terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Ex-enviados pessoais do SG da ONU para o Sahara Ocidental criticam reconhecimento de Trump da soberania marroquina sobre o território

 


Os norte-americanos James Baker III, antigo secretário de Estado, e o embaixador Christopher Ross, enquanto ex-Enviados Pessoais dos SG das Nações Unidas para o Sahara Ocidental ao longo de anos são, seguramente, a par do ex-presidente alemão Horst Kohler, os mais bem conhecedores do processo resolução do conflito do Sahara Ocidental.

Baker exerceu o cargo de março de 1997 a junho de 2006; Ross de Janeiro de 2009 a março de 2017; e Kohler ocupou o cargo dois anos, tendo pedido a sua exoneração em Maio de 2019, alegando 'motivos de saúde' nunca esclarecidos. Os dois primeiros, após o anúncio do presidente Trump no passado dia 10 de um acordo mediado pelos EUA entre Marrocos e Israel para normalizar as relações em troca do reconhecimento da soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental pelos EUA, emitiram declarações criticando duramente a decisão unilateral de Trump.

Na sexta-feira, o ex-Secretário de Estado James A. Baker III – enviado pessoal do Secretário-Geral das Nações Unidas para o Sahara Ocidental de 1997 a 2004, divulgou a seguinte declaração sobre o assunto:

“Embora eu apoie fortemente os Acordos de Abraham, a maneira adequada de implementá-los foi a forma como foi feito com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Sudão, e não trocando cinicamente os direitos de autodeterminação do povo do Sahara Ocidental. Concordo com o senador James Inhofe, ao caracterizar esse desenvolvimento como ‘chocante e profundamente decepcionante’. Parece que os Estados Unidos da América, que se fundaram principalmente no princípio da autodeterminação, se afastaram desse princípio em relação ao povo do Sahara Ocidental. Isso é muito lamentável”. (https://www.bakerinstitute.org/news/statement-of-james-a-baker-iii-regarding-morocco-and-western-sahara/)

Também o embaixador Christopher Cross, que serviu como Enviado Pessoal do Secretário-Geral da ONU para o Sahara Ocidental de 2009 a 2017, fez uma declaração pública no Facebook Diz Ross:

"Servi como Enviado Pessoal do Secretário-Geral da ONU para o Sahara Ocidental de 2009 a 2017. Diante desse histórico, várias vezes me perguntaram o que penso da recente proclamação do presidente Trump que reconhece a soberania marroquina sobre a ex-colónia espanhola. do Sahara Ocidental.

Esta decisão tola e mal pensada viola o compromisso dos Estados Unidos com os princípios de não aquisição de território pela força e o direito dos povos à autodeterminação, ambos consagrados na Carta da ONU. É verdade que ignoramos esses princípios quando se trata de Israel e outros, mas isso não é desculpa para ignorá-los no Sahara Ocidental e incorrer em custos significativos para nós em termos de estabilidade e segurança regional e nas nossas relações com a Argélia.

O argumento que alguns em Washington vêm invocando há décadas de que um Estado independente no Sahara Ocidental seria outro miniestado falido, é falso. O Sahara Ocidental é tão grande quanto a Grã-Bretanha e possui vastos recursos de fosfatos, pesca, metais preciosos e turismo baseado no windsurf e em excursões no deserto. Está muito melhor do que muitos miniestados cujo estabelecimento os Estados Unidos apoiaram. A Frente Polisario de Libertação para o Sahara Ocidental demonstrou, ao estabelecer um governo no exílio nos campos de refugiados do Sahara Ocidental no sudoeste da Argélia, que é capaz de liderar um governo de forma organizada e semidemocrática. A proposta de referendo apresentada pela Polisario em 2007 prevê relações privilegiadas muito estreitas com Marrocos em caso de independência. Respondeu à alegação de que não seria capaz de defender o vasto território do Sahara Ocidental de ameaças terroristas ou outras, afirmando que solicitaria a ajuda de outros até que as suas próprias forças estivessem totalmente posicionadas.

É verdade que os EUA sempre expressaram o seu apoio tanto ao processo de negociação facilitado pela ONU quanto, desde 2007, ao plano de autonomia do Marrocos como possível base de negociação. A palavra UMA é crucial porque implica que outros resultados podem surgir e, assim, garante que a Polisario permaneça no processo de negociação, em vez de recuar para uma retomada da guerra aberta que prevaleceu de 1976 a 1991. Foi nesse ano que Marrocos e a Polisário chegaram a acordo sobre um plano de solução da ONU que prometia um referendo em troca de um cessar-fogo. Passaram treze anos tentando chegar a um acordo sobre uma lista de eleitores elegíveis, os últimos sete sob a supervisão de James Baker. No final, esses esforços fracassaram porque Marrocos decidiu que um referendo era contrário à sua (pretensão de) soberania e, ao fazê-lo, não obteve nenhuma rejeição do Conselho de Segurança. Em 2004, isso fez com que Baker renunciasse.

Em seguida, o Conselho de Segurança substituiu as negociações diretas entre Marrocos e a Polisário como uma abordagem alternativa. Presididos por três sucessivos enviados da ONU da Holanda (van Walsum), dis EUA (eu próprio) e Alemanha (Kohler), foram realizadas treze rondas de negociações face a face na presença da Argélia e da Mauritânia desde 2007 a 2019. Até ao momento, esses esforços também falharam porque nenhum dos lados estava preparado para mudar a sua posição em nome do compromisso. Com a demissão do mais recente enviado, em 2019, "por motivos de saúde", mas mais provavelmente por desgosto pela falta de respeito por parte de Marrocos e pelos esforços para obstruir o seu trabalho (como fizeram comigo), o Secretário-Geral da ONU procura outro enviado. Aqueles que abordou até agora recusaram-se, provavelmente porque reconhecem que Marrocos quer alguém que realmente se torne seu defensor, em vez de permanecer neutral e, como resultado, embarcaria numa "missão impossível".

Se quisermos chegar a um acordo, será por meio de um longo processo de negociação de algum tipo. A decisão do presidente Trump de reconhecer a soberania marroquina destrói qualquer incentivo para que a Polisario permaneça nesse processo. Também ameaça as relações da América com a Argélia, que apoia o direito dos saharauis de decidirem o seu próprio futuro através de um referendo e mina o crescimento dos nossos laços existentes em energia, comércio, segurança e cooperação militar. Em suma, a decisão do presidente Trump garante tensão, instabilidade e desunião contínuas no Norte da África.

 

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