segunda-feira, 4 de outubro de 2021

A importância de consolidar as relações entre Portugal e o Sahara Ocidental

 



Os saharauis denunciam a escalada de violência e represálias contra ativistas de direitos humanos, que aumentaram com a quebra do cessar-fogo. Artigo de opinião de Omar Mih, representante da Frente POLISARIO na União Europeia.

 

São muitos os fatores históricos, geográficos, culturais e políticos que aproximam Portugal da questão do Sahara Ocidental.

 

OMAR MIH* - Representante adjunto da Frente POLISARIO na União Europeia - A chegada ao Sahara Ocidental dos primeiros navegadores portugueses remonta aos séculos XIV e XV. Foram os primeiros europeus a instalarem-se na costa atlântica onde construíram o porto do Cabo Bojador e o farol que ainda hoje testemunha esta primeira passagem. Portugal, a região mais ocidental da Europa, com os arquipélagos dos Açores e da Madeira, está geograficamente próximo do Sahara Ocidental e foi afetado pela invasão árabe que deixou uma marca notável no território. O Oceano Atlântico, fonte de recursos importantes para o Sahara Ocidental, sempre representou o centro dos interesses portugueses em todas as áreas, da economia à política.

Depois de uma ditadura de meio século que o isolou do resto da Europa e do Ocidente, Portugal, em meados dos anos70, ultrapassou definitivamente o passado, está totalmente integrado no contexto europeu e participa da forma mais dinâmica nos acontecimentos europeus e mundiais. O novo regime democrático aprovou uma Constituição que, no artigo 7º, reconhece o direito dos povos à autodeterminação, independência e desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão, e apoiou a independência de Timor-Leste.

A pressão portuguesa sobre a comunidade internacional obrigou a Indonésia a aceitar o referendo em Timor-Leste, que tinha ocupado ilegalmente em 1975, aproveitando a falta de atenção do governo português, empenhado na resolução das questões internas e da descolonização das outras colónias, na sequência da transição para a democracia. Esta contribuição histórica faz de Portugal um Estado-chave na defesa de casos semelhantes, como o do vizinho Sahara Ocidental.

Durante a minha breve e intensa visita a Portugal, pude constatar o consenso político transversal das forças políticas e sociais em prol da causa da autodeterminação do povo saharaui, base sólida para construir sólidas relações de futuro. A sociedade civil, atenta ao caso de Timor-Leste, simpatiza fortemente com a justa causa do povo saharaui e a sua luta pela liberdade.

A influência e o papel que Portugal tem hoje no sistema internacional (o atual Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, é um dos principais expoentes da política portuguesa) fazem dele um parceiro político ideal para o povo saharaui que vive desde 1975 dividido no exílio na Argélia, no território ocupado ilegalmente por Marrocos, e na diáspora.

Estas são algumas das razões que impulsionam a Frente POLISARIO e a República Saharaui a consolidar as relações com as instituições portuguesas e a sociedade civil, tendo em vista a autodeterminação e independência do Sahara Ocidental.

Agora, gostaria de me concentrar brevemente sobre a situação atual no Sahara Ocidental, que está a passar por um momento crucial.

Quase trinta anos após a entrada em vigor do cessar-fogo, a guerra do Sahara Ocidental foi retomada a 13 de novembro de 2020, colocando em risco a frágil trégua entre Marrocos e a Frente POLISARIO conseguida através dos Acordos de Paz de 1991, sob a égide das Nações Unidas e da União Africana. Foi o exército marroquino que lançou uma operação militar contra grupos de civis saharauis desarmados no extremo sudoeste do Sahara Ocidental em El Guerguerat, violando o acordo militar de 1997, a que a Frente POLISARIO reagiu, sendo obrigada a retomar as hostilidades.

Nos últimos dias, António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, nomeou Staffan de Mistura como seu novo Enviado Pessoal para o Sahara Ocidental, pelo que esperamos que em breve sejam retomadas as negociações entre Marrocos e a Frente POLISARIO, que se encontram num impasse após a renúncia do ex-presidente alemão Horst Kohler, em 2019.

A decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a queixa apresentada pela Frente POLISARIO relativa à anulação do acordo de pesca entre a UE e Marrocos será publicada no próximo dia 29 de setembro. Este Tribunal já decretou, nas suas duas decisões anteriores, que “o Sahara Ocidental é um território separado e distinto do de Marrocos, e que este último não tem soberania sobre aquela área”, pelo é o povo saharaui que deve autorizar a exploração dos seus recursos naturais.

A pandemia de Covid-19 tornou a situação dos refugiados saharauis nos Acampamentos de Tindouf (Argélia) mais dramática. Nos territórios ocupados do Sahara Ocidental, os e as saharauis denunciam a escalada de violência e represálias contra ativistas de direitos humanos, que aumentaram com a quebra do cessar-fogo.

Neste contexto complexo, os encontros com as forças políticas, as instituições e a sociedade civil portuguesas foram uma oportunidade para pedir que se respeite o princípio da autodeterminação consagrado na Carta das Nações Unidas, já aplicado para resolver a delicada questão de Timor-Leste, garantindo aos saharauis a decisão sobre o seu destino através de um referendo livre, justo e honesto sob a égide das Nações Unidas.

Espero que esta colaboração com Portugal se consolide ao longo do tempo, até que o objetivo final seja alcançado: a autodeterminação do povo saharaui.

Sem comentários:

Enviar um comentário