segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O Direito Comunitário reconhece o Sahara Ocidental como território distinto de Marrocos



O recente protocolo pesqueiro UE-Marrocos voltou a suscitar a questão dele poder incluir o Sahara Ocidental. O WSHRW publicou, em primeira mão, o texto do parecer do serviço jurídico do Parlamento Europeu que argumentava que, quando se fala de águas de "Marrocos", não se podem entender incluídas as águas do "Sahara Ocidental", que é um território distinto. Mas o departamento jurídico do Parlamento Europeu não aludia à normativa comunitária sobre comércio exterior que, especificamente, deixa claro que, para a União Europeia, em matéria de "comércio exterior", o "Sahara Ocidental" é algo de distinto de "Marrocos". Aspeto este que será muito importante para resolver a ação que a Frente Polisario apresentou a 19 de novembro de 2012 contra o acordo UE-Marrocos de liberalização de produtos agrícolas e pesqueiros de 2012.

I. A AÇÃO DA FRENTE POLISARIO CONTRA O ACORDO UE-MARROCOS DE LIBERALIZAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS E PESQUEIROS
A 19 de novembro de 2012, o advogado Chams-Eddin Hafiz apresentou ante o Tribunal de Justiça da União Europeia uma ação contra a Decisão 2012/497/UE do Conselho, de 8 de março de 2012, relativa à celebração do Acordo entre a União Europeia e o Reino de Marrocos sobre medidas recíprocas de liberalização do comércio de produtos agrícolas, produtos agrícolas transformados, pescado e produtos da pesca e o Regulamento de Execução (UE) 812/2012 da Comissão, de 12 de setembro de 2012.

Neste blog demos notícia desta importante iniciativa depois de, em fevereiro de 2013, o Jornal Oficial da União Europeia ter publicado notícias deste processo e de um jornal espanhol ter-se feito eco disso mesmo. Os argumentos da ação giravam em torno da ideia de que não sendo o Sahara Ocidental parte de Marrocos, segundo o Direito Internacional, resultam nulos os acordos que podem avalizar a anexação desse território por Marrocos.

Convém recordar, certamente, que ao abrigo deste acordo empresas espanholas (como a Jealsa e Mercadona), estão importando produtos do Sahara Ocidental rotulando-os como de "Marrocos". Alguém postou que Jealsa e Mercadona tinham abandonado essa prática. Desconheço por que o fez, porque quem publicou isso sabe que esta prática foi mantida.


II. O RECENTE PROTOCOLO PESQUEIRO UE-MARROCOS E O NOVO DEBATE SOBRE A INCLUSÃO DO SAHARA OCIDENTAL
A recente ratificação pela União Europeia (Conselho e Parlamento) do novo protocolo pesqueiro com Marrocos, firmado em julho de 2013, mas ainda não ratificado pelo "parlamento" marroquino, voltou a suscitar a questão da eventual ilegalidade deste acordo.
O serviço jurídico do Parlamento Europeu elaborou um importante parecer publicado em primeira mão pelo Observatório dos Direitos Humanos no Sahara Ocidental (WSHRW).
Esse parecer afirmava duas coisas importantes.

Em primeiro lugar, que quando se fala no acordo de águas de "Marrocos", há que entender que não se incluem as águas do "Sahara Ocidental" pela simples razão de que o Sahara Ocidental não faz parte de Marrocos.

Em segundo lugar, dizia que, se apesar disso, o acordo de pesca fosse utilizado para pescar nas águas do Sahara Ocidental, a compensação paga pela UE não deveria ser feita a Marrocos, mas sim à população saharaui, dona dos recursos haliêuticos.
  


III. O DIREITO COMUNITÁRIO CONSIDERA QUE EM TERMOS DE "COMERCIO EXTERIOR" O SAHARA OCIDENTAL NÃO É MARROCOS
As diversas opiniões jurídicas do serviço legal do Parlamento Europeu, no entanto, omitiram um dado, a meu ver relevante. Esse dado é que, de acordo com o Direito Comunitário em vigor, "Marrocos" é algo diferente do "Sahara Ocidental", pelo que não é possível utilizar um acordo com "Marrocos" para comerciar com o "Sahara Ocidental".


Este Regulamento tem três breves artigos que reproduzo

Artigo 1
A versão válida a partir de 1 de janeiro de 2013 da nomenclatura de países e territórios para as estatísticas de comércio exterior da União e do comércio entre os seus Estados membros figura no anexo do presente Regulamento.

Artigo 2
O Regulamento (CE) no 1833/2006 é revogado com efeitos a partir de 1 Janeiro de 2013.

Artigo 3
O presente Regulamento entrará em vigor a 1 de janeiro de 2013.
O presente Regulamento será obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável a cada Estado membro.

Após este breve articulado contem um Anexo intitulado "NOMENCLATURA DE PAÍSES E TERRITÓRIOS PARA AS ESTATÍSTICAS DE COMÉRCIO EXTERIOR DA UNIÃO E DE COMÉRCIO ENTRE OS SEUS ESTADOS MEMBROS"
Pois bem, nesse Anexo figuram claramente diferenciados

EH | Sahara Ocidental

MA | Marrocos | |

como também o estão:

PS | Territórios Palestinianos | Cisjordânia (incluída Jerusalém Este) e Faixa de Gaza. |

IL | Israel | |


É verdade que este Anexo outorga uma nomenclatura específica a territórios que fazem parte de um Estado. Por exemplo, têm nomenclatura específica "Ceuta" e "Melilla", pela simples razão de que, para efeitos comerciais, têm uma consideração peculiar no próprio Direito interno espanhol, bem como no Direito Comunitário.
Ao contrário, no caso do Sahara Ocidental chama a atenção que não havendo nenhuma norma "interna" marroquina que o diferencie especificamente e não havendo cláusulas nos tratados comerciais firmados pela UE que lhe atribuam um regime comercial peculiar se lhe outorgue uma nomenclatura específica.
A explicação é muito simples. Ao Sahara Ocidental corresponde uma nomenclatura específica porque, como "território não autónomo" como é qualificado pelas Nações Unidas corresponde-lhe um estatuto DISTINTO E SEPARADO do da potência administrante (Espanha) e da potência parcialmente ocupante (Marrocos).

A nomenclatura específica da UE para o Sahara Ocidental em comércio exterior não pode deixar de ter, e terá que ter, consequências e muito importantes.

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