quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Marrocos arranca a Pedro Sánchez um novo apoio à autonomia do Sahara “sob soberania marroquina”

 


O jornalista Francisco Carrión, faz-nos nas páginas do El Independiente um balanço da cimeira Espanha-Marrocos, que teve lugar hoje, no Palácio de La Moncloa, em Madrid. 


Francisco Carrión – El Independiente | @fcarrionmolina

Caso haja dúvidas. A declaração conjunta da Reunião de Alto Nível Espanha-Marrocos [realizada hoje no Palácio de La Moncloa] inclui uma reafirmação clara da viragem histórica no conflito do Sahara, que Sumar [o parceiro do PSOE no Governo] e os restantes partidos políticos espanhóis censuram.

«O presidente do Governo reiterou a posição da Espanha sobre a questão do Sahara Ocidental, expressa na Declaração Conjunta de 7 de abril de 2022. Nesse sentido, a Espanha acolhe com satisfação a adoção da resolução 2797 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 31 de outubro de 2025, apoiando «plenamente o trabalho do Secretário-Geral e do seu Enviado Pessoal para facilitar e celebrar negociações com base na proposta de autonomia de Marrocos, com vista a alcançar uma solução justa, duradoura e aceitável para todas as partes, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, e acolhe com agrado qualquer sugestão construtiva das partes em resposta à proposta de autonomia», que sublinha que «uma verdadeira autonomia sob a soberania marroquina poderia ser a solução mais viável» para uma solução mutuamente aceitável», refere a declaração.

Todo o artigo AQUI


Uma entrevista cheia de ameaças veladas: Marrocos volta a ditar condições a Espanha com total impunidade diplomática – ministro marroquino da Indústria e Comércio, Ryad Mezzour ao EL MUNDO

 

Ryad Mezzour

A entrevista do ministro marroquino da Indústria e Comércio, Ryad Mezzour, publicada por El Mundo, desencadeou forte polémica ao revelar uma posição de força de Rabat em plena Reunião de Alto Nível em Madrid. Mezzour afirmou que Marrocos tem “toda a soberania” sobre o Saara Ocidental — território ainda por descolonizar segundo a ONU — e atribuiu a Espanha um “papel central” na aprovação da última resolução do Conselho de Segurança, apresentada por Rabat como um apoio ao seu plano de autonomia.
O ministro reforçou uma lógica de condicionamento político ao declarar que “uma Espanha que se porta bem é um Marrocos que se porta bem”, frase interpretada como chantagem diplomática. Também evitou reconhecer a soberania espanhola sobre Ceuta e Melilla, insinuando comparações com Gibraltar, e voltou a reivindicar o controlo do espaço aéreo do Sahara Ocidental, gerido por Espanha através das Canárias por decisão internacional.
O texto sublinha que estas declarações reforçam a perceção de que Marrocos se sente legitimado para impor condições a Espanha, sem encontrar resposta firme do Governo espanhol. O Frente Polisario alertou ainda que ceder a gestão do espaço aéreo poderia abrir caminho a futuras pressões sobre as Canárias.
A entrevista é apresentada como um sinal de desequilíbrio na relação bilateral, marcado por pressões marroquinas e pela passividade de Madrid, num contexto em que o Sahara Ocidental continua classificado como território ocupado e cresce a inquietação política e social em Espanha.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

A ocupação do Sahara Ocidental por Marrocos e os acordos com a UE: complacência ou cumplicidade da Comissão Europeia?


 

O significado da votação há dias no Parlamento Europeu sobre a etiquetagem dos produtos oriundos do Sahara Ocidental ocupado. Como votaram os deputados portugueses


O Parlamento Europeu falhou por um único voto a oportunidade de travar a proposta da Comissão Europeia que permitiria disfarçar a verdadeira origem dos produtos agrícolas provenientes do Sahara Ocidental ocupado. A objeção reuniu 360 votos — menos um do que os 361 necessários — deixando passar, por margem mínima, um regulamento amplamente considerado enganoso.

O resultado expõe uma profunda rejeição política à iniciativa de Bruxelas, já que uma maioria clara do plenário instou a Comissão a não avançar com a medida. Ainda assim, a exigência de maioria absoluta acabou por salvar um regulamento criticado por violar o direito internacional e por tentar contornar sucessivas sentenças do Tribunal de Justiça da UE, que reafirmam que não só Marrocos não tem soberania sobre o Sahara Ocidental como os dois territórios são entidades distintas.

Ao permitir a substituição da origem saharaui por designações administrativas marroquinas, a Comissão é acusada de normalizar uma ocupação ilegal e de importar para o mercado europeu os interesses estratégicos de Rabat. Durante o debate, eurodeputados de vários grupos denunciaram a proposta como um exercício de “rebranding” colonial, prejudicando consumidores, agricultores europeus e o próprio Estado de direito europeu.

Apesar da derrota formal da objeção, o regulamento enfrentará agora um escrutínio ainda mais forte no processo de codecisão. O episódio revela uma Comissão politicamente isolada e dependente de uma margem mínima para defender uma medida cuja legitimidade jurídica e ética está cada vez mais posta em causa.

Se a Comissão precisa de sobreviver por um voto, a fragilidade da sua posição é evidente — e confirma-se que, no dossiê do Sahara Ocidental, o problema já não é apenas a ocupação marroquina, mas a complacência ou mesmo cumplicidade europeia perante ela.



Como votaram os 21 deputados portugueses


Sebastião Bugalho, Paulo Cunha, Lídia Pereira e Hélder Sousa Silva (todos do Partido Popular Europeu e eleitos pelo PSD)

04 – votaram CONTRA a proposta que visava bloquear a iniciativa da Comissão Europeia que permite mascarar a verdadeira origem dos produtos agrícolas provenientes do Sahara Ocidental ocupado. Foram eles: Sebastião Bugalho, Paulo Cunha, Lídia Pereira e Hélder Sousa Silva (todos do Partido Popular Europeu e eleitos pelo PSD).

Isilda Gomes, Sérgio Gonçalves, Ana Catarina Mendes, André Rodrigues, Carla Tavares, Marta Temido (todos do Grupo Socialistas e Democratas – S&D e eleitos pelo PS), João Oliveira (do Grupo The Left eleito pelo PCP) e Ana Vasconcelos (do Grupo Renew eleita pela IL)

08 – votaram a FAVOR da proposta que visava bloquear a iniciativa da CE: Isilda Gomes, Sérgio Gonçalves, Ana Catarina Mendes, André Rodrigues, Carla Tavares, Marta Temido (todos do Grupo Socialistas e Democratas – S&D e eleitos pelo PS), João Oliveira (do Grupo The Left eleito pelo PCP) e Ana Vasconcelos (do Grupo Renew eleita pela IL).

Paulo do Nascimento Cabral, Sérgio Humberto (ambos do Partido Popular Europeu e eleitos pelo PSD) , Ana Miguel Pedro (do Grupo PPE e eleita pelo CDS nas listas da Aliança Democrática), Bruno Gonçalves (do Grupo S&D, eleito pelo PS) e António Tânger Corrêa (do Grupo PfE eleito pelo Chega)

05 – optaram pela ABSTENÇÃO. Paulo do Nascimento Cabral, Sérgio Humberto (ambos do Partido Popular Europeu e eleitos pelo PSD) , Ana Miguel Pedro (do Grupo PPE e eleita pelo CDS nas listas da Aliança Democrática), Bruno Gonçalves (do Grupo S&D, eleito pelo PS) e António Tânger Corrêa (do Grupo PfE eleito pelo Chega).


Francisco Assis (PS), Cotrim de Figueiredo (IL), Catarina Martins (BE) 
e Tiago Moreira de Sá (Chega)
04 AUSENTES - o socialista Francisco Assis, o liberal João Cotrim de Figueiredo, Catarina Martins do Bloco de Esquerda e Tiago Moreira de Sá, do Chega.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Sahara, 50 anos de vidas roubadas - La Marea, edição gratuita

 

Nuena Djil Bani mostra no seu telemóvel a fotografia que Christine Spengler lhe tirou em 1976, uma imagem que a tornou um ícone da luta do povo saharaui. Djil Bani foi capa da edição de Setembro da revista «La Marea» dedicada ao Sahara Ocidental.

A edição de Setembro da revista espanhola «La Marea», inteiramente dedicada ao Sahara Ocidental, foi coordenada pela jornalista e escritora Laura Casielles, tendo esgotado fisicamente das bancas. A publicação decidiu dar um passo mais além e oferecê-la gratuitamente em formato PDF.

Se quiser ler a edição especial da revista La Marea sobre o Sahara Ocidental pode descarregá-la aqui:👇


La Marea é uma publicação jornalística independente de Espanha, criada em 2012 por jornalistas, tendo-se tornado uma referência no jornalismo independente espanhol, frequentemente destacada por reportagens críticas, investigações próprias e defesa da ética jornalística.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Rabat tenta blindar a ocupação do Sahara Ocidental usando as Canárias como moeda de troca

 


A imprensa espanhola volta a reproduzir, quase sem filtros, o enquadramento narrativo do lobby marroquino: Marrocos «ofereceria» a Espanha uma suposta garantia de não tocar nas Canárias em troca de Madrid aceitar como um facto consumado as suas ambições sobre o Sahara Ocidental e a sua fachada atlântica. A abordagem, divulgada através do Atalayar (órgão da propaganda marroquina em língua espanhola) e amplificada acriticamente pelo El Periódico (da Catalunha), baseia-se numa premissa falsa: que a ONU teria «apoiado» o plano de autonomia marroquino. Na realidade, a Resolução 2797 (2025) não reconhece qualquer soberania de Marrocos sobre o território, mantém o quadro de descolonização pendente e preserva o direito do povo saharaui à autodeterminação. Tudo o resto é propaganda de Rabat. A partir dessa narrativa manipulada, Marrocos tenta apresentar como natural que possa delimitar espaços marítimos que afetam o Sahara Ocidental — território não autónomo e ocupado ilegalmente — e estender essa lógica até às Canárias. O discurso proposto por Rabat é claro: se Espanha aceitar que Marrocos fixe unilateralmente a mediana atlântica, controle o espaço aéreo do Sahara — atualmente gerido a partir de Gran Canaria — e consolide a sua apropriação dos recursos saharauis, então o regime alauita garantiria que «não haverá problemas com as Canárias». A mensagem implícita é inquietante: transformar a segurança do arquipélago numa moeda de troca para branquear a ocupação.

Um dos pontos mais graves é a tentativa de Marrocos de legitimar o seu controlo sobre o Monte Tropic, um monte submarino a sudoeste de El Hierro que alberga um dos maiores depósitos conhecidos de telúrio, cobalto e terras raras. Rabat tenta justificá-lo manipulando o estatuto do Sahara Ocidental, misturando a fachada atlântica marroquina com águas que correspondem ao território ocupado. Daí a proposta de uma «Zona de Desenvolvimento Conjunto» que, sob uma aparência técnica e cooperativa, procura na realidade consolidar uma repartição de benefícios sobre recursos que não pertencem nem a Marrocos nem a Espanha, mas ao povo saharaui, de acordo com as sentenças do TJUE e do direito internacional.

O artigo reproduzido também levanta a necessidade de coordenar com Marrocos a gestão do espaço aéreo sobre o Sahara Ocidental. Esta competência não é uma concessão espanhola, mas uma consequência direta do estatuto jurídico do território e da inexistência de soberania marroquina sobre ele. A transferência dessa gestão seria um ato político, não técnico, e significaria legitimar o ocupante. Marrocos sabe disso e, por isso, apresenta-o como uma «transição ordenada», procurando normalizar o que não passa de mais uma violação do direito internacional.

O texto acrescenta que as Canárias e Marrocos partilham ecossistemas e bancos de pesca, insinuando que ambas as partes deveriam aceitar uma delimitação «equitativa». Mas a equidade jurídica só pode existir quando se parte de duas soberanias reconhecidas. Aqui não é o caso: Marrocos não é soberano nem administrativo do Sahara Ocidental, e a Espanha continua a ser a potência administradora de jure. Pretender redefinir a fronteira marítima ignorando este facto só serve para reforçar a ocupação e invisibilizar o sujeito central do conflito: o povo saharaui.

A insistência marroquina em apresentar-se como «potência atlântica africana» é acompanhada por uma tentativa de arrastar a Espanha para um novo quadro, onde a prioridade seria criar um «espaço de confiança» capaz de atrair investimentos. Mas esse espaço de confiança é construído sobre uma base falsa: aceitar a apropriação dos recursos saharauis, assumir uma delimitação marítima feita à medida dos interesses de Rabat e relegar o direito internacional a um trâmite incómodo. A arquitetura jurídica que Marrocos tenta impor não só é ilegal, como introduz um elemento inaceitável: tornar a estabilidade das Canárias refém da aceitação espanhola da pilhagem no Sahara Ocidental.

Este tipo de abordagens não é novo, mas torna-se mais agressivo sempre que Rabat percebe fraqueza, ambiguidade ou complacência em Madrid. A realidade, no entanto, continua a mesma: não há delimitação marítima possível, nem Zonas de Desenvolvimento Conjunto, nem transferência de espaço aéreo, nem partilha de recursos estratégicos que possam ser construídos sem primeiro reconhecer que o Sahara Ocidental é um território pendente de descolonização e que o único detentor dos seus recursos é o seu povo, representado pela Frente Polisario. Qualquer tentativa de usar as Canárias como elemento de pressão política apenas demonstra até que ponto Marrocos precisa de legitimar uma ocupação que nem o direito internacional, nem os tribunais europeus, nem a própria ONU jamais validaram. (In No te Olvides del Sahara Occidental)