segunda-feira, 18 de abril de 2011

«Só queremos a protecção das palavras, mas precisamos de palavras fortes…»


Mohamed Khadad, ao lado do embaixador Christopher Ross, enviado pessoal do SG da ONU para o Sahara Ocidental (em primeiro plano)

A caminho de Nova Iorque, Mohamed Khadad passou por Lisboa para pedir o apoio de Portugal no debate no Conselho de Segurança sobre o Sahara Ocidental. Durante as poucas horas que esteve na capital portuguesa, o dirigente saharaui falou à jornalista Sofia Lorena, do jornal «Público». Eis o texto da entrevista.

Esteve envolvido em todas as negociações sobre o Sahara Ocidental desde 1976, ano em que Marrocos anexou o território. Membro da Frente POLISARIO, Mohamed Khadad coordena as relações com a missão da ONU, a MINURSO, criada com o fim da guerra entre a Polisario e Rabat, em 1991, para organizar o referendo até hoje adiado sobre a independência saharaui. Enquanto o referendo não chega, quer que a Minurso possa ocupar-se dos direitos humanos, algo a que a França, com direito de veto no Conselho de Segurança, sempre se opôs. O mandato da Minurso está em debate no Conselho de Segurança.

Conseguiu o apoio que queria em Lisboa?

Vim falar de um quadro de descolonização inacabado que Portugal compreende bem. As semelhanças são evidentes com Timor Leste.

Pode contar com o voto de Portugal para incluir os direitos humanos no mandato da Minurso?

Vim pedir um apoio firme para uma solução rápida do conflito, na base do direito de autodeterminação do povo saharaui, e para a protecção da população saharaui contra as violações dos direitos humanos que são infelizmente parte do seu quotidiano. Toda a gente se lembra da greve de fome de Aminatu Haidar, expulsa do seu território, e igualmente do que se passou em Gdeim Izik [acampamento de protesto erguido por saharauis e desmantelado com violência por Marrocos] o ano passado, mas há também dezenas de presos políticos à espera de um julgamento justo.

Mas pediu um apoio concreto na questão do alargamento do mandato do Minurso?

Sim, disse sobretudo que desde 1978 todas as missões de paz da ONU têm uma componente de direitos humanos e que a Minurso é a excepção. Essa excepção é inaceitável, especialmente porque acontece num território onde vários eurodeputados e jornalistas foram impedidos de entrar. Queremos protecção, não a protecção das bombas, como na Líbia, apenas protecção com palavras. Mas com palavras fortes. A política de dois pesos e duas medidas é inaceitável.

Está optimista?

Penso que, depois do que se passou em Gdeim Izik, o Conselho de Segurança terá de ter em conta esta situação revoltante. Para além disso, há estes ventos de liberdade e de democracia que sopram no Norte de África. Também no Sahara a única situação possível é uma solução que respeite a livre escolha dos saharauis. Por tudo isto, não podemos acreditar que o Conselho de Segurança decida vestir-se de burqa.

Isso quer dizer que a posição da França vai mudar?

É isso, espero que a França não use burqa no CS quando em causa estão os direitos humanos.

Mas acredita nisso?

Acredito que as posições podem evoluir. Se não for o caso, será ainda mais escandaloso depois da Costa do Marfim e da Líbia [onde a França assumiu a liderança das intervenções externas: em defesa do Presidente eleito num caso; e das populações civis, no outro].

O rei Mohamed VI anunciou reformas políticas em resposta à contestação social. O que pode resultar deste processo para o Sahara ?

Em Marrocos continua a haver três tabus: o rei, a religião e o Sahara. Apesar de tudo, há mudanças. Algumas organizações não governamentais e partidos, minoritários, começam a perguntar-se “mas se os saharauis são marroquinos, por que é que não os deixamos exprimirem-se?”. Mas há uma responsabilidade que é internacional, da União Europeia. Marrocos é o país do Sul do Mediterrâneo que mais ajuda recebe enquanto mantém 130 mil soldados no Sahara. Quanto ao que se passa em Marrocos, não passa de propaganda. Não acredito que um regime ditatorial se reforme. Quando o faz desfaz-se.

Acordámos para as revoluções árabes com os protestos tunisinos. Pode dizer-se que começaram no Sahara, no acampamento popular de Outubro onde milhares de pessoas pediam emprego e melhores condições de vida?

Sim, há muita gente que diz que tudo começou em Gdeim Izik. Mas houve uma repressão feroz, todos os líderes desse movimento continuam na prisão, muitos jornalistas foram expulsos. Isso não quer dizer que o jogo esteja terminado. Hoje continua, com pequenas manifestações, greves, graffiti, bandeiras que são hasteadas, desafios à administração marroquina É um movimento que pode, de um momento para o outro, ganhar uma dimensão superior.

Revoltas árabes podem “ameaçar o statu quo”
Debate no Conselho de Segurança

O mandato da missão da ONU para o Sahara Ocidental (MINURSO) tem de ser renovado até ao fim de Abril e, como habitualmente, o debate adivinha-se polémico. Um diplomata norte-americano ouvido pela agência AFP na sexta-feira descreve esta discussão como a mais difícil que os 15 membros do Conselho de Segurança têm anualmente entre mãos.
Depois de um relatório da Alta Comissária dos Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay (na foto), ter recomendado que a supervisão dos direitos humanos seja incluída no mandato da MINURSO, os co-presidentes da Comissão de Direitos Humanos do Congresso norte-americano, um republicano e um democrata, escreveram à Secretária de Estado, Hillary Clinton, a pedir o mesmo. Segundo o El Pais, a França já fez saber que se vai opor. Na quinta-feira, soube-se que, entre dezenas de presos políticos que Mohamed VI decidiu indultar, estão três activistas saharauis. De acordo com o mesmo jornal, “o advogado dos três independentistas sugere que Paris pediu ao rei de Marrocos um gesto em troca pela sua oposição ao relatório” de Pillay. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, publicou sexta-feira o seu próprio relatório que antecede o debate e a votação no Conselho de Segurança: nele defende que as actuais revoltas árabes tornam a paz no Sahara Ocidental essencial e que “os apelos a mais direitos políticos e económicos colocam a estabilidade e a segurança no Sahara face a novos desafios que podem ameaçar o statu quo” e provocar um regresso à violência.

Público - Sofia Lorena – 17 de Abril de 2011

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