A alegada marcha pacífica procurava encobrir a invasão militar que já tinha sido desencadeada... |
Cumprem-se hoje 39
anos da Marcha Verde, através da qual o regime marroquino de Hassan II iria
consumar a invasão da até então colónia espanhola do Sahara Ocidental. Uma
enorme encenação que preparava nos bastidores aquela que é, talvez, a maior
traição de uma potência colonial em África: os acordos tripartidos de Madrid,
subscritos por Espanha oito (8) dias depois. Neles, o Estado ibérico concedia a
Marrocos e à Mauritânia a administração do Sahara Ocidental, a troco de
compensações económicas no domínio da exploração dos fosfatos e das pescas que
se mantiveram secretas.
O rei Hassan II de
Marrocos deu a ordem de partida para a denominada Marcha Verde no dia 6 de
novembro de 1975. Inicialmente a marcha estava prevista para 28 de outubro, mas
foi adiada para 2 de novembro, para logo depois se dizer que teria lugar entre
4 e 6 de novembro.
Uns dias antes, a agência
norte-americana United Press International (UPI) informou, citando fontes governamentais
e militares marroquinas, que tropas do exército marroquino entraram no território
do Sahara espanhol e ocupavam toda a fronteira entre o Sahara e a Argélia. A
penetração teve início pouco tempo depois de ter falado no Conselho de
Segurança o representante espanhol, segundo informava Pyresa.
A televisão norte-americana
deu a notícia de que forças marroquinas tinham passado a citada fronteira. Fontes
saharauis informaram que nas últimas horas tivera lugar um confronto entre tropas
marroquinas e guerrilheiros da Frente Polisario na zona de El Farsía, entre
Mahbes e Ecgedería, uns 60 km no interior da fronteira.
- Em El Aaiún prossegue
o recolher obrigatório geral. O Príncipe Juan Carlos chega à capital saharaui no
dia 3 de novembro e no Casino Militar dirige-se aos assistentes com estas palavras:
“Vim para vos saudar e viver umas horas
convosco; connosco está o vosso espírito, a vossa disciplina e a vossa eficácia.
Sinto não poder estar mais tempo aqui com estas magníficas unidades, mas queria
dar-vos pessoalmente a segurança de que se fará tudo quanto seja necessário
para que o nosso exército conserve intacto o seu prestígio e honra. Espanha
cumprirá os seus compromissos e tratará de manter a paz, dom precioso que temos
que conservar. Não se deve pôr em perigo nenhuma vida humana quando se oferecem
soluções justas e desinteressadas e se procura com afã a cooperação e o entendimento
entre os povos. Desejamos proteger também os legítimos direitos da população civil
saharaui, já que a nossa missão no mundo e a nossa história no-lo exigem. A
todos um abraço e saudação com o maior afeto, já que quero ser o primeiro
soldado de Espanha”.
No seu regresso a Madrid
presidiu a uma reunião da Junta de Defesa Nacional a que assistiu o governador-geral
do Sáhara, Gómez de Salazar, e o Chefe co Comando Unificado de Canárias, o tenente-general
Ramón Cuadra Medina.
- Em Nova Iorque, a
ONU culmina as suas gestões, consultas e deliberações com a aprovação por
consenso de uma nova resolução, a qual, como a anterior, exorta as partes “envolvidas
e interessadas” a evitar qualquer ação “susceptível de incrementar a escalada da
tensão na região”. O documento elaborado após sete horas de consultas, à porta fechada,
solicita novamente ao SG, Kurt Waldheim, que “continue e intensifique as suas
consultas com as partes interessadas e afetadas, e mantenha informado o Conselho
de Segurança para que este possa adotar quaisquer medidas apropriadas que sejam
necessárias”. Em declarações privadas, alguns membros do Conselho, presidido pelo
embaixador soviético, Malik, disseram que o que este organismo preconiza é uma
solução baseada no estabelecimento da presença da ONU no Sahara, a fim de coadjuvar
a administração do território até que o futuro seja decidido. Essa presença,
dizem, poderia assumir a forma de uma administração civil e não militar.
O apelo contido na
resolução aprovada pelo Conselho para que se evite qualquer ato capaz de
agravar a situação em torno da questão do Sahara, é interpretada como uma tácita
advertência a Marrocos para que desista dos seus planos para a “pacífica” invasão
do território saharaui. No decurso do Conselho as advertências em tal sentido
dirigidas ao monarca alauita pelo delegado espanhol, Fernando Arias Salgado, e
pelo embaixador da Argélia, Abdelatif Rahal, foram claras e precisas.
Com a Marcha Verde começou o êxodo saharaui... |
- O diário ‘Financial
Times’ conclui em editorial que “todos os esforços diplomáticos devem ser dirigidos
a persuadir o Rei Hassan para que aceite uma solução das Nações Unidas”.
- Por seu lado, o diário
‘The Guardian’, sob o título “A crescente ameaça da “marcha verde”, diz que a
marcha decidida pelo Rei Hassan II sobre o Sahara “começa agora a tomar
diariamente um matiz mais ameaçador “. O periódico faz depois uma série de perguntas
: “Que fará Hassan II com os participantes da marcha uma vez chegado à terra
prometida?” “Convocará um referendo e ganha-lo-á?” Não haverá risco de resistência
se repartir o território com a Mauritânia? E, por último, por que pede Marrocos
a autodeterminação para os palestinos e não para os saharauis?”. Qualifica, depois,
a ação de Hassan II de “hábil e cínica” e faz referência às citações do Corão
nos seus discursos e na utilização do adjetivo verde para a marcha por ser esta
a cor santa do Islão. ‘The Guardian’ acrescenta que, em primeiro lugar, a
realização de um referendo é o melhor caminho para sair da crise e, em segundo,
que a ONU é o organismo melhor colocado para intervir diplomaticamente na
questão.
Fonte : Hemeroteca de
ABC
Sem comentários:
Enviar um comentário