quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Wikileaks sobre o Sahara Ocidental e Marrocos (III)



Marrocos: O tráfico da droga parece implicar algumas altas esferas militares

O prof. Carlos Ruiz Miguel, Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela, autor de inúmeros livros e artigos em revistas espanholas e estrangeiras sobre matérias relacionadas com o Direito Público e Relações Internacionais e, justamente, considerado um perito na questão do Sahara Ocidental, revela e comenta as “revelações” dos telegramas e relatórios do Departamento de Estado dos EUA sobre o Sahara Ocidental e Marrocos. Ver blog: http://blogs.periodistadigital.com/desdeelatlantico.php

Mais revelações interessantes no Wikileaks: 1) Marrocos pretende voltar à guerra contra a Polisario, mas os EUA advertem contra essa possibilidade; 2) Os territórios libertados do Sahara Ocidental são a maior preocupação para Marrocos; e 3) EUA insinuam a cumplicidade do Exército marroquino com o narcotráfico.
Estas revelações depreendem-se dos documentos que anexamos e que, claro, NÃO SE ENCONTRAM ENTRE OS PUBLICADOS PELO "EL PAÍS" (ou eu pelo menos não os encontrei):

- Relatório do embaixador dos EUA em Rabat, Thomas Riley, sobre a entrevista de David Welch (Secretário de Estado adjunto para a região do Próximo Oriente do Departamento de Estado) com Mohamed VI e o ministro de Negócios Estrangeiros Taieb Fassi-Fihri (28-II-2008);

- Relatório do embaixador dos EUA em Rabat, Thomas Riley, sobre a entrevista de David Welch e Yasín Mansuri (chefe do serviço de espionagem exterior marroquino e o máximo responsável civil em Marrocos da questão do Sahara Ocidental) (3-III-2008);

- Telegrama do embaixador dos EUA em Rabat, Samuel Kaplan, sobre a entrevista de William E. Ward (General do AFRICOM) e o general Abelaziz Benanni (inspector geral das forças armadas da monarquia e chefe do exército de ocupação marroquino no Sahara Ocidental) sobre questões de terrorismo, segurança e narcotráfico (4-I-2010).

I. MARROCOS PRETENDE ATACAR MILITARMENTE A FRENTE POLISARIO
Esta informação não é nova. Neste blog (http://blogs.periodistadigital.com/desdeelatlantico.php) já temos abordado a questão advertindo de que Marrocos ameaça invadir o território libertado do Sahara Ocidental.
O que é novo é conhecer a posição dos EUA advertindo Marrocos de que não realize tal invasão. É isso que se depreende dos documentos de 3 de Março de 2008 em que tanto o embaixador Riley como David Welch dissuadem Mohamed VI e o chefe dos seus serviços secretos de empregar a força militar contra os saharauis para lá do muro de separação:

Welch cautioned the King's intelligence chief against militarization of the dispute (28-II-2008)
(...)
Both he and Ambassador Riley cautioned against military action (3-III-2008)

.
Tradução:

Welch advertiu o chefe da inteligência do rei contra uma militarização da disputa (28-II-2008)
(...)
Ambos, ele (Welch) e o embaixador Riley advertiram contra uma acção militar (3-III-2008)


II. OS TERRITÓRIOS LIBERTADOS Do SAHARA OCIDENTAL: A MAIOR PREOCUPAÇÃO DE MARROCOS
Não é a primeira vez que se salienta a importância da existência de territórios libertados no Sahara Ocidental. Já antes argumentei que a existência destes territórios constitui a prova de que a República Saharaui (RASD) não é um Estado "no exílio" ou "virtual" ou "fantasma", mas sim um Estado real.
Agora, graças ao Wikileaks, temos a prova dessa importância. O chefe do serviço secreto exterior marroquino, máximo responsável da gestão do conflito do Sahara Ocidental:

Mansouri said the GOM [Government of Morocco] is "very worried about the POLISARIO moving into the area east of the berm." (3-III-2008)

Tradução:

Mansuri afirmou que o Governo de Marrocos está "muito preocupado porque a POLISARIO pode movimentar-se na região a este do muro (3-III-2008)

Uma vez que se confirma que o principal instrumento pacífico que tem a Frente Polisario na sua luta é o repovoamento dos territórios libertados torna-se difícil compreender que 35 anos depois não haja uma política firme e decidida para instalar nos territórios libertados os saharauis que estão nos acampamentos de Tinduf.

III. OS EUA INSINUAM A CUMPLICIDADE DO EXÉRCITO MARROQUINO NO NARCOTRÁFICO
A 30 de Dezembro de 2009, o general Ward, responsável máximo da AFRICOM (comando das tropas dos EUA para África) reuniu-se com o General Benanni para falar, entre outras coisas, sobre o narcotráfico.
Ward questionou-o sobre o tema mas a resposta marroquina não convenceu o general dos EUA:

General Ward asked General Bennani how he saw the regional threat from Al Quaida in the Lands of the Islamic Maghreb (AQIM) and narcotics traffickers. Bennani responded that narcotics were not making their way into Morocco. However, AQIM posed a serious threat to countries like Mauritania and Mali that could not counter the terrorists.
(...)
General Bennani,s comments about narcotics transiting Morocco were propiat odds with comments from key civilian leaders who express significant concern about this matter.


Tradução da frase final:

Os comentários do general Bennani acerca do trânsito de narcóticos por Marrocos estavam em contradição com os comentários de líderes civis chave que expressam uma profunda preocupação sobre este assunto.

Ou seja,
1- Em privado, os próprios marroquinos reconhecem que a chamada "AQMI" não tem nada que ver com a Frente Polisario, embora digam o contrário na sua propaganda e façam cair no ridículo os seus aliados objectivos fora de Marrocos;
2- As declarações de Bennani de que os traficantes não transitam por Marrocos estão "em contradição" com os comentários de líderes civis chave que expressam a sua preocupação pelo trânsito de drogas por Marrocos e os territórios ocupados do Sahara Ocidental.
A pergunta que se coloca é: como é que um general que tudo controla pode "ignorar" esse dado? Ou não o ignora, mas sim... trata de ocultá-lo?

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