A exumação das vítimas da
repressão marroquina desencadeada antes Espanha sair do território saharaui
está removendo o passado.
Afinal, que o deserto está
cheio de valas comuns não é novidade em El Aaiún, onde há bairros-de-lata inteiros
de beduínos obrigados a fixar residência na cidade face à política de terra
queimada praticada durante anos pelos invasores: tratava-se de “varrer o
interior” do deserto - hostil e desconhecido para as tropas marroquinas - , de nómadas
que conheciam muito bem o território e poderiam servir de apoio aos
guerrilheiros da Frente Polisario.
O que é novo é que agora surja
a outra versão da invasão, a dos saharauis, que não tem nada a ver com a versão
oficial que, entre outros “fadinhos” (como a da falsa legalidade dos Acordos de
Madrid) afirmou aos espanhóis que o Governo tinha mantido uma posição de firmeza
ante as pressões marroquinas para apoderar-se pela força da província espanhola
número 53. Esta, por exemplo, é a narração de um ativista de direitos humanos
que vive em El Aaiún, cuja identidade, por enquanto, não revelo por razões de
segurança:
“Durante a invasão marroquina
do Sahara Ocidental foram cometidos muitos massacres. Procurava-se o extermínio
do povo saharaui, e esta operação teve o apoio do Exército espanhol, desde outubro
de 1975 até finais de fevereiro 76. O apoio espanhol consistiu em facilitar ao
invasor marroquino os mapas com as indicações das áreas onde tradicionalmente
acampavam os saharauis, e dos pontos onde circulavam as guerrilhas da Frente
Polisario.
Nesses mapas estavam também
assinalados os pontos onde existiam poços de água. Além desta ajuda, helicópteros
espanhóis sobrevoaram as tropas marroquinas para as guiar quando começaram a
entrar no Sahara Ocidental pela parte nordeste, muito antes dos acordos
tripartidos e da Marcha Verde, em direção às zonas mais seguras. Num diâmetro em
torno de 50 quilómetros das principais populações de Housa, Smara, Amgala, Hagounía,
Guelta, Um Draiga, Bir Anzarán… viviam muitos pastores saharauis. O mesmo ocorria
nos arredores de El Aaiún, Cabo Bojador e
Bu Craa.
Nessas zonas, as tropas de
ocupação mataram milhares de beduínos que nomadizavam com o seu gado. Simultaneamente,
envenenaram os poços de água ou fecharam-nos, cimentando-os. Os caprinos e os
dromedários também não se livraram desta matança: o objetivo era impedir a
Polisario de se beneficiar com eles.
Os poucos camponeses que se
livraram dos massacres fugiram ou foram trasladados à força em camiões militares
para Smara e, sobretudo, para El Aaiún. Este processo prosseguiu por parte do
invasor até meados de 1978. Nestas operações nunca se soube ao certo o número
exato de saharauis desaparecidos, pois as famílias que estavam sob domínio do
ocupante julgavam que os seus filhos se tinham juntado à Polisario, e os Polisarios
pensavam que os desaparecidos tinham ficado nas zonas ocupadas. Como é normal,
nada se soube dos desaparecidos devido à inexistência dos meios de comunicação.
Além disso, ninguém podia perguntar sem receio de ser preso e torturado pelo
ocupante marroquino.”
Por agora, este é o fim do
seu relato. Aceitam-se outros testemunhos que possam completá-lo.
Fonte: Ana Camacho
(12/10/2013). Jornalista, antiga correspondente do EL PAIS para o Magrebe. En
arenas movedizas.
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