O Conselho de Segurança reuniu 4.ª feira, 28 novembro de 2012,
para ouvir o relatório de Christopher Ross, Representante Pessoal de Ban Ki-Moon
para o Sahara Ocidental, após a viagem que realizou à região e a algumas
capitais europeias entre 25 de outubro e 15 de novembro.
Sr. Presidente, distintos membros do Conselho,
É para mim um prazer reunir-me convosco, para os informar
sobre as últimas novidades na procura de uma solução política e mutuamente aceitável,
que preveja a livre determinação do povo do Sahara Ocidental, desde a aprovação
da última Resolução do Conselho, a 24 de abril de 2012.
Depois de um período de reflexão, empreendi uma viagem há muito
esperada, ao Norte de África, desde o dia 25 de outubro a 11 de novembro. No
caminho de regresso, levei ainda a cabo consultas em Madrid e em Paris, de 12 a
15 de novembro. A minha visita à região tinha três objetivos: o primeiro,
avaliar os cinco anos de negociação e determinar as razões do seu estancamento;
segundo, olhar para o horizonte do processo para ver como se poderia modificá-lo
a fim de melhorar as perspetivas de futuro; terceiro, medir o impacte dos
acontecimentos do Sahel na questão do Sahara Ocidental. Para além destes objetivos,
introduzi duas inovações: a primeira, reuni-me com líderes políticos e
representantes da sociedade civil, para além de me ter reunido com os funcionários;
a segunda, fiz a minha primeira visita ao território do Sahara Ocidental propiamente
dito. Os governos de Marrocos, Argélia, Mauritânia e França, assim como a
Frente Polisario e a MINURSO deram-me a sua plena cooperação e agradeço-lhes
por isso. Agradecimento especial, também, me merece o governo espanhol, que
generosamente pôs à disposição um avião para facilitar a minha viagem.
Sem entrar numa descrição detalhada de cada etapa da viagem,
permitam-me expor-lhes as minhas conclusões e impressões gerais.
Primeiro - Em todos os pontos da minha viagem, as respetivas
altas autoridades, confirmaram-me o seu compromisso de trabalhar com a ONU para
procurar uma solução política para o estatuto final do Sahara Ocidental, e, ao
mesmo tempo, reiteraram o seu apego às suas respetivas propostas. Em Marrocos,
o rei Mohamed VI, reafirmou a disposição do seu país de continuar a trabalhar
comigo no âmbito da sua proposta de autonomia sob soberania marroquina.
Em Tindouf, o secretário-geral da Frente Polisário, Mohamed
Abdelaziz, reiterou a disposição da Polisario de intensificar o seu compromisso
com a expectativa de que a solução inclua um genuíno referendo de
autodeterminação. Na Argélia, o presidente Bouteflika disse, uma vez mais, que
a Argélia não é, e nunca será, uma parte do conflito, no entanto, está disposto
a acompanhar as partes na procura de uma solução. Dito isso, Bouteflika disse
que qualquer acordo que não inclua um referendo genuíno não é, em absoluto, uma
solução. Na Mauritânia, o primeiro-ministro, Laghdaf, reafirmou o desejo do seu
país de se manter útil na busca de uma solução a partir da sua posição de
"neutralidade positiva".
Ross e Mohamed VI |
Segundo - Ao olhar para trás, para indagar dos motivos para
a persistente estagnação, torna-se evidente comprovar que a frustração das
partes aumentou. Cada uma das partes atribui a falta de progresso, não só à recusa
da outra parte para negociar com base na sua proposta, mas, mais
especificamente, à falta de uma ação decisiva por parte da comunidade
internacional, o Conselho de Segurança, do Secretário-Geral e do Enviado Pessoal.
As partes não aceitam que a responsabilidade principal, para
alcançar progressos, recaia sobre as próprias partes, mesmo no caso em que a
comunidade internacional está disposta a incentivar o processo e dar ideias.
Enfatizei repetidamente este ponto, em todos os meus
contatos com os partidos políticos e os representantes da sociedade civil, bem
como com os funcionários, observando que, a partir do momento que a ONU aborda
esta questão ao abrigo do Capítulo VI da Carta e na ausência de um consenso
internacional, ninguém pode impor nada às partes e que depende delas, acima de
tudo, encontrar o caminho a seguir no quadro proporcionado pela mediação da
ONU. No entanto, uma ou outra vez, em cada etapa da minha viagem, foi-me dito
que a ONU devia tomar esta ou aquela medida, sempre no sentido de levar uma das
partes a aceitar a proposta apresentada pela outra. No meu papel como mediador,
não posso ser um defensor de uma proposta específica. Eu defendo o processo de
negociação.
Terceiro - A fim de encontrar o melhor caminho para alcançar
progressos, os altos funcionários partilham a minha opinião de que, a curto
prazo, é inútil convocar mais reuniões entre as partes, na ausência de uma
mudança na equação. Depois de quatro rondas de negociações formais e nove rondas
de conversas informais, realizar outra reunião só tornaria ainda mais notória a
estagnação, debilitando ainda mais a credibilidade do processo.
Com a perspetiva de preparar as futuras reuniões, formais ou
informais, propus às partes realizar mais consultas com os principais “players”
internacionais, seguida de uma diplomacia silenciosa com as partes e os países
vizinhos. Os meus interlocutores aceitaram esta abordagem, mas alguns advertiram
que as reuniões regulares continuam a ser importantes na manutenção de contatos
e minimizam o erro de cálculo, além de dar evidência clara de que o processo prossegue.
Ross reúne com ativistas dos DDHH nos territórios ocupados |
Quarto - Ao examinar o impacte da crescente tensão na região
do Sahel e do perigo que representa para todas as partes, descobri que, embora
todos concordem que esses fatores aconselham a rápida solução do conflito do Sahara
Ocidental, ninguém parece disposto a dar o primeiro passo. Em vez disso, deparei
que a reação comum face aos eventos do Sahel, tem sido a de reforçar as defesas
locais prevenindo a possibilidade de transbordamento do conflito da região do
Sahel. Além disso, confirmaram-me que, na ausência de um acordo, as pessoas de
toda a região, poderiam ser tentadas a aderir a um ou outro dos grupos no norte
do Mali. Em Marrocos, os media falavam
de uma conexão entre a Polisario e estes grupos, mas altos funcionários em
Rabat e Nouakchott foram claros em dizer que não existe essa relação.
Quinto – A minha visita ao Sahara Ocidental merece uma menção
especial. Como prometido, Marrocos, enquanto poder administrativo de facto, colocou
todas as facilidades para a visita. E irei fazer visitas adicionais em devido tempo.
Tive reuniões com uma ampla gama de saharauis pró-independência e pró-autonomia,
assim como com as autoridades locais.
Claramente, tinham uma enorme vontade de falar comigo. Na
verdade, a lista de pessoas com as quais eu não tive tempo de me reunir, supera
a lista daqueles com quem me encontrei. Todos falavam com sinceridade evidente,
mas não deve surpreender que eu não fosse capaz de determinar de que lado se
inclina a opinião da maioria. Tudo o que posso dizer com segurança é que há
porta-vozes evidentes em ambos os lados da divisão política. Os partidários de
autonomia colocavam ênfase no desenvolvimento de cidades como El Aaiun e outras
localidades sob administração marroquina, além de outros benefícios que veem
nesta administração.
Os saharauis independentistas destacavam o que descrevem
como as tensas relações entre o povo autóctone saharaui e os habitantes de Marrocos,
as violações dos direitos humanos que veem na repressão policial e nas
condições de detenção, prisão, julgamento e encarceramento, a ilegal exploração
dos recursos naturais e a falta de empregos. E, de facto, realizaram-se manifestações
pró-independência, com as subsequentes respostas por parte da polícia, muito
perto de onde eu me encontrava e, também, depois da minha visita.
Neste sentido, chamou-me a atenção o facto de não haver saharauis
nativos nos efetivos das forças de segurança de El Aaiún e noutras partes do
Sahara Ocidental, todos eram oriundos de Marrocos. Durante a minha segunda
visita a Marrocos, utilizei as minhas reuniões com as autoridades marroquinas
para advogar uma mudança no equilíbrio das forças de segurança entre saharauis
e marroquinos e melhorar a formação dessas forças no controlo de manifestações.
visitas entre famílias saharauis separadas promovidas pelo ACNUR |
Sétimo – Dá-me consternação ver a forma como ambas as partes
pretendem utilizar a minha visita para marcar pontos. As minhas declarações
públicas têm sido muitas vezes censuradas ou exageradas para servir a agenda de
uma ou outra das partes. Em Rabat, a TV editou as minhas declarações retirando a
citação do texto do Conselho, que diz: "uma solução política, mutuamente
aceitável, que preveja a livre determinação do povo do Sahara Ocidental".
Em Tifariti, onde visitei uma equipa da MINURSO, no lado
leste do muro, um chefe militar da Frente Polisário, apareceu inesperadamente fazendo-me
passar revista a uma guarde de honra em minha homenagem. Nos campos de
refugiados, as minhas observações a um grupo de mulheres, foram retocadas e acrescentada
uma frase, supostamente proferida por mim, sobre o papel da mulher: " A
luta pela libertação do Sahara Ocidental" Ora eu não fiz tal declaração.
Um imenso trabalho de desminagem |
Oitava - Uma vez que, em breve, o Representante Especial do
Secretário-Geral, Weisbrod-Weber, os informará sobre as operações da MINURSO,
tenho que aplaudir o alto grau de profissionalismo e compromisso que observei
durante a minha visita à sede da MINURSO e às bases de operações de Mahbes e Tifariti
e na minha reunião com a Equipe de Ação Anti-Minas da ONU. Ambas, MINURSO como a
UNMAS, precisam de mais recursos para poder desempenhar as suas funções com
mais detalhe. As unidades da MINURSO patrulham um território maior do que o
Reino Unido, enquanto a UNMAS está a trabalhar no que foi recentemente
considerado como um dos lugares mais infestados de minas do mundo inteiro.
Além disso, quero realçar o respeito dispensado ao
Representante Especial, tanto na MINURSO como pelos marroquinos e os saharauis.
Ele não tem uma tarefa fácil. Além de monitorar o MINURSO, é o Representante
Especial do Secretário-Geral para o Sahara Ocidental. Como tal, espera-se que
proporcione ao Secretário-Geral e ao Conselho, uma informação independente
sobre o ambiente de trabalho da MINURSO no Sahara Ocidental. Este território,
continua a ser um território não-autónomo, pelo que cabe à ONU velar pelo bem-estar
da sua população, de acordo com o artigo 73 da Carta, além de reconhecer que
Marrocos é a potência administrante de facto na faixa localizada oeste do muro e
que a Frente Polisário desempenha um papel semelhante na faixa situada a leste do
muro. Precisamente por este motivo, convidei o Representante Especial a
assistir a todas as minhas reuniões no Sahara Ocidental.
Nono - Quanto ao programa de assistência humanitária do
ACNUR, ouvi preocupações relacionadas com as contribuições governamentais e privadas
aos refugiados terem diminuído consideravelmente devido à crise económica em
curso. E alertaram-me para a necessidade urgente de mais ajudas. Quanto ao
censo individual dos refugiados, que foi levantado de novo em Rabat, a Polisario
e as autoridades argelinas disseram-me que o ACNUR está satisfeito com as
estimativas sobre o número de refugiados que lhe facultaram e que os que defendem
o censo individual estão motivados por considerações políticas. Numa reunião
com os doadores, em Argel, não encontrei nenhum interesse em continuar a dar
atenção a este assunto.
A espoliação dos recursos naturais saharauis |
Décimo – Quanto às medidas de fomento de confiança, houve
louvor universal para o excelente trabalho do ACNUR ao ampliar as visitas de
familiares e aos seminários intra-saharauis, o segundo dos quais incidiu sobre
o papel das mulheres na sociedade Saharaui, e que teve lugar em julho deste ano,
nos Açores, com o generoso apoio do governo de Portugal. Logo depois, teve
lugar em Genebra uma reunião sobre a promoção de medidas de confiança, em que
as partes, os Estados vizinhos e o ACNUR analisaram os resultados da sua
implementação, num ambiente muito cordial. E o único conselho que posso dar, se
me for perguntado, é que é de pensar criativamente sobre a possibilidade de
ampliar as medidas de construção de confiança, em particular, com mais
seminários, mais visitas entre famílias em ocasiões especiais, e intercâmbios
de jovens. Saharauis de todas as tendências políticas, tanto no Sahara
Ocidental como nos acampamentos, disseram-me repetidas vezes que estavam
ansiosos para ter mais contatos através do muro. E devem-se encontrar formas de
incentivar isso, porque a passagem do tempo tem o potencial de mudar a perceção
das coisas, mesmo na ausência de progressos no processo de negociações. Um obstáculo
para isso é a falta de financiamento e, uma vez mais, pedimos aos doadores do
passado e aos potenciais doadores para que contribuam, para que o ACNUR torne
possível tais atividades.
Décimo Primeiro - Quanto à questão dos direitos humanos,
cada parte utilizou a minha visita para registar queixas sobre as práticas da
outra parte. Houve muitas visitas relacionadas com os Direitos Humanos no
último ano, incluindo dois Relatores Especiais que visitaram o Sahara
Ocidental, mas não nos campos de refugiados, segundo pelo menos uma ONG. Além
disso, a filial do Conselho Nacional Marroquino dos Direitos Humanos de El
Aaiún, disse-me que havia recebido um grande número de queixas e já realizara
inúmeras investigações, mas ainda está à espera de respostas por parte das
autoridades administrativas. O Direitos Humanos não fazem parte do meu mandato,
mas o meu conselho, se me é solicitado, é declarar que cabe e este Conselho e ao
ACNUDH decidir se a informação disponível justifica a sua atenção neste caso e, em caso afirmativo, qual a melhor maneira
de fazê-lo, considerando que qualquer abordagem a esta questão deve garantir os
direitos humanos não só no Sahara Ocidental, mas também nos campos de
refugiados.
A questão dos Direitos Humanos |
Quanto à questão da União do Magrebe Árabe e ao apelo feito
pela Tunísia para uma cimeira e realizar em breve, explorei o progresso da
integração regional com Ben Yahia, secretário-geral da UMA e com os três
Estados-Membros que visitei. Em princípio, todos concordam que se realize a cimeira,
mas a Argélia adverte que, para garantir o sucesso, é preciso estarem bem
preparados, através de uma série de reuniões setoriais que estão em andamento,
mas ainda não foram concluídas. De acordo com a Argélia, uma reunião de cúpula
sem uma preparação adequada, certamente leva ao fracasso da mesma.
Estes são, pois, os principais resultados e as impressões
que recolhi na minha última viagem à região e durante a minha primeira visita
ao Sahara Ocidental, tendo em perspetiva um período de consultas com os
principais atores internacionais, uma diplomacia silenciosa com as partes e com
a Estados vizinhos e novas visitas à região, incluindo o Sahara Ocidental para preparar
a retomada das reuniões diretas entre as partes.
Como eu disse, em Madrid, o conflito sobre o estatuto definitivo
do Sahara Ocidental prolongou-se por demasiado tempo. Se há alguns que
acreditam que a situação é estável e que tentar encontrar a paz é arriscado, eu
acho que isso é um erro de cálculo grave já que a região está ameaçada por
extremistas, terroristas e elementos criminosos que operam na região do Sahel.
Nestas novas circunstâncias, este conflito poderá, a prosseguir sem ser
resolvido, gerar uma faísca de renovada violência e hostilidades que seriam trágicas
para os povos da região. Deve ser resolvido e peço aos membros do Conselho e da
comunidade internacional em geral que incentivem as partes a envolver-se em
negociações sérias para pôr termo ao conflito.
Obrigado
(**) Tradução em português não autorizada a partir do texto
em espanhol, traduzido do original em inglês por Haddamin Moulud Said.
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