LE MONDE | 04.04.2014
Entrevista conduzida por Isabelle Mandraud
Apelidado de "Príncipe Vermelho" pelas suas posições
iconoclastas sobre a monarquia marroquina, Moulay Hicham El Alaoui, 50 anos, reincide.
No “Diário de um Príncipe Banido (Grasset), a ser publicado a 9 de abril, o
primo de Mohamed VI fornece um retrato íntimo e acirrado da corte cherifiana,
onde foi criado. O autor, que vive desde 2002 nos Estados Unidos, defende especialmente
a abolição do Mahkzen, termo que à
letra quer dizer "loja" ou «armazém», e que designa a corte, as instituições
ligadas ao palácio e os próximos conselheiros do rei.
Porque decidiu
publicar agora um livro que começou a escrever em 2007?
Moulay Hicham El- Alaoui : No início da década de 1990, gradualmente,
conquistei a minha liberdade - a minha liberdade crítica e a e minha liberdade
intelectual. Não só a conquistei, como a defendi com unhas e dentes. Este livro
é o culminar deste pensamento livre a que estou muito ligado. Pouco a pouco,
fui sofrendo uma transformação que me tornou estrangeiro, não a Marrocos, mas estrangeiro
para a família e o ambiente em que cresci. Senti que, no meu itinerário, uma fase
se havia fechado, e que também algo havia profundamente mudado com a
"Primavera Árabe". Tudo o que disse durante anos encontra agora uma
atualidade candente.
Quero esclarecer as pessoas, contribuir para o debate e, neste
caso preciso, contribuir para a compreensão de uma parte da história
contemporânea do meu país. Fui ao coração do reator. Muitos dirão: "Você
caiu da carruagem e agora quer voltar a entrar nela". Não. Na minha
cultura, não é assim que se passa. Retornando intrigante, fazendo pazes
honrosas.
Afirma não pretender
nenhum papel, mas não se proíbe a nada…
É exato. Não sabemos de que é feito o futuro. Se a ocasião
se apresentar, darei o meu contributo, mas não creio que isso possa partir do
palácio. Depende da interação das forças num momento particular: iremos para um
cenário de rutura, de transição pacífica? Não faço ideia! Mas eu deixei a minha
casa, e não conto voltar.
Diz que é preciso
desmantelar o Makhzen ». Mas não é
este constitutivo da própria monarquia?
O Makhzen apoia-se
na monarquia para viver e a monarquia apoia-se ela própria no Mahkzen para viver à sua maneira; é uma
relação simbiótica e é preciso redefinir completamente esta interdependência. O
exercício dos três reis que se sucederam foi manter esta dualidade, cada um à
sua maneira Na minha opinião, penso que Marrocos não pode desenvolver-se com o Makhzen. E se não pode, é a monarquia
quem irá pagar o preço. Matar o Makhzen
é indispensável. Trata-se de um poder neo-patrimonial que impede o
desenvolvimento económico, um sistema de predação e de subjugação. Portanto,
não pode libertar as energias económicas e, também, não vai poder elevar a água
da nascente. A segunda componente é a criação de um verdadeiro Estado moderno, um
Estado de direito. Hoje, temos uma monarquia com uma Constituição, mas não
temos uma monarquia constitucional.
Parece ser mais
indulgente com o seu tio Hassan II no final do reinado do que com o seu primo Mohamed
VI…
Indulgente não é a palavra. Mas no fim do seu reinado,
Hassan II teve a clarividência de ver que estava num impasse. Ora, quando Mohamed
VI chega ao poder, ele herda uma situação de consenso e apaziguamento inédito
na monarquia marroquina. É a primeira vez que a transferência de testemunho ocorre
em condições tão favoráveis, todas as
outras tiveram lugar num tempo de agitação e tensões. No início, Mohamed
VI hesitou. Mas, por fim, ficámos na mesma lógica. Foi um encontro falhado com
a História.
Sob Hassan II, deu-se uma alternância com um governo socialista
cooptado. Isso poderia levar à democracia. Mas que fez Mohamed VI ? Abandonou a
lógica democrática por um governo de tecnocratas em 2002, em seguida, cinco
anos depois, outro governo do Istiqlal foi esvaziado de todas as suas
prerrogativas, com a criação de comissões reais e altas instâncias. A partir de
2007-2008, Mohamed VI preparava-se para dar o golpe de graça com a criação de
um novo partido, o PAM. Só recuou com os movimentos populares e a
"Primavera Árabe", a ajuda de uma nova Constituição que cria um monte
de ambiguidades, e um método usado pelos socialistas: criar uma renovação de
fachada com os islamitas do PJD.
São atraídas novas elites a quem se vampiriza, para as
deixar em seguidas como zombies sem vida. Para mim, tudo isso entra na lógica da
continuidade. Joga-se com o tempo, esvazia-se a concha da sua substância e
espera-se que a pressão desça. Hassan II tinha muita paixão pelo papel de rei, o
que o empurrou para o absolutismo. Com Mohamed VI, é o contrário: uma falta de
paixão que fez com que a democratização não se consumasse. Um mesmo resultado com
duas personalidades diferentes.
Apoiou a «primavera árabe»
e previu o derrube das monarquias árabes, mas nenhuma se moveu…
O Bahrein é uma ocupação saudita! Sim, eu era muito próximo das
famílias reais da Arábia Saudita e da Jordânia, mas o respeito é, também,
respeitar as opiniões dos outros. Hoje, essas monarquias não gostam muito de
mim, porque pensam que eu me virei contra a minha raça. Não há exceção
marroquina, há, antes de mais, monarquia. Um sistema que não é inteiramente
fechado: há furos e válvulas. Mas penso que as válvulas não são suficientemente
grandes para aliviarem a pressão. A mudança geracional, de classe média, a recessão
na Europa são tantos novos parâmetros. A verdadeira exceção não é Marrocos. A
verdadeira exceção do mundo árabe é a Tunísia, e por aí ficamos. Mas o fascínio
pelo autoritarismo na região quebrou-se. O sentimento de impotência também.
Que solução para o
Sahara Ocidental, que continua a ser um problema difícil?
Marrocos obstina-se sobre o Sahara porque não tem um projeto
de democratização. A questão do Sahara é a mesma que a de Marrocos: em vez de
envolver as pessoas numa base cívica, procura-se engajá-las em bases
clientelistas. E o clientelismo não dá nada. Esta descentralização terá,
necessariamente, de integrar os princípios do direito internacional. Fico-me
por aqui, porque se digo «autodeterminação», vamos entrar nos qualificativos de
«traidor à pátria», etc. Mas, forçosamente, essa descentralização deve estar em
sintonia com o direito internacional. Tudo o resto é uma questão de negociações.
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