formar a
vanguarda do movimento de independentista. A primeira ação armada tem lugar contra
o posto policial de Janguet Quesat, localizado a cinco quilómetros da fronteira
com o Marrocos. Este posto era responsável por controlo dos grupos nómadas que
cruzavam o território saharaui. O ataque foi liderado por Brahim Ghali, então primeiro
secretário-geral da Frente Polisário [atual embaixador da RASD na capital
argelina]. A ação realizou-se sem derramamento de sangue, não houve vítimas. O
saque limitou-se a algumas armas, munição, víveres e camelos.
Esse primeiro confronto
armado de pequena intensidade foi, no entanto, o primeiro feito com armas, e constituiu o rastilho do que seria,
mais tarde, o Exército de Libertação Popular Saharaui. Esta força, que chegou a
aplicar o conceito de "povo em armas" com recursos humanos limitados,
teve que fazer face à agressão de dois exércitos, que contavam com o apoio
financeiro e logístico das potências ocidentais. De facto, as forças saharaui tiveram
que enfrentar inimigos dez vezes superiores em número de efetivos.
No dia 20 de maio de 2014, cumpriram-se
41 anos da primeira ação armada no contexto da luta de libertação do povo
saharaui. Luta que não terminou ainda por cumplicidade das grandes potências, que
desviam o olhar face à ilegal ocupação marroquina. Esperemos que a História registe
algum dia o feito militar daquele distante 20 maio de 1973, como a data em que se
forjou aquilo que constitui uma extraordinário força militar, o ELPS que, contra
todas as probabilidades, travou uma guerra contra dois inimigos poderosos, levando
a cabo verdadeiras proezas, transformando a sua força numa verdadeira lenda.
01/06/2014
Autor: Jorge Alejandro Suárez Saponaro,
Advogado – Mestre em Defesa Nacional e professor catedrático convidado de
Estudos do Sahara Ocidental.
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