O recente protocolo pesqueiro UE-Marrocos voltou a suscitar
a questão dele poder incluir o Sahara Ocidental. O WSHRW publicou, em primeira
mão, o texto do parecer do serviço jurídico do Parlamento Europeu que argumentava
que, quando se fala de águas de "Marrocos", não se podem entender
incluídas as águas do "Sahara Ocidental", que é um território
distinto. Mas o departamento jurídico do Parlamento Europeu não aludia à normativa
comunitária sobre comércio exterior que, especificamente, deixa claro que, para
a União Europeia, em matéria de "comércio exterior", o "Sahara
Ocidental" é algo de distinto de "Marrocos". Aspeto este que será
muito importante para resolver a ação que a Frente Polisario apresentou a 19 de
novembro de 2012 contra o acordo UE-Marrocos de liberalização de produtos
agrícolas e pesqueiros de 2012.
I. A AÇÃO DA FRENTE
POLISARIO CONTRA O ACORDO UE-MARROCOS DE LIBERALIZAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS E
PESQUEIROS
A 19 de novembro de 2012, o advogado Chams-Eddin Hafiz apresentou ante o Tribunal de Justiça da União Europeia
uma ação contra a Decisão 2012/497/UE do Conselho, de 8 de março de 2012,
relativa à celebração do Acordo entre a União Europeia e o Reino de Marrocos sobre
medidas recíprocas de liberalização do comércio de produtos agrícolas, produtos
agrícolas transformados, pescado e produtos da pesca e o Regulamento de Execução
(UE) 812/2012 da Comissão, de 12 de setembro de 2012.
Neste
blog demos notícia desta importante iniciativa depois de, em fevereiro de
2013, o Jornal Oficial da União Europeia ter publicado notícias deste processo
e de um jornal espanhol ter-se feito eco disso mesmo. Os argumentos da ação giravam
em torno da ideia de que não sendo o Sahara Ocidental parte de Marrocos, segundo
o Direito Internacional, resultam nulos os acordos que podem avalizar a
anexação desse território por Marrocos.
Convém recordar, certamente, que ao abrigo deste acordo
empresas espanholas (como a Jealsa e Mercadona), estão importando produtos do
Sahara Ocidental rotulando-os como de "Marrocos". Alguém postou que
Jealsa e Mercadona tinham abandonado essa prática. Desconheço por que o fez,
porque quem publicou isso sabe que esta prática foi mantida.
II. O RECENTE
PROTOCOLO PESQUEIRO UE-MARROCOS E O NOVO DEBATE SOBRE A INCLUSÃO DO SAHARA
OCIDENTAL
A recente ratificação pela União Europeia (Conselho e
Parlamento) do novo protocolo pesqueiro com Marrocos, firmado em julho de 2013,
mas ainda não ratificado pelo "parlamento" marroquino, voltou a
suscitar a questão da eventual ilegalidade deste acordo.
O serviço jurídico do Parlamento Europeu elaborou um importante
parecer
publicado em primeira mão pelo Observatório dos Direitos Humanos no Sahara
Ocidental (WSHRW).
Esse parecer afirmava duas coisas importantes.
Em primeiro lugar, que quando se fala no acordo de águas de
"Marrocos", há que entender que não se incluem as águas do
"Sahara Ocidental" pela simples razão de que o Sahara Ocidental não faz
parte de Marrocos.
Em segundo lugar, dizia que, se apesar disso, o acordo de
pesca fosse utilizado para pescar nas águas do Sahara Ocidental, a compensação
paga pela UE não deveria ser feita a Marrocos, mas sim à população saharaui,
dona dos recursos haliêuticos.
III. O DIREITO COMUNITÁRIO
CONSIDERA QUE EM TERMOS DE "COMERCIO EXTERIOR" O SAHARA OCIDENTAL NÃO
É MARROCOS
As diversas opiniões jurídicas do serviço legal do
Parlamento Europeu, no entanto, omitiram um dado, a meu ver relevante. Esse dado
é que, de acordo com o Direito Comunitário em vigor, "Marrocos" é algo
diferente do "Sahara Ocidental", pelo que não é possível utilizar um
acordo com "Marrocos" para comerciar com o "Sahara
Ocidental".
Resulta do máximo interesse, para este efeito, conhecer o
Regulamento (UE) n ° 1106/2012 da Comissão, de 27 de novembro de 2012, que
altera o Regulamento (CE) n º 471/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho
relativo às estatísticas comunitárias do comércio externo com países terceiros,
no que diz respeito à atualização da nomenclatura dos países e territórios.
Este Regulamento tem três breves artigos que reproduzo
Artigo 1
A versão válida a
partir de 1 de janeiro de 2013 da nomenclatura de países e territórios para as
estatísticas de comércio exterior da União e do comércio entre os seus Estados
membros figura no anexo do presente Regulamento.
Artigo 2
O Regulamento (CE) no
1833/2006 é revogado com efeitos a partir de 1 Janeiro de 2013.
Artigo 3
O presente Regulamento
entrará em vigor a 1 de janeiro de 2013.
O presente Regulamento
será obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável a cada
Estado membro.
Após este breve articulado contem um Anexo intitulado
"NOMENCLATURA DE PAÍSES E TERRITÓRIOS PARA AS ESTATÍSTICAS DE COMÉRCIO
EXTERIOR DA UNIÃO E DE COMÉRCIO ENTRE OS SEUS ESTADOS MEMBROS"
Pois bem, nesse Anexo figuram claramente diferenciados
EH | Sahara Ocidental
MA | Marrocos | |
como também o estão:
PS | Territórios
Palestinianos | Cisjordânia (incluída Jerusalém Este) e Faixa de Gaza. |
IL | Israel | |
É verdade que este Anexo outorga uma nomenclatura específica
a territórios que fazem parte de um Estado. Por exemplo, têm nomenclatura
específica "Ceuta" e "Melilla", pela simples razão de que, para
efeitos comerciais, têm uma consideração peculiar no próprio Direito interno
espanhol, bem como no Direito Comunitário.
Ao contrário, no caso do Sahara Ocidental chama a atenção que
não havendo nenhuma norma "interna" marroquina que o diferencie especificamente
e não havendo cláusulas nos tratados comerciais firmados pela UE que lhe atribuam
um regime comercial peculiar se lhe outorgue uma nomenclatura específica.
A explicação é muito simples. Ao Sahara Ocidental
corresponde uma nomenclatura específica porque, como "território não
autónomo" como é qualificado pelas Nações Unidas corresponde-lhe um
estatuto DISTINTO E SEPARADO do da potência administrante (Espanha) e da potência
parcialmente ocupante (Marrocos).
A nomenclatura específica da UE para o Sahara Ocidental em comércio
exterior não pode deixar de ter, e terá que ter, consequências e muito
importantes.
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